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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 25 de agosto de 2018

O Grupo Desportivo de Bragança, os árbitros da AFB e o doutor Ferreirinha, cunhado do Manolo e atleta garboso e elegante que vestiu a azul e amarela com amor e competência.

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
As minhas memórias do todo que era o futebol do meu tempo de menino têm um registo em que sobressaem dois futebóis que continuam a marcar-me a existência, mas que aprendi a dominar, não deixando transparecer quão triste se encontra a minha Alma e quão alegre se encontrava com frequência noutras ocasiões passadas. Conhecem a fábula da raposa e das uvas?
Festa e Baile na Associação dos Socorros Mútuos dos Artistas de Bragança para angariação de fundos para o G.D.B.

Continuando tínhamos a Cortinha da Albininha Guerra, uma versão muito antiga da Academia de Alcochete que serviu de molde para a forma como eu vi o futebol até aos meus dezasseis anos e estou certo os meus contemporâneos que foram moldados no mesmo molde não sabendo eu se aos dezasseis apreenderam a controlar as emoções e o discurso.
O segundo palco era o Campo do Toural. Vi alguns jogos no Campo das Alminhas onde hoje é o Hospital mas, pequeno como era não sei se eram oficiais ou não. No Campo do Toural entrava-mos à boleia com um adulto ou por debaixo dos taipais que junto ao solo estavam sempre esfuracadas. Passada a barreira, o que não era difícil, entrávamos no espectáculo que para mim foi sempre qualquer coisa que a humanidade havia num certo tempo inventado como algo para substituir o circo romano, os torneios medievais e mais no século XIX a paulada nas feiras da província.
Ora quando eu nasci tinha o meu irmão Armando dezoito anos, e com diferença de menos dois, três anos os outros até ao meu irmão Marcelo que é o que me antecede e que mais tempo estava comigo, Naturalmente, quando comecei a entender as coisas dei comigo a olhar admirado para as imagens que estavam coladas à parede nos quartos dos meus irmãos. No topo à cabeceira estava o Travassos ladeado de um lado pelo Jesus Correia e do outro por Peyroteu. As outras paredes estavam também cheias de Separatas do Mundo de Aventuras que mostravam a equipa do Sporting de várias perspectivas e também só o emblema coroado com as iniciais S.C.P. Digam lá o que queriam que eu fosse senão lagarto?
A verdade é que o meu pai era do Benfica, mas soube sempre não misturar alhos com bugalhos e por isso não foi nunca o gato às filhoses.
Depois havia o Bragança. Tempo de forjar lealdades indestrutíveis juradas em Tancos no fim da Recruta no R.C.P. vinte e um anos depois de haver nascido.
Não era preciso, a pertença era tão entranhada que só Deus a poderia alterar. Ainda antes de ir para a Escola corria sempre que sentia movimento ou suspeitava de treino ou jogo no Toural. 
Era o tempo do Micá, do Neves, do Taiti, Chico Ferreira e Simeão, lembro-me de um avançado chamado Vicente que beijava a medalha de ouro que trazia ao peito antes de bater a bola para o Penalty e do Guarda-redes Lisboa a quem chamávamos o Boneco de borracha.
Se as fotografias do Mundo de Aventuras me prenderam para sempre ao Sporting, o que não fizeram as imagens reais desses homens na plena força da vida quando entravam em fila no Campo do Toural vestidos de camisola amarela e calção azul. A mística que a pertença a algo colectivo sempre acarreta e é transmitida à pessoa singular foram em mim potenciadas ao máximo! Será difícil explicar sentimentos e amores, amores sim, porque era disso que se tratava e só consigo dizer aos outros que sentia esse êxtase em plenitude quando ia com o grupo do meu irmão onde o Garrido era a figura mais representativa do que eu hoje descrevo no fim do texto. Jogo em que o Sporting ganhava, saindo contentes do Estádio corríamos para o carro para ouvirmos na Rádio o resultado final do GDB e era anunciada Vitória dos NOSSOS. O Garrido levantava a voz e dizia Vamos cantar a canção. E começava o primeiro verso de uma canção brasileira que reza assim: -Tudo está no seu lugar, graças a Deus, graças a Deus... Ainda hoje sinto um frémito a percorrer-me a espinha e as lágrimas escorrerem para o rosto ao rever a face do meu irmão, do Garrido, Broco e Malã com um sorriso a toda a largura da face . E eu feliz!!! Imaginem qual é hoje a cor que tem a minha Alma ao ver o SCP assim e o GDB assado? 
Mas tenho em mim o que me deu a minha mãe misturado no leite que mamei do seu peito. Amor aos meus parentes e amigos e Esperança enorme que melhores dias venham e sejamos de novo felizes. 
Nos anos sessenta o meu irmão fez-se árbitro e depois do Curso passou a fazer parte da equipa comandada pelo grande amigo Diniz Salazar. Fazia parte também o Zé Parreira que alternava com o Salazar como árbitro e o meu irmão era bandeirinha. Acompanhava-os às vezes quando saíam e também ia com eles ao Toural pois eu ficava com a chave do balneário para que ao intervalo o Roupeiro levasse o chá antes de eles regressarem.
O Zé Parreira foi transferido para as Finanças de Guimarães e o Professor Fraga substituiu-o na equipa. O meu irmão passou para o lugar do Parreira. 
A rivalidade entre o Bragança e Mirandela estava no auge e sentimentos dignos de uma análise séria do ponto de vista das relações dos cidadãos estavam também no ponto rubro.  Condicionados pela falta de industrias e pelo retirar de serviços que são essenciais ao desenvolvimento das terras do interior, as rivalidades proliferavam.
Um dia de domingo de manhã, a melhor equipa de arbitragem da A.F. de Bragança foi a Mirandela apitar um jogo de juniores. O trio de Arbitragem que apitou viu mosquitos por cordas. O público contestou algumas decisões do árbitro e as pedras choveram para onde o árbitro se encontrava. O meu irmão foi ainda atingido com uma pedra nas costas. A guarda, depois do jogo, não permitiu que a turba continuasse a fazer disparates e abriram caminho para a equipa de Juniores do Bragança e para os árbitros que se apressaram e foram escoltados até Quintela de Lampaças.
No carro o meu irmão disse ao Salazar : -Em Portugal há duas entidades que fazem milagres, Nossa Senhora de Fátima e o Salazar. A primeira não é daqui e a segunda és tu, que assim te chamas. Portanto logo à tarde o Bragança vai ganhar porque se temos a fama teremos a fama e também o proveito.
O Salazar e o Fraga entreolharam -se e não responderam. 15:00 horas. O Campo do Toural estava esgotado, a bancada de madeira que estava no lado dos balneários começou a gemer e alguns espectadores transferiram-se para o solo não fosse o Demo tecê-las. Jogo começado e Camilo um jogador do Mirandela que estudava na Escola do Magistério Primário em Bragança faz um alívio do meio -campo e Totó ficou a ver navios, O drama começou ali, o campo estava chumbado e o saibro colava-se às chuteiras, a bola estava pesada e os jogadores do Mirandela estavam mais serenos pois tinham naquele momento quatro golos de vantagem. O meu irmão corria lateral acima e abaixo gritando para os jogadores do Desportivo e para o Salazar.
A partir daí o jogo foi heróico e chegou-se aos 3-1 debaixo de uma pressão que obrigou o Salazar a expulsar alguns atletas do Mirandela. O 4-1, surge de uma jogada em que um adversário se deita intencionalmente ao chão para que o árbitro parasse o jogo, mas pararam todos os jogadores sem que o arbitro tivesse apitado. A bola estava nos pés do João Reis que olhou para o meu irmão como pedindo autorização para continuar. O bandeirinha correndo para o lado da baliza dizia: -segue segue e o João Reis não se fez rogado e faz o 4-1. O árbitro validou o golo pois efectivamente não havia apitado para interromper a jogada. Nem digo o que foi porque é fácil adivinhar. Mas o melhor estava para vir. O quinto golo é obtido através de um pontapé ou melhor dizendo três remates da marca de penalty!
Depois de o árbitro assinalar a penalidade foi o bom e o bonito. Os jogadores do Mirandela quiseram abandonar o campo, fizeram cenas de desespero e finalmente aceitaram que se cobrasse o penalty. É designado o Eduardo Gonçalves Queijinho) para a cobrança. Remate feito e o goleiro defende. O meu irmão que estava na linha de fundo assinala infracção porque o Keeper se mexeu antes da bola partir. A segunda cobrança teve o mesmo fim e a mesma decisão. Outra vez o bandeirinha assinala o movimento extemporâneo do Guarda-redes. Mais surucucu. Mesmo os jogadores do Bragança estavam nervosos. O meu irmão grita para o Michelin e diz-lhe: -Manda vir o petromax que é capaz de se fazer noite! Esta frase serviu depois para contestar o jogo pelo delegado do S.C.M. 
Finalmente a bola entrou e falta seguida de golo é golo e o Bragança subiu à Terceira Divisão Nacional. 

Bom, no dia seguinte o jornal de Mirandela titulava. Caiu uma bomba no Bragança-Mirandela, lançou-a o Bombadas. Mais ou menos isto.
Os seguintes foram anos de ameaças feitas escondidamente ou às claras. Não sei bem quando, pediu a demissão mas nunca se arrependeu. O que o moveu foi o amor à terra que a nossa mãe nos ensinou a amar. Não nos ensinou todas as formas de o fazer e o meu irmão mais velho naquele dia inventou a forma possível para o demonstrar.
Há uns três anos estive presente num almoço de amigos de Bragança e outros a quem Bragança lhes está no coração. O Comandante João Pedro Conceição, doente, não pôde estar presente. 
A meio do almoço recebo um telefonema dele a perguntar como estava a decorrer o encontro de amigos e o repasto. Perguntou-me quem estava presente e eu enumerei os que fui selecionando como mais a ele chegados, até mencionar o Dr. Ferreirinha. Aí ele pediu-me que lhe desse um abraço em seu nome dizendo-lhe também que estava triste por não poder estar connosco. Levantei-me e fui fazer o que o Com. Conceição me pediu. O Dr. Ferreirinha ouviu e agradeceu. Algum tempo depois levantou-se e foi falar comigo. Perguntou-me quem eu era pois não me reconheceu. Disse-lhe, para abreviar, sou filho do Bombadas. Do árbitro? Perguntou. Sou o seu irmão mais novo, respondi. 
O Dr. Luís Ferreira olhou-me de frente e disse apenas: -Sabe, fui eu que falhei o segundo penalty!!! O seu semblante ficou como o do caçador que falha o tiro com a perdiz na cara. A mim caíram-me as lágrimas que me toldaram à vista de fora deixando de ver o Dr. Ferreirinha e passando a ver o meu irmão com a bandeirola na mão ligeiramente flectido para a frente com os pés sobre a linha atento à marcação do penalty. Quando a bola entrou levantou o torso e penso que sentiu um alívio. Afinal já não precisava do petromax. O Dr. Ferreirinha dava saltos de contentamento e o Michelin agarrado ao João Reis tinha os olhos marejados de lágrimas de alegria. 

Gaia, 25/08/2018





A. O. dos Santos
(Bombadas)

1 comentário:

  1. Gostei muito . Sou a filha mais velha do Diniz Salazar. A história além de me comover também me fez rir. Na altura em que o meu pai era arbitro em Bragança era eu ainda muito novinha e lembro-me que quando ele chegava a casa era um alivio...pois receávamos sempre que se houvesse violência o meu pai se magoasse...Que saudades!
    Obrigada
    Regina

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