Venho por este meio mostrar a minha indignação (...). Espero que não seja mais um daqueles casos em que a impunidade prevalece."
As frases citadas dão um exemplo das mensagens que a Polícia Judiciária está a receber nos últimos dias. Dizem respeito ao caso do estudante cabo-verdiano Luís Giovani dos Santos Rodrigues, de 21 anos, que morreu a 31 de dezembro, após dez dias em coma na sequência de uma pancada na cabeça.
"Creio que nunca tivemos tantos mails deste tipo", desabafa ao DN alguém desta polícia, acrescentando: "Estamos a ser bombardeados. Mas chegámos dez dias atrasados ao caso."
Estes "dez dias de atraso" significam que a Polícia Judiciária terá iniciado do zero a investigação. A PSP, que teria a tutela do caso desde 21 de dezembro, quando encontrou o jovem caído na rua, até à morte do mesmo - quando o facto de se suspeitar de morte violenta implicou a transferência para a PJ -, não terá feito qualquer averiguação ou sequer visitado o bar bragantino Lagoa Azul, onde, segundo amigos de Giovani, se terão iniciado os acontecimentos que terão levado à agressão, e cujas imagens de videovigilância, requisitadas pela PJ, terão permitido identificar algumas das pessoas envolvidas.
É o que garante ao DN uma pessoa ligada ao Lagoa Azul: "Só no dia em que a PJ veio ao bar soubemos da morte do rapaz. Nem na cidade se tinha falado de ter havido agressões. Toda a gente ficou espantada."
Foi, recorde-se, no Lagoa Azul que Luís Giovani, há dois meses a residir em Bragança, onde estudava no Instituto Politécnico, no curso de Design de Jogos Digitais, esteve com amigos na noite de 20 de dezembro, sexta-feira. E foi no Lagoa Azul, segundo os relatos atribuídos a esses amigos, que terá acontecido um desentendimento que viria a resultar numa agressão coletiva ao grupo, já na rua. Agressão que, ainda de acordo com os ditos testemunhos, incluiu uma pancada forte na cabeça do rapaz, que se revelaria fatal.
A mesma pessoa ligada ao bar, e que prefere não ser nomeada, assevera ao DN não ter existido qualquer contacto policial anterior à morte de Giovani e à referida visita da PJ.
A única queixa à polícia é feita já após a morte de Giovani?
A divisão de Relações Públicas da PSP confirma ao DN que foi um carro desta força policial que, tendo encontrado o jovem caído no chão, "com sinais de vómito", acionou a emergência médica, crendo os agentes estar perante um caso de intoxicação alcoólica.
Mas não esclarece se existiu alguma participação apresentada, logo nessa altura ou ainda durante o coma, em relação à agressão de que o jovem teria sido alvo (ver nota no final do texto), ou se foi iniciada alguma investigação sobre essa possibilidade. Porém, sobre a existência de outras queixas, relativas a outras agressões ocorridas nessa noite, a PSP é taxativa: não existiram.
Significa tal que os amigos de Giovani, identificados, num artigo publicado a 3 de janeiro no jornal onlineContacto, como "Elton" e "Jailson", seus colegas no Instituto Politécnico de Bragança, como ele naturais de Mosteiros, na ilha do Fogo, Cabo Verde, e um terceiro, "mais velho" e a viver em Bragança há mais tempo, não terão apresentado queixa à PSP das agressões de que dizem ter sido alvo. E que no caso do mais velho, ainda segundo o relato feito ao Contacto, lhe teriam até deixado "o corpo coberto de hematomas".
A ausência de queixa por parte dos amigos de Giovani poderá, de acordo com fonte policial ouvida pelo DN, ser um dos fatores que explicam a aparente inexistência de investigação pela PSP. É que o crime de ofensas à integridade física depende de queixa - e Giovani não estava consciente para se queixar ou explicar o que lhe tinha acontecido. (ver nota no final do texto)
"Até à última eles, a família, acharam que ele ia acordar. O pai do Giovani só chegou a Portugal depois de o filho morrer, e é ele que faz queixa à polícia."
De resto, a própria família de Giovani, na pessoa do primo Reinaldo Rodrigues, assumiu ao Contacto não ter noção da gravidade do caso até à morte do rapaz. "Até à última eles acharam que ele ia acordar", diz Ana Carvalho, jornalista daquela publicação, ao DN. "O pai do Giovani chegou a Portugal a 24 de dezembro, e depois da morte é que quis fazer queixa do homicídio."
A uma televisão cabo-verdiana, o pai de Giovani terá dito, de acordo com o jornal bragantino Mensageiro de Bragança , que o filho foi logo submetido a uma TAC quando deu entrada no Hospital de Bragança e que apresentava um derrame cerebral interno "em grandes proporções e que a situação era grave. Disseram-me que chamaram o helicóptero mas este não podia sair por haver muito nevoeiro na zona Norte, acabou por ir de ambulância. Deve ter demorado umas duas horas e meia de percurso até chegar ao hospital (no Porto), penso eu. Fizeram-lhe uma operação, depois disso ficou em coma profundo durante 10 dias. Depois tiveram que desligá-lo porque o cérebro já estava morto. A médica disse-me que o choque é tão forte que o cérebro acabou por morrer".
O pai acabaria por não fazer a queixa, porque lhe disseram que havendo suspeita de morte violenta a investigação começava automaticamente.
É só após a morte de Giovani que o assunto se torna público. Até então não saíra qualquer notícia referindo a agressão ou sequer, nas redes sociais, menção ao ocorrido. Nem na página de Facebook da Associação de Estudantes Africanos em Bragança existe referência ao caso antes da morte do jovem; o primeiro post público sobre o assunto é de 1 de janeiro.
É nesse mesmo dia de ano novo que o único jornal nacional que se publica em papel no feriado, o Jornal de Notícias, coloca a notícia na primeira página ("Universitário espancado morre no hospital"); no mesmo dia, a CMTV fazia notícia sobre o caso; a 2, o Correio da Manhã dedicar-lhe-ia duas páginas na edição em papel, com chamada de capa: "Lutou 10 dias pela vida. Estudante espancado morre após coma".
É porém Ana Carvalho, no jornal luso-luxemburguês Contacto, que escreve a notícia que mais terá contribuído para despertar a atenção para o caso, quer por ser um conteúdo de acesso gratuito online quer pelo título: "Tocava piano na igreja em Cabo Verde e foi assassinado em Bragança".
A jornalista, residente no Porto, conta ao DN que foi contactada a 31 de dezembro pela família de Giovani e que tentou falar com quem acompanhava o jovem naquela noite (os tais Elton, Jailson e alguém "mais velho") mas não conseguiu: "Eles não querem mesmo falar. Creio que têm medo, Bragança é um meio pequeno. (ver nota no final do texto)" O relato dos acontecimentos que verteu no artigo é então o do primo de Giovani, Reinaldo Rodrigues, que reproduziu o que lhe contaram. Relatos em segunda mão que deixam muito por perceber.
Narrativas que não batem certo
Desde logo, há algo que chama a atenção: o tempo. De acordo com a informação recolhida junto do Lagoa Azul, o grupo do qual Giovani fazia parte saiu poucos minutos depois das três da manhã, facto, certifica pessoa ligada ao bar, constatado nas imagens de videovigilância: "As câmaras marcam as horas". Mas o alerta em relação ao jovem caído na rua chegou aos bombeiros pelas quatro da manhã, quase uma hora depois. Distando o local onde foi encontrado cerca de um quilómetro do bar, cabe perguntar o que terá sucedido num tão grande período de tempo.
Recorde-se que o relato que é feito ao Contacto pelo primo de Giovani, baseado por sua vez nos dos amigos que estavam com ele naquela noite (e que estes não alteram na conversa posterior com a jornalista, publicada esta quarta-feira), é de que o rapaz estava na fila para pagar, com o amigo mais velho, quando "no movimento de dar um passo para a frente, um passo para trás, um deles esbarrou numa menina." Terá sido aí que começou um desaguisado, com um dos acompanhantes da rapariga a dar um empurrão a um dos dois rapazes.
Prossegue o relato no Contacto: "No calor da agitação, terá sido o DJ local, juntamente com o segurança, a acalmar os intervenientes, tendo avisado os jovens cabo-verdianos que conheciam o tipo de situação e as pessoas em causa e que 'era melhor não alimentar aquilo porque podia dar-lhes problemas. (...) Na sequência disso, as pessoas saíram e eles os quatro foram aconselhados a esperar dentro do estabelecimento alguns minutos depois de fecharem, para ser evitada mais confusão à porta'."
"Eles [os amigos que estavam com Giovani naquela noite] não querem mesmo falar. Creio que têm medo, Bragança é um meio pequeno."
A espera, segundo explicou o primo de Giovani a Ana Carvalho, terá sido de cerca de 20 minutos. Conclui o narrador: "Foi esse o tempo que os agressores tiveram para ir reunir o grupo e as armas. Quando eles saíram da discoteca, uns 300 metros à frente estavam cerca de 15 rapazes em três grupos armados com cintos, ferros e paus."
No bar, porém, a narrativa difere. "Não é verdade que tenha sido dito por alguém do Lagoa Azul que podia haver problemas. E também não é verdade que o grupo do Giovani tenha ficado 20 minutos dentro do bar à espera."
O que sucedeu, segundo esta outra versão dos acontecimentos, é que dois clientes entraram em confronto porque um queria furar a fila de pagamento. Nessa altercação não participou em nada o Luís Giovani, que nem sequer estaria junto das pessoas em causa - facto que, de acordo com esta fonte do DN, as imagens de videovigilância comprovam -, mas a pessoa que estava a tentar furar faria parte do seu grupo.
Essa pessoa terá sido, como se pode ler no comunicado publicado a 4 de janeiro pelo Lagoa Azul na respetiva página de Facebook, levada para uma zona reservada: "Um funcionário do estabelecimento, quando se apercebeu do desentendimento, pediu a um dos intervenientes no conflito que o acompanhasse até uma área de acesso restrito no bar, neste caso para a cabina de som do DJ. Aqui foi pedido à pessoa que se acalmasse, o que aconteceu. Após alguns minutos, este cliente, aparentemente calmo, pediu para sair, que estaria tudo bem e que não se confrontaria com mais ninguém. Na porta do bar, ainda no interior, tinha amigos à sua espera. (...) Entretanto, o outro cliente interveniente no conflito saiu do estabelecimento com a normalidade possível nestes casos. No interior do bar e nas áreas de acesso não aconteceu qualquer tipo de envolvimento físico entre os dois intervenientes, como está confirmado pelas imagens de videovigilância do bar e que foram solicitadas e já entregues pelas [sic] autoridades."
O bar garante ainda que "quando existe alguma situação que ponha em causa a integridade física dos mesmos, são chamadas as autoridades, para ser resolvido conforme é exigido por lei".
Mas nem os relatos das pessoas ligadas ao bar coincidem. Se o respetivo dono, Virgílio Afonso, disse ao Expresso que Giovani saiu com os amigos "por volta das três, quando já estávamos a fechar", atribui-lhe a companhia de apenas duas pessoas (o primo de Giovani fala de três, como já vimos, e outra pessoa ligada ao bar de quatro) e assevera que a altercação existente na fila de pagamento, "único problema daquela noite", não incluiu "nem Giovani nem qualquer um dos seus amigos".
O que aconteceu entre as 3 e as 4 da manhã?
Regressemos então à narrativa do primo de Giovani: "Assim que viraram a esquina para ir para casa, eles [o tal grupo armado de paus, etc.] caíram todos em cima do amigo mais velho, que está com o corpo cheio de hematomas. O Giovani foi lá pedir para pararem e antes de acabar a frase levou com uma paulada na cabeça. (...) O barulho deve tê-los assustado, porque pararam e os quatro que levaram aproveitaram para fugir."
Não há ideia da duração da emboscada - mas nesta versão terá ocorrido logo após a saída do bar. Quanto à justificação para o facto de Giovani estar sozinho quando é encontrado pela polícia, é de que "enquanto fugiam, dois dos amigos aperceberam-se de que não tinham a carteira e o telemóvel e quiseram voltar para trás. Foi nesse instante que o Elton chamou pelo Giovani mas ele simplesmente seguiu em frente".
Na queixa apresentada aquando da admissão no hospital - de acordo com o Contacto, que a ela teve acesso - , está o relato de Elton, que diz que chamou o amigo quando perceberam que tinham de voltar atrás, mas ele continuou a andar: "Já não devia estar nele. Seguiu mais uns 500 metros e quase a chegar a casa, já na avenida principal, caiu."
Os rapazes, concluiu a jornalista do Contacto, teriam deixado cair os pertences na zona da emboscada. Depois de os reaverem seguiram no sentido percorrido por Giovani e encontraram-no "já inconsciente e com a polícia".
É provável que, se os jovens encontraram Giovani com a polícia, tenham relatado a esta o que se passara. E se a emboscada sucedera tão pouco tempo antes é estranho que a PSP não tivesse de imediato tentado encontrar os responsáveis e lançado uma investigação nos dias seguintes, começando pelo Lagoa Azul. Aparentemente, porém, nada fez. Porquê é, como já se viu, algo que está por explicar.
Certo é que este facto - o de a investigação se ter iniciado só após 31 de dezembro -, assim como o de a notícia do caso só surgir depois da morte de Giovani, dez dias após este ter dado entrada no hospital, alimentaram, logo nos primeiros dias do novo ano, e sobretudo após a citada notícia do Contacto, várias reações indignadas que referem "silenciamento", e, como os mails recebidos pela PJ, exigem "ação", insinuando a hipótese de se estar a assistir a "um encobrimento".
"Uma pancada na cabeça" ou "espancamento impiedoso"?
Há mesmo a invocação de "racismo", quer como eventual motivação do crime como do alegado "silenciamento/encobrimento". É o que parece estar subjacente ao comunicado da deputada do Livre, publicitado a 5 de janeiro.
Neste, Joacine Katar-Moreira apresenta como comprovada, sem atribuição de fonte, uma versão dos factos - "O estudante cabo-verdiano Luís Giovanni [sic] dos Santos foi espancado impiedosamente por um grupo de cerca de 15 indivíduos armados de ferros e paus" - e afirma: "Esta brutal violência de que Giovani foi vítima e o levou à morte não mereceu, desde logo, e ao contrário de outros crimes, a necessária divulgação noticiosa. Passados 15 dias depois das violentas agressões em Bragança e a identificação de dois suspeitos, que se encontram em liberdade, continuam por esclarecer as circunstâncias da sua morte (...)"
A identificação de dois suspeitos, referida no comunicado, foi mencionada no artigo do Contacto como informação proveniente da família, e teria sido efetuada já pela PJ (que não confirmou na altura esse facto), o que significa que nunca poderia ter ocorrido há 15 dias - como já assente, esta polícia só tomou conta do caso a partir de 31 de dezembro, quando o jovem morreu.
Mas Katar-Moteira vai mais longe no seu comunicado, referindo a possível motivação quer do que apresenta como um crime quer da ausência de "divulgação noticiosa": "Esta vida interrompida pelo ódio, seja ele racial ou outro (...). A história de Giovani não é a história da juventude negra portuguesa, mas sim a história de cada uma e de cada um de nós, a história da sociedade portuguesa e da sua incapacidade de ver e sentir como iguais os negros e negras deste país ou que cá se estabelecem para estudar ou trabalhar."
Também o deputado do BE José Soeiro fez, no mesmo dia (5 de janeiro), um post (só disponível para "amigos" mas citado no Esquerda Net, a plataforma noticiosa do BE), partilhando o artigo do Contacto: "Um caso gravíssimo de agressão e homicídio, que do que aqui se pode ler é em tudo nojento, mas que não está nas primeiras páginas dos jornais nem nos destaques das televisões. Pergunto: se Giovani tivesse outra origem, não haveria já uma comoção nacional generalizada, comentadores empolados e uma onda mediática de choque e indignação?"
Recorde-se que quer o JN quer o Correio da Manhã tinham dado destaque ao caso, incluindo na primeira página, a 1 e a 2 de janeiro - com uma particularidade: essas chamadas de capa não referiam a nacionalidade de Giovani, limitando-se a referi-lo como "estudante".
Outra parlamentar, a socialista Isabel Moreira, igualmente no Facebook, e partilhando o mesmo artigo do Contacto, bateu na mesma tecla: "Temos mesmo de saber tudo o que aconteceu. Não é normal que se tenha dado tão pouca relevância a esta história pavorosa. E claro que queremos saber das possíveis motivações racistas (quem não põe essa hipótese?)"
"Pode haver quem queira aproveitar-se disto para tirar proveitos"
"Todo o mundo neste caso tem as suas opiniões, cada um tem a sua revolta e o seu sentimento. Tenho de respeitar. Mas há pessoas que podem querer aproveitar-se disto para tirar proveitos pessoais, políticos."
É Wanderley Antunes, 27 anos, natural de São Tomé e Príncipe, estudante do mestrado de Administração Autárquica e presidente da Associação de Estudantes Africanos em Bragança, que fala.
Wanderley só soube do caso a 31 de dezembro, após a morte de Giovani, que não conhecia apesar de frequentar como ele o polo de Mirandela do Instituto Politécnico de Bragança: "As pessoas que sabiam não puseram isto na praça pública porque não pensaram que seria tão grave a ponto de causar a morte. Acharam que era uma simples briga."
Ainda não falou com os amigos de Giovani que estavam com ele naquela noite - "Vi-os quando fomos à polícia, nas não chegámos a falar, eles estão a ser apoiados pelo instituto" -, mas desde que se inteirou da notícia soube "de outros relatos de agressões, pelo mesmo grupo que os atacou. Acontecimentos idênticos."
Sobre quem compõe esse grupo, Wanderley, que publicou no Facebook da associação, a 3 de janeiro, um comunicado em que assegura que "já foram identificados algumas testemunhas e alguns dos agressores, (...) agora é preciso esperar que as autoridades competentes façam o seu trabalho", e apela a que quem tivesse presenciado alguma coisa entrasse em contacto com a associação ou as autoridades, diz não saber, apesar de à SIC ter afirmado que se trata de "um grupo criminoso que anda pela cidade a fazer atos como este e foi já identificado".
"As pessoas que sabiam não puseram isto na praça pública porque não pensaram que seria tão grave a ponto de causar a morte. Acharam que era uma simples briga."
E ao DN, como antes à SIC, diz não acreditar em motivações raciais para as agressões. "Pelos relatos que mencionei percebe-se que não sucede só com africanos, esse grupo não ataca só africanos." Além disso, prossegue, "sempre nos demos bem com a comunidade, no Politécnico não há conflitos". Mas não há racismo e racistas? "Racistas há em todo o lado, claro. Mas não devemos dar importância a essas pessoas. Como estudantes e pessoas que estão no ensino superior não devemos alimentar esse sentimento de racismo."
Muito mais importante do que falar de racismo, acha Wanderley, é promover a homenagem a Giovani prevista para sábado em Bragança, uma marcha silenciosa, de luto, que se iniciará no instituto, seguindo para a Sé, onde haverá uma vigília; outras demonstrações de pesar terão lugar no país, em Lisboa, Porto, Bragança, Coimbra, Covilhã e Guarda). "É importante mostrar a força da comunidade africana, e repudiar o ato que causou esta morte. É importante mostrar à comunidade bragantina, nacional e internacional que atos como este não devem acontecer, devem ser repudiados."
No mesmo sentido se expressou o primo de Giovani, em segunda entrevista ao Contacto, publicada a 6 de janeiro, mas este concentrando-se na investigação do crime: "Não gosto que a morte dele seja secundária e que se torne motivo de discussão social. Primeiro trata-se da investigação da morte dele, depois é que se pode falar. (...) Tornar isto já um assunto de raça sem o caso estar esclarecido é o caminho mais fácil. Eu percebo perfeitamente o que se está a passar, mas o Giovani nunca foi tratado de forma diferente no hospital por ser preto, eu e o pai fomos sempre bem recebidos por toda gente durante o processo todo." E concluiu: "Sim, sou preto e sei que o racismo está presente nos detalhes mais pequenos do dia-a-dia e que sim, é preciso ser falado, mas não deve ser utilizado um caso destes como motivo de ódio e agitação social, quando há um luto ainda para ser digerido."
Governo português confirma "agressão bárbara"
Um luto para digerir e uma morte para investigar. E sobre isso - o que aconteceu e quais as motivações possíveis - , para já, como a Polícia Judiciária já veio esclarecer, todas as hipóteses estarão ainda em aberto: "A investigação está a decorrer, não antecipamos nenhuns cenários - não excluímos nem incluímos."
Esta clarificação seguiu-se a uma notícia do Público de 6 de janeiro em que uma fonte da PJ era citada como tendo dito que estava afastada a motivação de ódio racial, e que a autópsia não permitia concluir se a lesão na cabeça do jovem se devia a uma pancada ou a queda.
Ainda não existiria sequer relatório da autópsia no momento dessas declarações ao Público, que fonte ouvida pelo DN considerou "extemporâneas". Questionada sobre se o corpo de Giovani ostentava outros sinais além do hematoma relativo à pancada na cabeça, essa fonte disse não poder responder. Também não foi possível confirmar ou infirmar a existência de detenções até ao fecho deste texto.
Mas haverá várias ideias que têm sido repetidas, sobretudo com base no relato de Reinaldo Rodrigues, o primo de Giovani, ao Contacto, que não serão forçosamente concordantes com a realidade - por exemplo o número de indivíduos que terão estado envolvidos, que, de acordo com a fonte da PJ referida, "podem não ser 15". Também poderá, prossegue a mesma fonte, dar-se o caso de "algumas das pessoas envolvidas não terem estado no Lagoa Azul".
Parece no entanto confirmar-se a existência da agressão - a qual poderá até ter sido "apanhada" por câmaras de videovigilância existentes nas ruas da cidade.
A realidade da agressão foi aliás reiterada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros português, que a 5 de janeiro, no Twitter, e já após um comunicado da Embaixada de Cabo Verde a pedir "clarificação cabal das circunstâncias da morte", falou de uma "bárbara agressão de que resultou a morte, em Bragança, de um estudante cabo-verdiano", assegurando: " Os responsáveis serão identificados e levados à justiça."
Não haverá pois para o governo português dúvidas sobre o facto de o jovem estudante ter sido agredido e de haver responsáveis pela sua morte, apesar de até agora as autoridades judiciárias nada terem adiantado publicamente em relação a isso.
A ser assim, restará saber o porquê, o como e o quando da agressão, além, claro, do quem. E se se poderá estar perante um homicídio ou apenas de ofensas à integridade física - qualificação que caberá ao Ministério Público, se a investigação da PJ encontrar os responsáveis.
NOTA: Após a publicação deste texto, que ficou on line às 22.00 horas de quarta-feira 8 de janeiro, o Contacto publicou, esta quinta-feira, um artigo baseado em entrevistas efetuadas pela jornalista Ana Carvalho com o pai de Giovani e os amigos que estavam com ele nessa noite. Alguns dos detalhes contidos nesses relatos diferem ligeiramente do relatado pelo primo de Giovani, citado neste texto do DN. Confirma-se no entanto que os jovens não chegaram a fazer queixa das agressões de que foram alvo. Existirá porém uma queixa, efetuada no hospital, aquando da entrada de Giovani e respeitando à agressão que o deixara inconsciente, na qual consta a narrativa dos acontecimentos feita pelos amigos. Por que motivo essa queixa não terá dado origem, até à morte do rapaz, a qualquer investigação policial continua por perceber.
O texto do DN foi alterado às 20 horas desta quinta-feira para incluir declarações do pai de Giovani e para rectificar duas informações erradas: o pai não chegou a Portugal, como se tinha escrito, só após a morte do filho, e não foi ele o autor da queixa apresentada em relação à agressão a Giovani - essa queixa, como referido, foi apresentada aquando da admissão de Giovani no hospital.
Fernanda Câncio
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