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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

UMA CONVERSA COM O PISCO DE PEITO RUIVO

 Transcrevo para aqui este belo texto de uma publicação da QUERCUS, destinada a crianças, da autoria dos meus amigos, Walter Gomes e Paulo Magalhães.

Acreditavas se te disséssemos que por gostarmos tanto do Pisco-de-peito-ruivo, como aliás gostamos de todos os animais e de tanto o termos observado, conseguimos que ele nos contasse esta história?

OS AUTORES


Olá. Eu sou o Pisco de peito Ruivo. Adivinhaste logo, não foi?

De facto, sou uma das aves mais fáceis de identificar, por acusa da cor do meu peito.

Bom, já que me apresentei, devo dizer-te que estou contente por teres visitado o meu território? Tem graça, para mim é tão natural, que nunca pensei que o desconhecesses.

Sendo assim, vou explicar-te a razão da sua existência. E se quiseres, conto-te outras coisas que te permitirão conheceres-me melhor. Senta-te nessa pedra junto do caminho e escuta.

Eu sou uma ave insectívora, o que quer dizer que me alimento essencialmente de insectos. Também como bagas e outros frutos no Inverno, pois nessa época os insectos estão, na sua maioria, escondidos ou a transformar-se.

Ora, como não posso andar sempre a mudar de lugar, tenho de ter um terreno em que possa encontrar suficiente alimento durante todo o ano. É esse terreno o meu território, onde, é claro, também tenho de ter um recanto para fazer ninho.

Quanto mais rico em alimento ele for, menor é o espaço de que preciso. Por isso, o tamanho dele é variável ao longo do ano.

Passo os dias a percorrer os limites do meu território. Coloco-me nos extremos dos ramos e canto algumas notas, enquanto mostro bem a cor do meu peito. Assim, nenhum outro pisco virá ocupar-me o lugar.

Decerto estás a pensar que eu sou egoísta ao proceder desta forma. Pensarás que não tenho o direito de impedir outro pisco de viver no mesmo sítio que eu.

Podes crer que teria o maior prazer nisso. No entanto, se o permitisse, ambos correríamos o risco de morrer por falta de alimento suficiente. Como certamente compreendes, nenhum de nós teria ganho com essa situação.

Acredita, é mesmo necessidade e não egoísmo.

Dizes que o meu território tem muitos milhares de pequenos animais, que chegavam para alimentar muitas aves. E é verdade que alimentam. Se estiveres com atenção, verificas que aparecem muitas outras espécies de aves neste sítio. Mas são aves que se alimentam de insectos de que nós, os piscos, não gostamos.

Por outro lado, repara, se, por exemplo, um pastor tem dez animais, só mata um de cada vez para comer. E só o faz quando lhe acaba a carne. Os outros ficam para se reproduzirem e assim, ele tem sempre a garantia de poder comer carne. Se os matasse a todos e os guardasse no frigorífico, quando a carne acabasse, o que é que ele comeria? Compreendes?

É por isso, que, além dos insectos que eu como, ainda têm de ficar muitos para se multiplicarem e me servirem de alimento no futuro.

Mas, sossega, que as coisas compõem-se quase sempre. Por exemplo, há outros piscos que vivem nas regiões frias do norte. Quando a neve cobre tudo e não podem procurar comida, eles fazem migrações para zonas mais quentes. Então aparecem aqui muitos companheiros. E como nessa altura muitas plantas estão cheias de bagas, nós encolhemos um pouco o nosso território e assim, cabem mais alguns. Quando o tempo aquece, lá vão eles de novo embora, contentes com a nossa ajuda. Alguns acabam mesmo por ficar por cá em terrenos livres, tornando-se nossos vizinhos para sempre. Isso acontece geralmente quando um de nós morre.

Como é que nós sabemos que um morre? É fácil, basta que ele deixe de aparecer na ponta dos ramos a mostrar o peito e a cantar.

Já agora, deixa-me dizer-te que eu próprio já passei por duas situações difíceis em que tive de procurar novos territórios, embora por razões diferentes. Queres que tas conte?

A primeira aconteceu quando me tornei independente. Até então, eu dependia dos meus pais que me alimentavam desde que tinha saído do ovo. Eles procuravam comida e vinham trazer-ma, mesmo depois de eu ter saído do ninho, porque ainda não sabia procurá-la sozinho.

Vê esta fotografia que tinha ali guardada num canto. Sou eu pouco depois de ter saído do ninho. Era muito diferente, não é verdade? Repara que a minha plumagem não tinha cores vivas como agora. Essa era a chave. Ou seja, quando eu mudei de plumagem, no fim do Verão, o meu pai viu que era chegada a hora de nos separarmos e ensinou-me a procurar o meu próprio território.

Foi o momento mais difícil da minha vida.

Andei muitos dias a procurar um lugar para me fixar e sempre que me aparecia um bom, lá estava outro pisco a dizer-me que já estava ocupado. Finalmente, descobri um sem dono. Fiquei tão contente...Todos os vizinhos cantaram a dar-me as boas-vindas.

Até que um dia vieram umas máquinas que destruíram tudo. Caíram as árvores e os arbustos, o riacho onde bebíamos e nos banhávamos foi tapado com muita terra, não ficou nada em pé. Apenas havia imenso pó no ar.

Nós as aves, tivemos sorte porque pudemos fugir rapidamente, voando. Os outros animais, que se deslocavam devagar, não puderam escapar. Tive tanta pena deles! Fiquei muito tempo ali perto a ver as máquinas a arrastarem terra sobre eles, que olhavam para mim, aflitos. Gostava tanto de ter podido ajudá-los!

E foi com uma grande tristeza que me afastei, porque eu também estava aflito, sem ter onde viver.

Vais desculpar-me, mas tenho de ir dar uma volta para marcar presença. Distraí-me um pouco com a conversa e não quero que pensem que morri. Vou aproveitar para tomar um banho rápido, porque preciso de arranjar as penas.

Não, não é vaidade. Pode parecer, de facto, mas é apenas outro dos cuidados que temos de ter para nos mantermos vivos. Ora diz-me cá, se dormisses cá fora ao relento, tinhas de te cobrir com uma montanha de cobertores, quando as noites são frias. Já estás a tremer, só de pensares, não é? Agora imagina-me sem penas. Se não tiver cuidado com elas, o frio passará e eu morrerei gelado rapidamente.

Já cá estou de novo. Desculpa a demora.

Enquanto componho as penas, aproxima-te mais um pouco, para ouvires uma coisa que não quero que mais alguém saiba:

Quando aqui cheguei, passei alguns dias muito triste, a lembrar-me do meu antigo território destruído e dos animais que tinham sido mortos. Entretanto, a Primavera chegara e as plantas tinham novas folhas a nascer, À minha volta parecia que tudo renascia e todas as aves das redondezas cantavam as melhores melodias que conheciam.

Também fui contagiado por toda esta corrente de alegria e acabei por dar comigo na ponta de um ramo, a responder aos outros piscos. Confesso que fiquei espantado comigo próprio, pois nunca pensara ser capaz de cantar tão bem.

Foi então que aconteceu o que eu queria dizer-te: de repente, na minha frente, apareceu um outro pisco, mas a minha reacção não atacá-lo. Não sabia bem porquê, não tinha vontade de o mandar embora. Havia qualquer coisa diferente nele. Ou melhor, nela. É verdade, era uma fêmea, que me olhava fixamente. Fiquei embaraçado, sem saber o que fazer. Só então reparei que a minha plumagem brilhava, as penas nunca tinham estado tão lindas. Acho que fiquei muito corado e ainda bem que isso não se nota nas aves.

Ela aproximou-se devagar e eu convidei-a a visitar o meu território e a ficar, se gostasse.

Ainda pensei que estaria a cometer um erro, porque a comida podia não chegar para os dois. Mas lembrei-me dos meus pais e da forma como se ajudaram quando eu nasci.

Tudo havia de dar certo.

Durante a visita, a minha companheira parou a observar uma cavidade junto das raízes de um grande carvalho. Era aquele o lugar ideal para ela construir o nosso ninho. Ficou combinado que seria ali e ela começou logo o trabalho.

Foi ela, que sozinha, construiu o ninho. Eu fiquei encarregado de a alimentar e não descansei um momento, pois tinha de manter a vigilância na zona. E sabes que nunca faltou comida? Os insectos apareciam de todo o lado e chegaram para nos alimentar a todos, incluindo os dez filhos que tivemos, em duas ninhadas.

Era a Mãe-Natureza a ajudar-nos, como aliás sempre faz a todos os seres vivos.

Mas o Inverno seguinte foi muito frio e tivemos muita dificuldade em conseguir comida. O que nos valeu e isto é muito importante que te diga, é que uma menina, que vive aqui perto, é muito amiga das aves. Ela adivinhou as nossas dificuldades e, juntamente com o pai, colocou no quintal um comedouro para nós. Quando o descobrimos, foi uma festa. Ela punha lá sementes e frutos muito apetitosos e era ver os chapins, os verdelhões ou os pardais e nós, claro, todos contentes com esta preciosa ajuda. A notícia espalhou-se e vinham aves de longe matar a fome.

Chegámos a permitir que a menina se colocasse à janela a ver-nos, sem fugirmos.

O sorriso dessa menina era mesmo o que nos aquecia nesse Inverno.

Infelizmente, não há só pessoas boas.

E, num dia em que a minha companheira ia a caminho do quintal da menina, vi-a cair de repente no chão e ficar imóvel. Aproximei-me, cheio de medo e vi um rapaz com uma espingarda de pressão de ar. Tinha-a matado.

A menina também tinha visto o rapaz, mas não tinha tido tempo de evitar o tiro. Veio a correr, pegou no corpo da minha companheira antes que o rapaz tivesse tempo de saltar o muro onde estava escondido e, a chorar, levou-o para casa.

Eu, que não sei chorar, cantei até ser noite escura, uma canção muito linda, mas muito triste. A imagem da minha querida companheira acompanhou-me até adormecer.

Mais tarde, a menina disse-me que o rapaz tinha recebido a espingarda como prenda de Natal.

Não consigo compreender como é que no Natal, em que os homens comemoram a vida, oferecem aos filhos instrumentos de morte.

Bem, meu querido amigo – acho que te posso chamar amigo – já está a ser tarde para ambos. Vou fazer a última ronda antes de ir dormir.

Como ouviste, a vida é feita de alegrias e tristezas. Mas muitas tristezas podiam ser evitadas, não achas?

Antes de ires embora, deixa-me fazer-te um pedido: se tens um quintal planta lá árvores e arbustos, mas escolhe os que dão bom abrigo e bagas saborosas. Se o fizeres, terás decerto a visita de muitas aves. É bem possível que um pisco se venha a fixar lá. Posso até vir a ser eu, se entretanto o meu território for destruído, como foi o anterior.

Estarás a ajudar-nos muito.

Aparece sempre que quiseres, pois gostei muito de te conhecer.

Até sempre.

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