Por: César Urbino Rodrigues
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Sartre conta, no seu livro «O existencialismo é um humanismo», a história dum aluno que, no auge da II Guerra Mundial, lhe colocou, no final duma aula, a seguinte questão: o seu pai havia traído o país, tornando-se colaboracionista dos alemães, pelo que foi expulso de casa. O seu irmão mais velho, combatendo no exército francês, foi feito prisioneiro, pelos alemães. Entretanto, ele acabara de ser chamado para se alistar no exército. Só que era o único sustento da sua mãe, e, se se alistasse, ela corria o risco de morrer à fome. Perante esta situação, perguntava a Sartre:
- Devo alistar-me e abandonar a minha mãe ou devo recusar o alistamento, traindo a Pátria?
Qual foi a resposta de Sartre a este seu jovem aluno? Muito simples, embora contrária ao que muitos pensaríamos: faz o que tu achares melhor, lembrando-te que, ao escolheres a melhor opção para ti, estás a escolher a melhor opção para toda a Humanidade.
No fundo, este conselho de Sartre não é diferente do imperativo categórico de Kant, que aqui deixo numa tradução livre: age de tal maneira que a tua conduta possa transformar-se numa máxima universal.
Sem entrar em especulações filosóficas abstratas, estou inclinado a dizer que, no fundo, o que tanto Sartre como Kant diziam não é diferente do que diz a sabedoria popular: “não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”, que eu prefiro na sua versão positiva: “age com os outros como gostarias que os outros agissem contigo, nas mesmas circunstâncias”.
Lembro-me, muitas vezes, desta máxima popular, porque são muitas as situações do quotidiano em que as pessoas se deixam enredar em contradições entre aquilo que se exigem a si mesmas e aquilo que exigem dos outros. Aqui, porém, vou aplicar esta máxima apenas a alguns casos mais recentes da política.
É frequente, por exemplo, os políticos criticarem, na oposição, os mesmos processos que adotaram quando estiveram no governo e, em sentido inverso, fazerem no governo o que criticaram quando estavam na oposição.
No entanto, mais grave do que tudo isto é o que se está a passar com André Ventura, que, com a sua ideologia do ódio, tem ultrapassado todas as marcas da ordinarice, do oportunismo e da falta de ética na política. Basta recordarmos as propostas que apresentou, em termos penais, defendendo a mutilação dos violadores e a amputação das mãos aos condenados por furto.
É certo que, num Estado de Direito, nenhum crime pode ficar impune. No entanto, qual é a ética de quem propõe a amputação das mãos de quantos furtem 50 ou 100 euros, e nada propõe para os que furtam milhões e, até, milhares de milhões de euros, como aconteceu com Ricardo Salgado, do BES, com Dias Loureiro e seus comparsas, do BPN, e com João Rendeiro, do BPP, e por aí fora?
Além disso, são conhecidas as múltiplas mentiras de André Ventura, nomeadamente a promessa feita em campanha eleitoral de vir a exercer, em exclusividade, as suas funções de deputado, se fosse eleito, e, depois, acabar por acumular três atividades profissionais, todas remuneradas, já que foi, simultaneamente, deputado, comentador pago na CMTV e funcionário duma grande empresa, à qual conseguiu evitar o pagamento de 1 milhão de euros ao fisco. Pergunto aos leitores: à luz da ética da reciprocidade, não haveria legitimidade para propor que lhe fosse cortada a língua para nunca mais dizer mentiras, nem disparates?...
E o que é que André Ventura devia fazer a Nuno Pardal que, enquanto militante do Chega, defendia a castração química dos pedófilos e veio a saber-se que era um pedófilo descarado que contratava, via net, adolescentes para satisfazer os seus apetites de pedófilo? E, já agora, não seria também uma imposição ética que o próprio Ventura cortasse as mãos a Miguel Arruda, que, enquanto deputado do Chega, roubava malas no aeroporto para, de seguida, vender “online” o produto dos seus roubos?
E são estes líderes de partidos políticos que dizem querer limpar Portugal dos criminosos e dos corruptos?
César Urbino Rodrigues, natural da aldeia de Peredo dos Castelhanos, concelho de Moncorvo, estudou 9 anos no Seminário de Macau, fez a licenciatura em Filosofia na Universidade do Porto, o Mestrado em Filosofia da Educação na Universidade do Minho, com uma tese sobre «As Coordenadas fundamentais da Educação no Estado Novo», e o doutoramento na Universidade de Valhadolid, em Teoria e História da Educação, com uma tese sobre a «Representação do Outro No Estado Novo. Foi professor no ensino secundário, na Escola do Magistério Primário de Bragança, no ISLA de Bragança, no Instituto Piaget de Mirandela e DAPP na Escola Superior de Educação de Bragança.


Sem comentários:
Enviar um comentário