Uma década a superar expectativas, uma década a oferecer uma alternativa cultural ao Nordeste Transmontano e ao país a partir do centro histórico de Bragança. Inaugurado em junho de 2008, o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais aproxima-se do seu décimo aniversário com a mesma vitalidade com que abriu portas, assumindo-se como um exemplo a seguir e uma prova de que a arte não tem, nem deve, ser um bem exclusivo do litoral. É desse percurso, dos desafios e das conquistas, que falámos com Jorge da Costa, diretor e principal curador do centro.
Ao leme desta instituição desde o início, a história de Jorge da Costa é simbiótica com a do próprio Centro. Brigantino de gema, o ex-professor percorreu o país a lecionar no ensino secundário, mas, insatisfeito com o seu percurso, decidiu tirar um mestrado em Arte Contemporânea. Sendo um apreciador de longa data da obra de Graça Morais, foi ao trabalho da pintora que dedicou a sua dissertação, na mesma altura em que este espaço se preparava para abrir portas. Não sendo «uma pessoa do meio», tradicionalmente restrito e elitista, foi numa «coincidência muito feliz» que foi convidado para dirigir um Centro batizado com o nome da artista a quem dedicou os seus estudos e com quem pôde vir a trabalhar diretamente.
A origem do Centro esteve no Transmuseus, um acordo celebrado com Espanha «cujo objetivo era criar dois pólos fronteiriços de arte contemporânea, um em Bragança, outro em Zamora». Visando associar arquitetos e artistas de referência, na cidade transmontana as escolhas recaíram em Eduardo Souto Moura e Graça Morais, ao passo que no estado vizinho a ideia era ter Rafael Moneo a desenhar um museu dedicado a Baltasar Lobo no castelo situado na capital leonesa. O projeto de cooperação, pensado no intuito de «fazer circular as exposições e coleções entre os dois museus – – e ao mesmo tempo trazer artistas espanhóis a Portugal e levar artistas portugueses a Espanha», nunca foi avante. Explica Jorge que «a obra do museu em Zamora se atrasou bastante e depois, pela descoberta de um conjunto de achados arqueológicos, o museu mudou de paradigma e a criação dessa tal zona de fronteira nunca aconteceu».
Mesmo sem o apoio de nuestros hermanos, este antigo solar setecentista, recuperado e convertido em museu cosmopolita, abriu mesmo portas, funcionando numa fase inicial com o apoio da Fundação Serralves – a sua exposição inaugural foi de Gerardo Burmester, As Cores não Dizem Nada, comissariada pelo (à época) diretor de Serralves, João Fernandes. Desde então, comenta Jorge, «começou a ter a sua autonomia e a fazer a sua programação. Hoje olhamos para trás, 10 anos passados, e verificamos que já cá passaram inúmeros artistas, portugueses e estrangeiros, de coleções públicas e privadas, assim como grande parte da obra da pintora Graça Morais».
Dotado de dois espaços expositivos, o principal é exclusivamente dedicado à obra da artista transmontana, que numa fase inicial «foi tida como uma exposição permanente, mas que nunca o foi porque de facto a Graça Morais tem uma obra vastíssima, são mais de 40 anos de carreira e isso tem-nos permitido também ir apresentando diferentes séries de diferentes etapas de todo o seu trabalho». O outro, em paralelo, contém exposições temporárias, frequentemente em regime de coprodução com instituições como a já mencionada Fundação de Serralves, a Fundação Calouste Gulbenkian, a Culturgest, a Coleção PT e a Coleção Millenium BCP, assim como parceiros transfronteiriços como o Musac (Museo de Arte Contemporáneo de Castilla y León). Por estas paredes passaram trabalhos de artistas nacionais como Paula Rego, Júlio Pomar, Julião Sarmento, João Louro, Pedro Calapez e também de nomes internacionais como Bernardí Roig, Sebastião Salgado e Luís Gordillo. Mais recentemente, foi organizada uma antologia dos trabalhos de Ana Vieira, agora substituída por uma mostra do artista plástico Filipe Marques.
O grande foco do Centro está nas exposições que produz, mas a sua programação não se resume a essas iniciativas: Coproduções para espetáculos de teatro e dança – sendo exemplos o Teatro do Bolhão, o Teatro da Garagem e o Teatro Municipal de Bragança -, concertos ao vivo, ciclos de cinema e conversas com artistas são algumas das atividades que o Centro procura organizar, sendo o exemplo paradigmático desse desdobramento o Plast&Cine, uma bienal que enche a cidade de cultura. Ainda que digladiando-se com escassez de recursos endémica no panorama cultural do país, nem por isso o Centro tem recusado convites. Disso são exemplos as várias exposições organizadas fora de portas, de Guimarães a Almada, e mais recentemente na Bienal de Vila Nova de Gaia, tendo como mote a obra de Graça Morais. Mas nem todos os desafios ocorrem fora de Bragança: no ano passado, o Centro acolheu uma residência artística da israelita Dvora Morag, cujo trabalho foi produzido in situ durante um mês, naquela que Jorge considerou ser «uma experiência muito interessante para nós, que assim vamos explorando outras potencialidades do museu».
É fruto de todo este trabalho árduo – baseado num ethos que renuncia o despesismo e privilegia as colaborações – que o Centro pode agora fazer uma espécie de volta olímpica no seu décimo aniversário. Celebrando cada uma das exposições que fizeram deste espaço a sua casa temporária durante a última década, Jorge e restante equipa vão montar uma retrospetiva baseada «no acervo que fomos criando ao longo destes 10 anos, grande parte a partir da generosidade dos artistas, que foram doando obra porque se sentiram bem tratados e felizes com o trabalho que aqui apresentaram». Parte dessa gratidão resulta no esforço acrescido de editar um catálogo para cada mostra e desta vez não vai ser diferente: vão ser lançados «dois catálogos retrospetivos de todas essas exposições que aqui passaram e um outro com todas as exposições de Graça Morais».
Contudo, o sucesso não rege apenas pelo bom trabalho de programação – de que serviria se não estivesse lá ninguém para ver? É por isso que o envolvimento com a comunidade brigantina foi uma prioridade desde o primeiro dia. Inaugurado sob grandes expectativas, a reação do público a este equipamento de arte contemporânea «foi a melhor», mas a manutenção do seu interesse, explica o diretor, esteve no serviço educativo do museu pelas «inúmeras atividades que criou para as diferentes franjas de público, particularmente para a comunidade educativa, desde o ensino superior ao pré-escolar». O resultado mede-se até aos dias de hoje, já que este plano conseguiu com que se «criasse hábitos, por exemplo, nas crianças, de vir aos museus e de frequentá-los com uma grande alegria e tranquilidade, sentindo-se praticamente em casa», tanto mais que os tradicionais papéis se viraram e agora são os filhos que, ao terem participado nas oficinas e visitas, «gostaram tanto das atividades que passaram a desafiar os pais a vir ao museu, pela experiência que tinham tido». No entanto, o Centro não se deixa descansar nos louros destas conquistas e continua «na linha da frente»: a iniciativa mais recente é o “Do Museu ao Lar”, onde o Centro e outros equipamentos culturais da cidade têm assumido o compromisso de visitar lares de idosos do concelho e, dessa forma, «tentar atingir o público sénior, que não é muito visado pelos museus».
Olhando para trás, Jorge da Costa não tem senão orgulho pelo «muito que se fez e pela sua qualidade» ao longo destes anos. Se no início havia um «olhar desconfiado para um museu de arte contemporânea no interior», neste momento essa postura está «completamente atenuada» perante o trabalho do Centro, tanto que «hoje sentimo-nos mais um museu de arte contemporânea do país» e não tanto num âmbito regional. Apesar da média de 15 a 20 mil visitantes por ano parecer magra ao pé dos valores reportados pelos seus congéneres em Lisboa e no Porto, o diretor considera que estes são «excelentes números em termos de proporção», não nos podendo esquecer de que estamos a falar de uma cidade média do interior, já que o Centro, se estivesse localizado numa dessas duas cidades, certamente registaria «números muitíssimo superiores».
Perante a natureza concentracionária do país junto ao litoral, o diretor relembra que são espaços como este ajudam a combater essa tendência a e o Centro, que recebe grupos de todo o país e de Espanha – tanto pelas exposições como pela própria arquitetura -, normalmente surpreende os estreantes, «porque não estavam à espera de encontrar um edifício com aquela qualidade e uma programação assim». Esse é o objetivo de Jorge da Costa, de continuar a manter o nível e continuar a fazer do Centro um núcleo de vitalidade a pulsar a partir de Bragança. De resto, votos ficam feitos para que nos encontremos daqui a outros dez anos.
António Moura dos Santos
EPICUR
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Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço.
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