A obra «Filhos do Auroque - Viagem Pelas Raças Portuguesas de Bovinos» está ao dispor dos leitores desde o final de Novembro. À conversa com o Café Portugal, o autor Paulo Caetano, vinca a importância destas raças bovinas no mundo rural português e refere que o turismo taurino e o eco-turismo «encerram muitas potencialidades que podem e devem ser aproveitadas». Lamenta que «a conservação das raças autóctones de bovinos não esteja na agenda do País nem dos governantes».
Este livro sobre as raças autóctones de bovinos «surgiu naturalmente» e depois de ter publicado dois álbuns sobre os «Cavalos Selvagens Ibéricos» e sobre a «Conservação dos Burros em Portugal». A obra, que aborda a história das raças autóctones de bovinos, desde a sua origem a partir da espécie silvestre (o Auroque), até à actualidade incide também no perigo de extinção.
«Eu e o fotógrafo Joaquim Pedro Ferreira tínhamos publicado um outro livro sobre os Cães de Gado nacionais. Acho que a consequência lógica, em termos de divulgação e sensibilização para a importância das raças nacionais e para os valores da ruralidade, seria a concretização deste livro sobre os bovinos», contextualiza Paulo Caetano.
O autor da obra (que tem a chancela da Editorial Bizâncio) refere que, em termos de mundo rural, os bovinos continuam a «desempenhar um papel essencial e insubstituível. Claro que já não são utilizados como força de trabalho, como aconteceu outrora, mas o aproveitamento da sua carne - e de eventuais outros sub-produtos como o leite - é decisivo para equilibrar as depauperadas economias locais», alerta.
Nesta viagem pelo Auroque, o autor recorda que este «era uma espécie selvagem que existia há milhares de anos na Península Ibérica e por toda a Europa. Era uma espécie disseminada por diversos pontos do globo e a domesticação de alguns exemplares deu origem às raças domésticas de bovinos que conhecemos na actualidade. Alguns investigadores acreditam, por causa da diversidade genética das raças portuguesas actuais, que um dos "spots" onde esta raça selvagem foi inicialmente domesticada poderá ter sido a Península Ibérica», acrescenta.
Contudo, adianta que, em alternativa, bovinos domésticos trazidos para o nosso território «poderão ter sido cruzados com auroques selvagens. E isto diz muito sobre as nossas raças: têm uma diversidade genética muito interessante, são rústicos e muito adaptados aos ecossistemas mais agrestes de Portugal».
Apesar de constituírem «um património genético, natural e cultural muito antigo, ligado à nossa identidade como povo e nação», os actuais decisores políticos «pouco ligam às raças de bovinos», considera Paulo Caetano. E vai avisando que algumas das nossas raças já se extinguiram, «como é o caso de várias raças anãs e da Algarvia».
«Outras, com efectivos muito escassos e aparentados, estão perante o espectro da extinção, como a Garvonesa. Para combater esta situação, além da necessária sensibilização dos decisores políticos, é fundamental encontrar utilidades para estes animais, quer como produtores de carne de qualidade, de leite ou de queijo, quer colocando-os na sua paisagem ancestral e utilizá-los como uma mais-valia para o eco-turismo», salienta.
Mundo rural envelhecido:
No que respeita à actual importância destas raças no mundo rural, o autor afirma que «é muito reduzido» já que «deixaram de ter utilidade. Já não lavram campos, não puxam carroças, foram afastadas das festividades lúdicas e religiosas e várias raças desapareceram ou estão em vias disso. O mundo rural envelheceu e cuidar destes animais dá muito trabalho e despesa. Mas, claro que estão sub-aproveitadas e alguns apoios públicos e algum espirito de iniciativa pode reverter a situação. Estes animais são rústicos e muito adaptados aos pastos naturais, produzem óptima carne e o seu leite é de grande qualidade, além de ter um interessante potencial para a produção de queijos, manteigas e iogurtes», sublinha.
Além disso, Paulo Caetano frisa que, fruto da evolução dos tempos, «o turismo taurino e eco-turismo encerra muitas potencialidades que podem e devem ser aproveitadas».
E recorda que há muito trabalho por fazer. «Existem bons exemplos e um grande potencial. A raça Alentejana é um caso de sucesso, quer em termos de número de animais, quer em termos de aproveitamento comercial da sua carne. Tem uma denominação de origem protegida, produtos inovadores e de qualidade e linhas de comercialização que colocam a carne em todo o lado. A raça brava, muito ligada às largadas e às touradas, também são um sucesso», adianta o autor.
Todavia, recorda, muitas outras raças desapareceram dos nossos campos, «em muitos casos, as vacas acabaram por ser cruzadas com reprodutores de raças exóticas, que dão mais carne ou mais leite e a sua linhagem foi desaparecendo. Foi o que aconteceu com a Minhota ou a Ramo Grande, dos Açores».
Estes animais são também motivos de evocação festiva, em muitos locais, associados à Divindade. Questionado sobre se esta expressão popular corre igualmente o risco de desaparecer, Paulo Caetano diz que tal perigo «está sempre presente» até porque o «actual poder político tem uma visão economicista da realidade e do País e é muito pouco sensível ao nosso património cultural e imaterial. Quem nos governa é pouco conhecedor da nossa História e identidade nacional».
«As tradições ligadas à raça Brava que, como já disse, está muito associada às largadas e às touradas, mantêm ainda um grande vigor no Alentejo e no Ribatejo. E isso garante retorno económico aos seus criadores e a manutenção de um efectivo robusto».
Tirando este caso, sustenta, «do ponto de vista dos costumes e dos rituais, pouco mais existe e aquilo que ainda se faz não é suficiente para travar o declínio das raças, nem para avivar os velhos costumes». E insiste: «para que não se arraste as raças bovinas para o esquecimento, há que encontrar alternativas novas e actuais, como são as iniciativas ligadas ao turismo taurino».
Por fim, Paulo Caetano lamenta que «a conservação das raças autóctones de bovinos não está na agenda do País nem dos governantes. Os criadores destas raças - e alguns investigadores - são os únicos que se preocupam com a sua preservação, quer em termos físicos, quer em termos de tradições e costumes associados».
«Tirando esse pequeno grupo de gente mais desperta para esta matéria, nada mais se faz, nem nos gabinetes do ministério da Agricultura, nem a nível do poder local. A legislação mais recente, que penaliza em impostos os pequenos criadores e pastores, e as exigências constantes que são transpostas de directivas comunitárias para as leis nacionais, estão a sufocar quem ainda se atreve a ter e a criar vacas de raças nacionais», critica.
«Filhos do Auroque - Viagem Pelas Raças Portuguesas de Bovinos» conta ainda com a participação da investigadora Catarina Ginja, que estudou a genética de bovinos, e com fotografias do biólogo Joaquim Pedro Ferreira, que já colaborou com o autor noutros projectos.
Ana Clara
in:cafeportugal.net
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