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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 2 de junho de 2022

As açucenas da Senhora do Castelo

Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Parece milagre, concedem os mais céticos.
É um milagre de Nossa Senhora do Castelo, garante a maioria dos devotos que, no terceiro domingo de maio, se aventuram pela fragada para celebrar a Festa das Açucenas, nas imediações de um dos mais belos promontórios sobre o inebriante Vale da Vilariça.
Milagre ou não, o certo é que, todos os anos, no mês das rosas e das flores, que por ali não abundam, no meio de carrascos, carvalheiras, alguns zimbros, severos e soturnos blocos gigantescos de granito, lá estão elas, as açucenas! Puras, frágeis, belas e delicadas, exibindo a sua alvura graciosa e leve, povoam as cercanias do monte de S. Joãozinho.
Quem, indiferente à abrasadora canícula que cobre de suor os mais afoitos dos romeiros e desperta cobras e outros répteis, sobe a fragada, vindo da Terrincha, ou a desce, proveniente da Adeganha e Cardanha, ou como a maioria dos romeiros, se atreve a sujeitar os respetivos veículos aos desengonçantes solavancos do estradão de terra que serve o Santuário, não pode, mesmo que o quisesse, ficar indiferente às dezenas e dezenas de corolas brancas, rodeando um fino e rendilhado coração amarelo, no meio de botões de um verde suave e desmaiado prestes a abrir, enfeitando a vizinhança da ermida.
No terreiro, após dois anos tristes, escuros, sombrios e deprimentes, esperam-nos os dois andores, cuidadosamente preparados e enfeitados por cuidadosas e diligentes mãos de gente da Adeganha. O da Virgem, o de S. João Baptista alindado com rosas vermelhas e o da Virgem com as naturais e óbvias açucenas alvas e cândidas. Os peregrinos, este ano, são menos. E, mais velhos, parece-me. Porém, por entre as cadeiras alinhadas no terreiro para assistir à missa concelebradas pelos reverendos padres João e Joaquim, circula livre e alegremente, uma criança, com pouco mais de dois anos. O amigo e conterrâneo Rui Vilela informa:
– É a nossa mascote! É a única criança que temos, agora na Adeganha.
A alegoria é óbvia. Enquanto os sacerdotes se paramentam, à vista do povo, a reflexão chega, espontânea e imperativa. A pequenina que borboleteia por entre assistentes da missa é, tal e qual, a açucena que se impõe, entre duas fragas encostadas como se quisessem protegê-la, no meio de uma pequena mata de carrascos que a bordeja, como me assinalou a devota de primeira hora, desta festividade, Ermelinda Pinto.
Cumprindo a promessa feita, há séculos atrás, por Maria, à jovem pastora que demandando, a abandonada igreja se ajoelhou para rezar, todos os anos, pela primavera, o Santuário floresce e mostra o seu esplendor, no meio da aridez e apesar do calor escaldante. Indiferentes à pobreza do solo, à aridez climática, à teimosia militante das autoridades que se recusam a cumprir promessa eleitoral, voluntária e com garantia de “palavra de honra” de melhorar os acessos, as açucenas aparecem, atraem, deslumbram e cumprem a divina determinação.
Cumprindo o desígnio vital da humanidade, alheia aos desacertos governativos, distante da ausência de incentivos ao desenvolvimento do interior, na Adeganha, envelhecida e despovoada, uma criança, alegre e festivamente, teima persistir e renovar a vetusta freguesia.
Da senhora do Castelo, com a minha mãe e o meu tio, com o carro sujo de poeira e depois de o sujeitar a violentos e demolidores solavancos, trouxe uma açucena e uma esperança num futuro melhor.

José Mário Leite
, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia) e A Morte de Germano Trancoso (Romance), Canto d'Encantos (Contos) tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.

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