Por: António Pires
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Das minhas memórias de infância, entre muitos, retenho o seguinte episódio que se contava na minha aldeia, Vale de Frades: um valefradense foi pela primeira vez ao Porto, julgo que à inspecção militar, a “tirar as sortes”, como antigamente se dizia por aqueles lados. Chegado à Invicta – numa viagem de ida e volta na carreira do Cabanelas -, começou a dar as boas horas a quem com ele se cruzava na rua, sem que ninguém tivesse a delicadeza de lhas devolver. De regresso à aldeia, questionado sobre a “experiência” dum mundo que não imaginava existir, depois de se manifestar completamente rendido ao tamanho e imponência da dita urbe, observou: “Aquela gente do Porto é estranha”! Estão todos zangados uns com os outros! Não se cumprimentam. Ninguém dá as boas horas”.
Por razões que se compreendem (ou não), as grandes cidades são muito dadas à impessoalidade, ao egoísmo, ao desafecto, à distância e à frieza de contactos/relações entre as pessoas. Inversamente, nos meios rurais, na província, nas aldeias, nas vilas e nas cidades pequenas, porque toda a gente se conhece, desenvolvem-se facilmente laços de amizade. A solidariedade é um valor inquestionável, que se renova, se actualiza e manifesta no dia a dia. Os problemas, o sofrimento e a dor alheios vivem-se e sentem-se de forma colectiva, numa espécie de ligação genuinamente paroquial e gregária.
No entanto, este traço cultural de dar as boas horas, intimamente associado aos transmontanos, qual marca identitária, parece estar a cair em desuso – facto que me entristece desassossegadamente, porquanto, e ainda que a sociedade evolua, o país se desenvolva e progrida, tenhamos os jovens mais bem preparados de sempre, há valores que são intemporais, não são património desta ou daquela geração. Uma constatação tanto mais preocupante, quanto se sabe que tal “regressão” de valores se verifica em instituições públicas, de que dou um exemplo, que, infelizmente, está longe de ser episódico.
No pretérito sábado, fui visitar uma pessoa amiga ao Hospital de Macedo. Entrei, dei a boa tarde à funcionária administrativa que estava na recepção, devolveu-me cordialmente o cumprimento e, por indicação sua, aguardei na sala de espera, até chegar a minha vez. Durante a meia hora de permanência naquele lugar, foram vários os servidores do Estado (de bata branca e azul) que ali passaram - em trânsito para o cigarrinho e o café no exterior da instituição -, sem que nenhum se tivesse dignado verbalizar um espontâneo e gratuito “boa tarde”.
Em compensação por tal deselegância (para não usar uma palavra mais forte) e para salvar a honra do convento/hospital, valeu a delicadeza e a simpatia da enfermeira da unidade de AVC, em serviço. Um comportamento próprio de quem tem educação de berço e que recorre, com naturalidade, ao uso das palavras mágicas (“boa tarde”, “diga, por favor”, “peço desculpa” e “obrigado”), que dizem muito do carácter e da personalidade de quem as profere.
Há coisas que não se compram, nem os canudos conferem.
Por razões que se compreendem (ou não), as grandes cidades são muito dadas à impessoalidade, ao egoísmo, ao desafecto, à distância e à frieza de contactos/relações entre as pessoas. Inversamente, nos meios rurais, na província, nas aldeias, nas vilas e nas cidades pequenas, porque toda a gente se conhece, desenvolvem-se facilmente laços de amizade. A solidariedade é um valor inquestionável, que se renova, se actualiza e manifesta no dia a dia. Os problemas, o sofrimento e a dor alheios vivem-se e sentem-se de forma colectiva, numa espécie de ligação genuinamente paroquial e gregária.
No entanto, este traço cultural de dar as boas horas, intimamente associado aos transmontanos, qual marca identitária, parece estar a cair em desuso – facto que me entristece desassossegadamente, porquanto, e ainda que a sociedade evolua, o país se desenvolva e progrida, tenhamos os jovens mais bem preparados de sempre, há valores que são intemporais, não são património desta ou daquela geração. Uma constatação tanto mais preocupante, quanto se sabe que tal “regressão” de valores se verifica em instituições públicas, de que dou um exemplo, que, infelizmente, está longe de ser episódico.
No pretérito sábado, fui visitar uma pessoa amiga ao Hospital de Macedo. Entrei, dei a boa tarde à funcionária administrativa que estava na recepção, devolveu-me cordialmente o cumprimento e, por indicação sua, aguardei na sala de espera, até chegar a minha vez. Durante a meia hora de permanência naquele lugar, foram vários os servidores do Estado (de bata branca e azul) que ali passaram - em trânsito para o cigarrinho e o café no exterior da instituição -, sem que nenhum se tivesse dignado verbalizar um espontâneo e gratuito “boa tarde”.
Em compensação por tal deselegância (para não usar uma palavra mais forte) e para salvar a honra do convento/hospital, valeu a delicadeza e a simpatia da enfermeira da unidade de AVC, em serviço. Um comportamento próprio de quem tem educação de berço e que recorre, com naturalidade, ao uso das palavras mágicas (“boa tarde”, “diga, por favor”, “peço desculpa” e “obrigado”), que dizem muito do carácter e da personalidade de quem as profere.
Há coisas que não se compram, nem os canudos conferem.
António Pires
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