A buzina já é bem conhecida. Ecoa pela aldeia e significa que acaba de chegar o padeiro a Castrelos, no concelho de Bragança.
Depois da habitual apitadela, Carlos sai da carrinha. Mas nesta paragem já sabe que ninguém vem ter consigo. É ele quem leva o pão ao cliente. Sobe as escadas e bate à porta. “Viva sr Raul, como está?”, perguntou o padeiro a um cliente, bem habitual, de Castrelos, questionando-o se podia entrar e, ao mesmo tempo, à mulher do sr. Raul se está bem. “O que há menos é saúde”, respondeu a mulher.
Raul e Otília são um casal de idosos com mais de 90 anos. Vivem sozinhos e os problemas de saúde já causam mossa. Na impossibilidade de ir buscar o pão, o pão vem até si. O sorriso e a simpatia compensam o esforço. “Quando o meu marido está em casa vai lá ele. Quando não está eu vou à varanda e peço que me o traga cá”, contou Otília.
Há algum tempo que este trabalho deixou de ser apenas de distribuição de pão. Carlos Pinheiro anda nesta vida há pouco mais de um ano e confessa que às vezes é também psicólogo. “Muitas vezes sinto que estas pessoas, de alguma forma, sentem-se sozinhas, com os filhos longe e faz-se este trabalho, conversar. Criam-se laços”, frisou.
Nestas aldeias do nordeste transmontano o problema do isolamento é compensado pela confiança. Com a distância à cidade e aos serviços, por vezes os recursos acabam. Mas nada vale mais que a palavra. Que o diga Natividade Fernandes. “É difícil irmos a buscar dinheiro. Temos de o ir buscar a Bragança. Por acaso, hoje, não tenho, então pago-lhe na terça. Eles confiam em nós”.
A carrinha vai buzinando ao longo da aldeia. A cada paragem três ou quatro pessoas são servidas. Maria de Lurdes saiu de casa e dirigiu-se à carrinha da Padaria de Curopos, para comprar o pão, que diz ser de qualidade. Tem receio que um dia este serviço acabe. “Há pouca gente no povo e temos medo que não venham porque já há pouca gente a comprar pão. Se calhar só vêm pela consideração”.
O “senhor Leandro”, como é conhecido por aquelas bandas, é o dono da Padaria de Curopos. Deixou de fazer a distribuição do pão há cerca de um ano. Conta que os seus clientes são a sua família. Uma família que tem vindo a reduzir. “Cada vez há mais velhotes e cada vez têm menos mobilidade então nós temos de fazer mias quilómetros e parar mais vezes. Numa aldeia pequenina, que tenha, por exemplo, 30 habitantes, tenho de parar, se calhar dez vezes. Antigamente, numa aldeia de 50 habitantes, se calhar parava três vezes. Tenho clientes a que levo o pão a casa e o pouso em cima da mesa”.
Durante a pandemia, Leandro Marques disse ter sido “padeiro, merceeiro, farmacêutico, psicólogo”. Ajudou muitos idosos que estavam sozinhos. Há aldeias que visita que admite não compensar para o negócio, mas, ainda assim, não deixa de ir lá, porque entende que precisam dele.
A realidade, nos dias de hoje, nas aldeias do nordeste transmontano.
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