Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Enquanto começo este texto a televisão anuncia um produto inovador por recorrer à inteligência artificial (AI). Habituado, desde há já vários anos, a conviver com investigadores e médicos que promovem, desenvolvem e usam esta ferramenta tecnológica tenho bem a noção das enormíssimas capacidades e benefícios associados a esta tecnologia. A prática da medicina e a investigação biomédica são duas áreas onde os avanços e as melhorias estão a ser fortemente impulsionados pela AI. Numa entrevista recente a Fareed Zakaria da CNN, Bill Gates, o criador da Microsoft alertou para as melhorias “dramáticas” do ChatGPT 4.0 que irá revolucionar e facilitar o trabalho e aumentar o rendimento em quase todas as atividades sobretudo no ensino e na medicina. Esta semana o Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, na cerimónia de abertura da “Web Summit” anunciou a criação, no início do próximo ano de um modelo de linguagem de Inteligência Artificial, em português.
O facto de esta ferramenta ser feita especifica e personalizadamente em português, não irá trazer grandes vantagens nas áreas atrás referidas (medicina e investigação biomédica) nem noutras afins, como informática, engenharia, matemática, estatística, exploração cósmica, etc. já que estas, independentemente da sua autoria fazem-se e expressam-se em inglês por serem planetárias, desde que vanguardistas como devem ser, para terem relevância. A característica a que podemos, mesmo que abusivamente e à falta de melhor imagem, chamar de língua mãe, pode ter maior relevo reside, obviamente, na capacidade desta ferramenta em ler, interpretar e, inclusive, escrever textos, no caso concreto, em português. Ora, neste caso, como acontece com muitas das maiores invenções da humanidade, pode proporcionar um uso crítico, quiçá menos bom. A começar pela enormíssima capacidade de fabricação de notícias falsas, perigosamente, parecidas, cada vez mais, com as verdadeiras com que se misturam e confundem. Mas igualmente pela adulteração, plágio (ou quase plágio, sinistro por poder explorar toda a obra original dentro das fronteiras legais da não-cópia, dadas as reconhecidas capacidades do algoritmo de observar rigorosamente um guião aproveitando exaustivamente todas as oportunidades dentro dos limites) e, igualmente, na tradução rápida, fácil e barata de qualidade questionável.
Assim se compreende que, ao contrário do que aconteceu noutras áreas, autores e criadores, em vez de exultarem com uma ferramenta que lhes pode “facilitar” a vida (e, em alguns casos, efetivamente facilita) tenham declarado oposição ao uso das suas obras para treino e aprendizagem dos modelos de Inteligência Artificial. Os artistas portugueses juntam-se a um movimento internacional de mais de 4700 autores cujas obras foram usadas, sem qualquer autorização, por plataformas de “machine learning” para dar suporte a várias aplicações de AI.
Este é, reconhecidamente, um dos paradoxos da Inteligência Artificial: a seu tempo irá substituir, em primeiro lugar, os técnicos e criadores que mais contribuírem para a sua formação, valor e capacidade.
O Economista e prémio Nobel, Christopher Pissarides alerta para o facto de muitos dos atuais trabalhadores nesta área estarem a plantar as suas próprias “sementes de autodestruição”. Salvar-se-ão, segundo ele, as profissões que exijam habilidades empáticas e criativas.
O tempo dirá!
José Mário Leite, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia), A Morte de Germano Trancoso (Romance) e Canto d'Encantos (Contos), tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.
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