sexta-feira, 23 de março de 2018

Erecção da Sé de Miranda

A demasiada extensão da diocese bracarense, que não permitia ser administrada convenientemente nem visitada pelos seus prelados, de onde provinham graves danos espirituais, e o desejo de acomodar alguns sujeitos que D. Catarina trouxera consigo de Castela, quando casou com el-rei D. João III, levaram este a impetrar a erecção de uma nova Sé episcopal na região bragançana, que formava uma comarca do arcebispado de Braga, com residência do seu vigário em Bragança.
Jorge Cardoso, a quem segue Manuel António Pires, diz que cooperou para esta concessão o então arcebispo de Braga, D. Henrique, depois cardeal-rei; mas há, pelo menos, equívoco no particular de dignidade.
D. Rodrigo da Cunha entende que as negociações se entabularam durante a vacância sucedida à morte do arcebispo D. Diogo da Silva, sucessor de D. Henrique. Não podemos discriminar estas coisas, mas desde 1544 a 1549 ocupou o sólio bracarense D. Manuel de Sousa; portanto, quando veio a bula da erecção, já havia dois anos que este prelado o era de Braga, onde desde 1540 deixou de o ser D. Henrique, ao tempo já arcebispo de Évora. É verdade que este favoreceu a pretensão pelo lado financeiro, removendo os contras de umas pensões que impendiam sobre a nova diocese.
No Corpo Diplomático Português, Relações com a Cúria Romana encontra-se a informação de Fevereiro de 1545 para a criação do bispado de Miranda.
Atendendo, pois, às pretensões de el-rei D. João III, expediu o papa Paulo III, a 22 de Maio de 1545 e não 1555 como diz Rodrigo Mendes da Silva na Población General de España, a bula «Pro Excellenti Apostolicae Sedis», que criava a nova diocese com a sua sede em Miranda do Douro, composta das comarcas de Bragança, Vinhais, Outeiro, Monforte de Rio Livre, Vimioso, Chaves e Montalegre desmembradas da diocese de Braga.
Chaves e Montalegre, que na bula da erecção vêm dadas como pertenças da diocese mirandense, não chegaram a fazer parte dela por convenção entre o seu prelado e o de Braga, segundo diz Amado.
Já no alvará de 28 de Agosto de 1545 encontramos em seu lugar mencionados os concelhos de Algoso, Penas Roias, Chacim, Nuedosa (sic), Noselos, Sofulte (Sesulfe?), Vale de Asnes, Cortiços, Torre de Dona Chama, Bemposta, Azinhoso e Mirandela.
Compreendia, pois, o bispado de Miranda uma área de vinte e duas léguas de comprimento por doze de largura, com trezentas e vinte e cinco freguesias, sendo depois criadas mais treze: ao todo trezentas e trinta e oito freguesias com 28.860 fogos e 72.752 almas. Cardoso, no Agiologio ao dia 9 de Maio, diz que as freguesias foram na sua instituição trezentas e dezanove.
Carvalho da Costa, que escreveu em 1706, divide esta diocese em cinco vigairarias ou arciprestados, a saber:

Vigairaria do Aro (Miranda) com paróquias.............. 68 freguesias
Vigairaria de Bragança com paróquias .................. 121 »
Arciprestado de Monforte com paróquias ................ 41 »
Arciprestado de Mirandela com paróquias ............... 48 »
Lampaças com paróquias ........................................ 36 »
––––
Que dão ao todo....................................................... 314 »

Restavam ainda dez lugares que, por serem de diminuta população, não constituíam freguesias independentes, estando por isso anexados a Bragança.
Era sede de um Auditório Eclesiástico, único da diocese, com vigário, promotor, dois escrivães, meirinho, aljubeiro e depositário das condenações.
À jurisdição do Auditório pertenciam as vilas de Paçó de Vinhais, Nozedo, Ervedosa, Gostei, Rebordãos, Rebordainhos, Vila Franca, Vale de Nogueira, Failde e Carocedo com seus termos: entrava na vila de Vinhais com os lugares de Santalha, Seixas, Carvalhas, Landedo, Cabeça de Igreja, Rio de Fornos, Lagarelhos, Sobreiró, Alvaredos, Moaz, Mogrão, Armoniz, Travanca, Quadra, Salgueiros, Tuizelo e Vilar de Ossos, porque os mais do termo da vila pertenciam ao arciprestado de Monforte na de Outeiro com os lugares de Rio Frio, Paçó, Paradinha, Quintanilha, Veigas e Milhão, sendo os mais com a vila da vigairaria de Miranda do Douro.
As diversas povoações que compunham o Auditório estavam agrupadas em secções determinadas pela orografia e hidrografia regional, chamadas Ramos... Assim, mais ou menos de harmonia com a divisão civil, de que damos notícia nas páginas 40 e 58, havia os ramos de Parada, Babe, Trás-Sabor, Trás-Baceiro, Trás-da-Serra, e no ramo de Lampaças entravam com os lugares de Sortes, Paçó, Lanção, Viduedo, Santa Comba, Pereiro, Vila Boa de Arufe, Quintela, Veigas, Fernande, Salsas, Moredo, Fermentões, Freixeda, Bragada, Carçãozinho, Vila Boa, Serapicos, Coelhoso e Paradinha.
Porque algo faz para demarcar a antiga região de Ledra, confluente da de Lampaças, à qual nos referimos na pág. 58, damos aqui uma inscrição terminal, quase desconhecida, apontada por Carneiro de Fontoura:

HEINC
LETERANI

Estava no tempo do autor na capela-mor da igreja matriz de Lamas de Orelhão, numa pedra a servir de pavimento no canto inferior da parte do Evangelho. Ao ajustarem-na à presente serventia picaram a inscrição, que devia estar no lado oposto, e muito danificaram as letras da primeira linha. Vem a dizer: Deste lado pertence ou ficam os de Ledra.
Hoje a diocese compreende dezassete distritos eclesiásticos, que são:

Arciprestado de Alfândega da Fé, com ................ 24 freguesias
» » Azinhoso, com ................................................ 15 »
» » Bragança, com ................................................ 22 »
» » Carrazeda de Ansiães, com ............................ 21 »
» » Izeda, com........................................................ 16 »
» » Lamalonga, com............................................... 22 »
» » Lomba, com ..................................................... 17 »
» » Macedo de Cavaleiros, com ............................ 20 »
» » Miranda do Douro, com ................................... 15 »
» » Mirandela, com ................................................ 28 »
» » Mogadouro, com .............................................. 21 »
» » Moncorvo, com................................................. 23 »
» » Monforte de Rio Livre, com ............................. 19 »
» » Rebordãos, com .............................................. 19 »
» » Vila Flor, com ................................................... 20 »
» » Vimioso, com ................................................... 14 »
» » Vinhais, com .................................................... 18 »
–––
Total ...................................................................... 334

Que prefazem trezentas e trinta e quatro freguesias, havendo mais trezentas e noventa e quatro povoações que, por pequenas, estão a elas anexadas, dando tudo em população 198.125 almas, segundo o censo de 1900.
Em conformidade com a bula pontifícia e ordens régias passou, por carta de 11 de Outubro de 1540, D. Toríbio Lopes, primeiro bispo de Miranda, a organizar a corporação do cabido da sua Sé, que devia constar dos seguintes membros:

Dignidades
Um deão — Nela seriam providos os graduados em direito canónico por nomeação dos bispos de Miranda, com conselho do rei, e disfrutariam duas prebendas.
Um chantre — Teria uma prebenda. Apresentaria ao deão e cabido um clérigo apto para subchantre, que seria pago à custa da fábrica do cabido e removido ad nuptum desta corporação.
Um mestre-escola — Teria uma prebenda. Nesta dignidade seriam providos os graduados em teologia ou em artes pela Universidade de Coimbra, por nomeação dos bispos da diocese de conselho do rei.
O mestre-escola apresentaria ao deão e cabido uma «pessoa auta para ler e ensinar ao menos gramática aos beneficiados capelães e moços do coro da dita Sé, os quais poderão aprender nas horas e tempos em que não forem necessários para o serviço da Igreja e a todos os clérigos pobres de ordens sacras e menores do bispado de graça que quiserem aprender a dita gramática, ao qual o dito deão e cabido darão competente salário à custa da fábrica e será outrossim o dito mestre de gramática removível ad nuptum do dito deão e cabido. E querendo o dito mestre-escola ler por si gramática, lógica e filosofia ou teologia havendo ouvintes autos para isso nos tempos que ensinar a ler seja escuso das horas e divinos ofícios e haja suas distribuições inteiramente como se fosse presente e interesente às ditas horas e ofícios divinos e porém será obrigado a ser presente e interessante a eles nos domingos e dias santos e nos outros em que ele não ler e não sendo será descontado».
Um tesoureiro — Vencerá uma prebenda. Apresentará um clérigo auto e fiel aos ditos deão e cabido para subtesoureiro, que será pago à custa da fábrica e removível ad nuptum do cabido.
Três arcediagos — De Miranda, Bragança e Mirandela. Disfrutaria cada um sua prebenda, precederiam pela ordem em que vão nomeados e não teriam jurisdição alguma nos respectivos arcediagados.

Conezias inerentes a graus universitários
Quatro conezias e para cada uma sua prebenda. Duas delas seriam providas em graduados em teologia pela Universidade de Coimbra, e não os havendo em mestres em artes na mesma graduados e as outras duas para doutores ou graduados em direito canónico pela mesma Universidade.

Conezias simples
Nove conezias, cada uma das quais disfrutaria sua prebenda. Numa delas se proveria um clérigo letrado auto e idóneo para visitador do bispado.

Meias conezias
Duas meias conezias que seriam providas em dois meios cónegos, cada um dos quais disfrutaria meia prebenda.

Pessoal menor da Sé
Duas meias prebendas para dois clérigos que serviriam um de cura e outro de coadjutor da Sé e freguesia.
Quatro capelães, pelos quais se repartiria uma prebenda.
Seis moços do coro que disfrutariam meia prebenda.

Serventuários
Um porteiro da massa para servir ao bispo e ao cabido.
Um sineiro.
Um homem que tenha carrego de varrer a igreja e lançar os cães fora dela. Estes serventuários seriam pagos à custa da fábrica.
Todo este pessoal — dignidades, conesias, pessoal menor e serventuário — era de nomeação episcopal.
Para a fábrica da Sé aplicava o bispo prebenda e meia das rendas da mesa capitular e igual renda da mesa episcopal. Ver o que sobre este particular dizemos na biografia de D. António Pinheiro.



Memórias Arqueológico-Históricas
do Distrito de Bragança

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