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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 8 de novembro de 2022

BRAGANÇA - Dos Primórdios da Nacionalidade às Feiras Medievais - CARTA GASTRONÓMICA DE BRAGANÇA

Cântara (Remêa)
No ano de 1143, realiza-se a Conferência de Zamora.
Na presença do legado papal Guido de Vico, Afonso Henriques e Afonso VII de Leão, celebram um Tratado de Paz que outorga ao infante português o título de rei. Não muito distante de Zamora, a uma centena de quilómetros, no pequeno burgo de Bragança, e redondezas as gentes não mudaram o seu quotidiano, apesar da importância do acontecimento. O filho da Infanta D. Teresa, Afonso Henriques passa a ser a cabeça do Reino. O poder régio abrange todos os seus súbditos.

No hoje concelho de Bragança, ao tempo, avultava como principal potentado económico o mosteiro beneditino de S. Salvador de Castro de Avelãs, sendo os frades conhecidos pelo seu desmesurado apetite pelas cousas materiais.
Além de ficarem com a melhor e maior parte dos produtos agrícolas cultivados pelos cabaneiros e lavradores nos seus domínios, bem como dos gados neles apascentados, ainda exigiam o terço dos bens de todos os moradores falecidos. O franciscano e rigoroso historiador Frei Joaquim Santa Rosa Viterbo acentua: “E os de Bragança, como gente simples, e de estremo, convinhão neste abuso do Mosteiro de Castro de Avelãs, que pretendia levar o terço dos defuntos daquela terra.” O investigador Pedro Vitorino taxa de «despotismo desmarcado» a gula dos beneditinos do Mosteiro de Castro de Avelãs, a qual foi castigada pelo Papa Paulo III, extinguindo-o por bula de 1545.
Até às alteridades alimentares originadas pelos Descobrimentos, não será erro azedo dizer-se que a alimentação da maioria da população se fazia à conta do que a terra dava, acrescida de algum peixe pescado nos rios e ribeiras, ainda o trazido pelos almocreves.
Os almocreves ou recoveiros eram essenciais para o regular abastecimento de tudo quanto escasseava, caso do azeite, do pescado, e do sal, ainda no incremento das comunicações entre as regiões. A vida económica assentava na eficiência no acarretamento das mercadorias, daí o papel dos almocreves na sua movimentação, eles prestavam serviços a todos quantos os necessitassem, de grosso modo, trabalhavam por conta própria.
A documentação existente revela-nos que os almocreves e mercadores a operarem no ora concelho de Bragança tinham no Porto o centro de negócios, embora a cada passo se deslocassem a Matosinhos e Vila Nova de Gaia a fim de adquirirem pescado seco e sardinhas.
Também Bragança era de grande importância estratégica na rota dos mercados da província transmontana e dos reinos de Leão e Castela, pois no burgo bragançano entrecruzavam-se outras vias de comunicação para as localidades de Vinhais, Chaves, Vila Real, Mirandela, Vila Flor, Mogadouro, Freixo de Espada à Cinta, Salamanca e Medina del Campo.
Importa sublinhar o óbvio, os almocreves, bufarinheiros e mercadores não calcorreavam caminhos e simulacros de estradas expostos a perigos de variada periculosidade, como o faziam singelamente os peregrinos a caminho de Santiago, os quais também aportavam a Bragança.
Não. Eles sabiam quão perigosa era a sua actividade, mas o ânimo do lucro levava-os a arriscarem a nessas insanas jornadas chegando a percorrer dez léguas em cada dia, do seu afã comercial retiramos informações a indiciarem o crescimento e definhamento das povoações.
No tocante a Bragança dizem-nos que a povoação, no século XIII, evidenciava sinais de ter crescido consideravelmente: em espaço edificado, em habitantes, em actividades, levando-a a atingir riscante importância no contexto territorial da região. Daí não causar estranheza o facto de ser uma das primeiras terras do Reino a beneficiar de uma feira, instituída em 1272 por D. Afonso III. A partir dessa data recebeu Bragança sucessivas cartas de feira a evidenciarem o seu valimento estratégico, por assim ser, a carta de feira firmada por D. João I em 1405, revela interesse na reorganização económica daquele território, tendo o cuidado de marcar o seu começo da feira para o dia de Santiago, sabendo de antemão que não concorria com outros mercados na região.
Os documentos foraleiros, das inquirições e os das chancelarias aludem a animais e vegetais, que constituíam por um lado a base da dieta alimentar das Comunidades, e por outro, nos anos de boas colheitas, os excedentes que se vendiam-se nas feiras e mercados. A vila de Bragança é uma das primeiras a ser objecto de outorga de carta de feira como acima se refere constituindo-se como importante centro de negócios. Atente-se na enunciação do nome dos produtos vindos a lume nos documentos, elaborada por ordem alfabética e na ortografia actual: “Adens, alhos secos, ameixas verdes e secas, amêndoas, aveia, avelãs, azeite, bode, bogas, bois, bordalos, borrego, cabras, cabritos, carne fresca, carneiros, castanhas verdes e secas, cebolas, centeio, cerejas, cevada, cervos, cidras, coelhos, corços, cordeiros, favas, figos verdes e secos, fiolho ou funcho comia-se no verão em caldo nos anos de más colheitas, galinhas, gamos, grão-de-bico, hortaliças, laranjas, lebres, leitões, lentilhas, linhaça, manteiga salgada, mel, melões, milho, mostarda, nozes, ovelhas, queijos secos, pão, pão meado (metade centeio, metade trigo), painço, peras, perdizes, pescado de água doce, pinhões, pombos, porcos, sebo, toucinho, trigo, trutas, unto, uvas verdes, vinho, vinagre, vacas e frutas de várias espécies.”
Há referências à proliferação de caça de pêlo e pena, sendo frequentes as montarias. A caça também se praticava furtivamente acarretando consequências gravosas aos prevaricadores.
Tanto a caça maior, como a caça menor, concentrava-se nas coutadas pertencentes à Ordem do Hospital, a fidalgos e particulares abastados.
A corografia é um precioso auxiliar na inventariação de modos de vida das gentes, da valia das terras e de produtos alimentares nelas produzidos ou transformados, pois revelam a sua abundância e/conducente valia determinando o nome dos povoados quantas vezes em formação.
Não por acaso o povo cognominou D. Afonso Henriques, o Conquistador, D. Sancho I, o Povoador, e D. Dinis, o Lavrador.
Como ensina o sábio Leite de Vasconcelos em Antroponímia Portuguesa, a “geografia gera apelidos vários e modos dando nome próprio, ou comum, de lugar, sítio, ou dando um adjectivo que pode chamar-se étnico”. É o caso dos Bragançãos.
Nos exemplos seguintes deparamo-nos com profissões e produtos que nos ajudam a aferir o sistema alimentar dos nossos ancestrais.

Alfaião (lugar fresco; fabricante ou vendedor de tendas, guarnecer com alfaias), Aveleda (lugar onde provavelmente existiram aveleiras, cuja semente é comestível), Babe (porta de «povoação»), Baçal (cebola), Bragada (bragas; não se apanham trutas com as bragas enxutas, pano grosso), Caravela (corta-vento munido de um vaso de folha em que bate uma peça movida pelo vento, destinado a espantar das searas, hortas e pomares, as aves nocivas), Carocedo (caroça – cabeça do linho onde tem a semente), Carragosa (terra abundante de carrascos), Carrazedo (terra de carrascos), Castanheira (árvore que pinga as castanhas), Castrelos (pequeno castro), Castro de Avelãs (local onde existem avelaneiras que dão avelãs), Chãos (pequena terra fértil, arborizada e regada), Coelhoso (terra de muitos coelhos), Deilão (solo argiloso), Fontes (abundância de água), França (sítio com lenha miúda), Freixeda (lugar com muitos freixos), Freixedelo (existência de freixos), Grijó de Parada (pequena igreja, pequena paróquia), Izeda (lugar de muitas azinheiras), Maçãs (lugar de muitas macieiras), Macedo do Mato (macedo casta de uva branca, mato, figo grande de polpa fina, matagal), Martim (casta de uva), Meixedo (significa defumado), Milhão (milho de cana muito alta, e milho graúdo), Montesinho (montês, silvestre), Mós (pedra redonda e chata com que se trituram os cereais; monte de grão depois de debagado ou demolhado), Mosca (vara de videira torcida na ponta), Nogueira (evidentes as nozes), Oleirinhos (significa a existência de oleiros), Oleiros, Outeiro (pequeno monte), Palácios (casas ou residências dos senhores ou senhorios dos respectivos concelhos a quem a coroa real tinha feito mercê dos direitos que lhe pertenciam), Parada (foro de parada), Paradinha Nova (lugar, sítio, paragem), Paradinha do Outeiro, Paradinha Velha, Parâmio (campo raso, privilegiado), Petisqueira (alusivo a petiscos), Pinela (pinheiro – pinhões), Portelo (caminho público), Quinta de Vale de Prados (prédio rústico com casa de habitação), Quintela de Lampaças (pequena quinta onde existiam muitas acelgas), Rebordãos (castanheiro bravo), Rebordaínhos (castanheiro Bravo), Salsas (planta umbelífera cujas folhas são usadas para aromatizar pratos de culinária), Samil (terra hospitaleira), Santa Comba de Rossas (termo repleto de matagais), S. Pedro dos Sarracenos (sarraceno: homem do deserto), Sendas (atalho, caminho estreito, vereda), Soutelo (souto), Terroso (da cor da terra), Vale de Nogueira (evidente), Vale de Lamas (lameiro), Valverde (planície verdejante), Varge (veiga, chã cultivada), Veigas (várzea, planície fértil), Vila Boa (herdade, casal ou granja), Vilarinho de Cova de Lua (pequeno casal), Zeive (aumento, crescimento), Zoio (brilhante, escondido).” 

Outros topónimos nos dão conta da existência de espécies vegetais que prenunciam produtos comestíveis tais como: “Almendra, Amendoeira, Amoreira, Brunhoso, Carrapatoso, Cereja, Cidreira, Frutuoso, Laranjeira, Loureiro, Macieira, Marmelo, Moreiras, Moreirinhas, Parra, Parreira (videira), Pereira, Pereiro, Salgueiro, Sarmento, Silvano, Sobral, Souteiro, Vidal, Videira, Vide, Vidinhas, Vinhas, Vinhão.”
As descrições acima referidas ajudam a estabelecer quais eram as principais existências alimentares ao tempo, originando receituários muito díspares, pois uma coisa era a cozinha da nobreza, do alto clero, dos conventos e dos mosteiros conforme a regra de cada Ordem, a do povo sem a diferenciação entre o espaço rural e o urbano.
A vila de Bragança quer no seu bojo, quer nas periferias, integrava árvores de fruto, hortas, terras de semeadura e vinhas, criando-se aves de capoeira, coelhos, porcos e outros animais destinados ao consumo dos seus moradores.
Os comeres e beberes da maior parte da população brigantina no seu quotidiano pautavam-se pela parcimónia, as técnicas estariam subordinadas a cozeduras simples; pobres e remediados optariam pelos caldos, papas, migas e guisados para nada se perder, isto quando sobrava alguma coisa. A nobreza e o alto clero tinham nos assados de grandes peças a representação da sua riqueza e poder.
Havia grande número de pobres de pedir, os mesmos não eram considerados como grupo social, recebiam assistência das Ordens religiosas e das confrarias numa perspectiva individual. A caridade era exercida a título privado e a ajuda aos pobres e «destituídos» em vários casos concedia aos benfeitores bulas de perdão dos pecados.
Os carecidos, de um modo geral, estavam arredados das viandas de leite, quer dizer; queijos, manteigas, natas e doces à base de leite.
O leite era consumido preferentemente por doentes ou pessoas de fraca compleição.
Na história dos Bragançãos, magnates locais, há referências ao casamento de Dom Fernão Mendes, O Bravo, com a infanta D. Sancha Henriques, irmã de D. Afonso Henriques, segundo o cronista teve origem no risonho episódio de o indómito guerreiro ao comer natas salpicou as barbas provocando estrepitosas gargalhadas de mofa ao Conquistador e seu séquito. Pela «ofensa» recebida exigiu como compensação casar com a irmã do vencedor da batalha de Ourique, onde Dom Fernão Mendes se distinguiu bravamente, daí o apodo.
Havia duas refeições durante o dia, o jantar e a ceia, sendo a carne de porco a principal gordura animal consumida, constituía a tábua de salvação das famílias, bem como as aves de capoeira e os ovos. Algum pescado marítimo e fluvial alegrava, de quando em vez, as ditas refeições.
De forma redundante, a horta assumia-se como a despensa principal, inúmeras vezes afectada pelas pragas, as trovoadas e acções de guerra. Apesar do talento das mulheres cozinheiras imperava a monotonia sazonal, só quebrada nos dias nomeados, de festas e de feira. Tais dias estavam primacialmente subordinados ao calendário religioso, a Natividade, a Páscoa, o Corpo de Deus, e a Festa em honra do Santo Padroeiro eram as de maior importância na esfera da sacralidade,
o Entrudo, prenúncio do jejum quaresmal assumia-se como a grande festividade profana.

Carta Gastronómica de Bragança
Autor: Armando Fernandes
Publicação da Câmara Municipal de Bragança

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