A última grande rebofa aconteceu no final dos anos sessenta. Ainda hoje me lembro dela. Se bem que, tenho de confessar, alguns dos pormenores da mesma provavelmente não serão genuínos e originais dessa longínqua vivência mas uma mistura do que vivi e do que li do belíssimo texto que Campos Monteiro dedica a este tsunami nordestino.
Esta cheia destruidora que, ao contrário das enchurradas normais, cresce da foz para a nascente é característico do Vale da Vilariça e, sendo um drama sempre que acontece, pela destruição com que se faz acompanhar, não deixa de ser uma das causas do excelente solo de aluvião que atapeta o mais fértil vale lusitano.
O Douro, depois de passar o Pocinho, em vez de se encaminhar diretamente para o mar, entre o Porto e Gaia, contorna o Vale Meão, célebre pela excelência dos seus vinhos e vem receber o Sabor na parte final da Vilariça. Este apresenta-se à centenária estrada fluvial do Vinho do Porto, na recente companhia da ribeira que desde a sua génese na Burga, no sopé da Serra de Bornes sublinha e marca o Vale. É, aliás, esta que acaba por acarretar com as consequências da fúria dos elementos quando estes assumem proporções de catástrofe.
Quando o rio Douro enche em demasia, as suas águas caudalosas chegam à aldeia da Foz do Sabor em oposição frontal às do seu afluente e entram por este dentro. Não se compara o caudal de um e outro rio, e, obviamente, é o Sabor que recua cedendo à força duriense. Mas é um recuo contido, não só, porque apesar de diferentes, as torrentes têm forças de ordem de grandeza parecidas como porque o vale onde este corre é apertado e a subida das águas só se faz desde que outra escapatória não encontrem. Esta “válvula de escape” é, precisamente, a ribeira da Vilariça que, sendo de grandeza incomparavelmente inferior, corre num território plano e que fica completamente inundado pelas águas barrentas e revoltosas que, desde Espanha, se precipitam pelo vale acima destruindo tudo à sua passagem.
A construção de barragens no rio Douro veio “domesticar” esta fúria e as rebofas deixaram de aparecer, pelo menos com a ferocidade e poder destrutivo que tinham antigamente. Era suposto que as duas barragens do Baixo Sabor (uma delas de contra-embalse – portanto com capacidade de bombear água para montante) pusessem os agricultores de região a salvo dos caprichos metereológicos. O que aconteceu este ano e a que a comunicação social deu relevo, veio demonstrar que não.
Não porque não é possível lidar com a “fera” ou porque a EDP não acionou os meios e mecanismo que deveria fazer? É urgente saber-se para que, quem investe a vida e os meios disponíveis, por estas paragens, saiba afinal com o que pode contar, para além das afirmações genéricas de que o aproveitamento hidroelétrico contribuirá para a regulação e controlo dos caudais. Provavelmente a EDP já terá dado as suas justificações nos locais e às entidades onde é obrigada a fazê-lo. Mas era bom que as publicitasse e tornasse acessíveis para a generalidade da população.
Por José Mário Leite
in:jornalnordeste.com
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