Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)
Asturdia mêmo ieu táva me alembrano!. Quando d'eu era molecote i vivia lá na fazenda, ieu acostumava dançá. I gostava muito de dá meus passo nas varsa, nas mazurka; nos dois pra lá dois pra cá, nos arrasta pé e nas cana verde. Aprendi muito cedo a dançá, tarveis nem tivesse saído dos cuero ainda e já tava aprendeno dançá. Eu num tinha mais de sete ano de idade, i nos baile lá da roça dançava co'as afiada da minha mãe; i se elas num tirava eu, eu tirava elas, ara! Eu alembrei disso tudim, que tô falano, mais alembrei tamém que o meu pai tinha um primo sanfonêro, que inda vive inté hoje na cidade de Serra Azul. Ele era um bom sanfonêro, bem apessoado e que se apresentava enfatiotado; das veiz inté de gravata! Ele vinha tocá nas colonha das fazenda. Diz'que ele era muiérengo. Das veiz, meu pai aconseiava o primo: Zé, carqué dia um marido ciumento vai matá ocê! -Quar o quê Quinzinho!, dizia o primo sanfonêro; eu sô artista e bonitão mêmo - que posso fazê?. - Uai, sô, se ocê pensa ansim, que que'u havera de dizê?, arrematava meu pai. Nessas ocasião meu pai só balançava a cabeça e ria do jeito debochado do primo.
Mais, certa veiz num baile da aleluia na fazenda; i ieu posso dizê porquê tava lá; acunteceu da Nica, uma morena linda de duê o zóio e muié do Pedro Pelanca, cumeçô a suspirá pelo primo sanfonêro. Ele, que era muito ladino, muito digêro se apercebeu e começô a suspirá tamém! Nesse meio de tempo o Pedro Pelanca quis i imbora durmí, mor de que nôtro dia, dumingo de páscoa, ia tê um jogo de bola na fazenda valeno taça, i ele era um dos mió de bão do time. I consciente dessa importança, queria í descansá. A Nica pediu pra ficá mais um cadim; e ele dexô nas mió das boa intenção. Pra quê! Nem bem o Pedro saiu da barraca do baile, a Nica se achegô no sanfonêro i disse pra ele que ela só tinha uma meia hora, antes de í imbora. I ieu sô testemunha desse interlóquio purquê eu tava dançano co'a Vita bem nessa hora, ali, do lado do primo! O primo sanfonêro se aproveitô da hora do leilão da leitoa assada, i passô a sanfona pro Bigato, um baita dum intaliano que trabaiava na fazenda i era mitido a tocadô de sanfona. O primo saiu da barraca seguido da Nica.
O Bigato se apercebeu d'arguma coisa errada e chamô o primo de vórta, passano a sanfona pra mão dele. Mais, no fôgo que os dois tava, o primo num quiria istôrvo i se embrenhô co'a Nica nas quiçaça, segurano a mão dela. A sanfona, que tava presa nas corrêia; ele jogô pra´s costa.
Lá na barraca, já tinham acabado de fazê o leilão da leitoa assada, e antes de leiloá um marrão capado e mais um frango assado com farofa, o festêro da fazenda pricurô o primo sanfonêro pra tocá mais um arrasta pé, quando exatamente chegô o Pedro Pelanca de vórta pra buscá a muié. O Bigato, cuja franqueza tudo nóis cunhecia, foi logo dizeno ao Pedro que a Nica tinha se embrenhado na gróta das quiçaça com o sanfonêro. O Pedro correu até a casa dele e pegou uma garrucha de dois cano, uma pica-pau carregada de chumbo número um até a boca e um foião de cortá cana. I ainda conseguiu trazê um cabo de enxada: um guatambu de dois metro de comprimento. A colonha se encheu de gente alarmada cum o escarcéu que o Pedro Pelanca tava armano! E ele gritava: esse sanfonêro me paga; e a Nica tamém! Nóis sabia que ia tê entrevéro, forrobodó, quizumba. O Pedro puxô o patuá de baiano pra fora da camisa i, vermeio de brabo e nervoso, entrô no mato cum aquela rór lhe seguino us passo, nus carcanhá dos dois sem vergonha, cum baruião dos inferno.
O baruio inda acordô tudo quanto era cachorro da fazenda, custumado que tavam de caçá tatu de noite; achavam que era caçada de tatu! Ieu tava desesperado, pois meu pai num tava na festa, e a caça era o primo dele! Ieu num tinha como í avisá meu pai pra ele sarvá o muierengo do primo sanfonêro. Era noite escura como breu. O Pedro Pelanca chamava pela Nica, já babano de raiva, que nem cachorro no mês de agosto; garrucha e foião passado na correia das carça, e co'a pica-pau na mão, pronta pra atirá. Ieu me apercebi que cada veiz que o Pedro chamava a Nica, se iscuitava a sanfona no meio do mato: tcham tcham! Num piscá de zóio, tudo mundo se apercebeu do fato da sanfona tocá a cada veiz que o Pedro chamava a muié. I anssim passaro o resto da noite e da madrugada; se iscuitano o toque da sanfona em tudo que é canto; mais ninguém pegô os dois. Os dois desaparecero sem dexá rasto! Mais o povo inguinorante da fazenda, com o sumiço da Nica cumeçaro a dizê que o Pedro Pelanca tinha achado o casar, matado e enterrado no mato. Diz´ que inda hoje, cinquenta e tantos anos dispois do acuntecido, tem gente que jura que quando passa perto da gróta das quiçaça, iscuita u toque da sanfona do sanfonêro enterrado com a Nica, assassinado pelo Pedro Pelanca, o mió centerarfo de todo o interior de São Paulo.
Êis inda pensa que a sanfona toca, porque ela tá amarrada nas costa da arma penada do primo sanfonêro.
Muitos ano dispois do entrevéro, quando ieu era rapazote, fui cum meu pai passiá em Serra Azul, onde o primo morava. Lá fiquemo sabeno, porque vimo cum nossos zóio, que êis tava junto: a Nica e o primo. E êis parecia bem feliz!
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.
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