Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)
(Uma história passada num Alentejo bem distante no tempo! Como o Manel das Ovelhas, moçoilo bem apessoado, ganadeiro de ofício, deu provas da sua valentia e assim conheceu e se apaixonou pela Chica do Brejo.)
… Continuação
Assim foi que pelos dias d’alumiada, já depois da hora do maior calor e numa tarde de céu cavado, o Ti Chumiço foi direito ao filho com a seguinte ordenança:
- A ver se t’avias ó cagarilhas, qu’hoje há balharico.
- Quer o mê pai que eu vá dançar nestes trambelhos? Atão nã se dá conta das minhas aflições? Tou lá eu capaz de tamanha façanha?! – Inquiriu o Manel, de cara posta.
- Por isso mêmo. – O Ti Chumiço rematou a lamúria - Endreta-te e agarra nos quatro arrátes, que se faz tarde.
Contrariado, mas obediente ao pai, o Manel lá foi para o baile que corria junto ao campo da bola.
E estas são coisas que nem Deus adivinha, porque foi nesse dia que ele arranjou áspera confusão que lhe valeu uma reviravolta na sua vida, tão achegada a malquereres.
Acabado de plantar os pés no bailarico e logo o Manel deu de caras, ali num ajunto de pessoas, com a Chica do Brejo. A linda Chica, que morava lá para os lados da Serra da Guarita, ali bem à sua frente, toda ‘empapoilada’! Moça vistosa e de modos agradáveis. Aos rapazes até se lhe lavavam os olhos quando a viam nos bailes, tal era a sua boniteza. Grande pedaço de tempo ficou ele, de soslaio, a admirá-la.
Eis senão quando, batendo com os olhos no Justino Estarola, o Manel deu fé de uma deslavada cena. O mariola, muito senhor dos seus botões, alvorado em parvo, a mandar as suas patouchadas à Chica do Brejo. Ela corada, incomodada com tal afrontamento e audácia que o outro fingia não perceber, alheio da sua descompostura.
- Olha nã querem lá ver o garganêro com as suas dezidelas parvas? Às tantas nã sabe ler! Haveras de pensar que todo o mato é orégão, seu sarnoso? - Grunhiu o Manel ao Justino, de peito empertigado.
Ao que respondeu o outro, com ligeireza, por entre sonora gargalhada:
- Nã me querem ver este agora? Tal tá a cachamorra! Tá visto que se a inveja fosse ‘tinha’ toda a gente era careca.
O Manel ainda se encrespou mais…
- Tu põe-te fino, ó Estino… Dou-te um estrompasso nesse focinho c’a ficas com a fronha toda esbolemada e vais daqui de esgalharêta, farsolo!
- És manilha pr’a isso! - Provocou o Justino.
Juntou-se logo o povo, aos dois que ali faziam uma grande estouraria.
O Manel, espadaúdo, maltês como um alarve e mal tomado com a ousadia do confronto, não se fez rogado e pespegou-lhe duas briosas galhetas.
Tal não foi o brilharete feito que o Justino Estarola caiu de pantanas no chão. Esbandalhado e não tendo mais remissão, abalou a correr desembestado, com cara d’asno.
Riu o Manel, muito orgulhoso da sua valentia.
- Ora munto bem fêto, nã viesse meter o bodelho onde nã era chamado! Veio p’lo burro e voltou p’la albarda!
Mostrou-se a Chica do Brejo, a modes que assarapantada.
- Ai! Que até se me deu um escalafrio, Sr. Manele! Grande surraço me pregou!
- As minhas desculpas, menina Chica. É qu’eu, quando vi o Estino assim a faltar-lhe ó respêto, eu fiquei que n’em sequ’é uma bala me passava!!! Tinha que dar-le uma abênçoa no caçoiro! Mas havera mesmo era de lhe ter dado um enxugo. - Adiantou-se logo, embasocado, o Manel.
Ficaram depois calados sem ter o que dizer, mas com os olhos de esguelha um no outro.
O cair da tarde tinha esfriado e a Chica, aproveitando-se da coisa e encolhendo o xaile nos ombros, com muita graciosidade largou um espirrinho atrofiado:
- Jesus Marizéi, menina Chica! – Abençoou o Manel de imediato e logo aproveitou a deixa para a conversa - A menina, por certo nã s’enterou, mas hê-de dezer-lho eu: o Estino Estarola nã tem tacto nenhum, nasceu ralo, o coitado! Aquele alganaiso nem uns bornicos sabe estrapolar. E anda sempre por aí de ventas no ar c’as moças da aldeia. Além disso, nã é home com préstimo pr’o futuro. Nunca coalha vintém, aquilo é chapa batida chapa lembida.
- Ai Sr. Manele, que d’homes desses até tenho rescunho! Home qu’é home, pr’a mim, tem que ser de bravura e de boa cabeça e nã andar pr’aí com imposturices. Saiba o Sr. Manele que eu sou chita que nã debóta!
E aproximando-se do ouvido do Manel, rematou baixinho, num riso nervoso:
- E sabe doutra cousa que lhe conto? Também sou solta de pé e perna…
O Manel, tirando educadamente o chapéu da cabeça, avançou:
- Pois olhe menina Chica, eu cá sou lá de trás das estevas e nã tenho letras… Mas ouça o que lhe digo: vou brigar por si.
E a Chica, embosiada, muito corada…
- Ó Sr. Manele, veja lá não esteja pr’aí de mangação comigo… Ora agora é que vocemessê me partiu! O Sr. Manele diz que nã conhece letra do tamanho dum burro, mas odepois, mais parece um poeta!
E foi assim, pela hora do lusco-fusco, enquanto o Tónho Gaitinhas tocava a moda desses tempos que, sem dizer palavra e com muito jeito, o Manel das Ovelhas, pegou na mão da Chica do Brejo e os dois, nos olhos um do outro, tiveram aquela dança só para eles.
Agora sim, pensava o Ti Chumiço, seremoniando: “O mê Manele tá capaz doutra!”.
… Continuação
Assim foi que pelos dias d’alumiada, já depois da hora do maior calor e numa tarde de céu cavado, o Ti Chumiço foi direito ao filho com a seguinte ordenança:
- A ver se t’avias ó cagarilhas, qu’hoje há balharico.
- Quer o mê pai que eu vá dançar nestes trambelhos? Atão nã se dá conta das minhas aflições? Tou lá eu capaz de tamanha façanha?! – Inquiriu o Manel, de cara posta.
- Por isso mêmo. – O Ti Chumiço rematou a lamúria - Endreta-te e agarra nos quatro arrátes, que se faz tarde.
Contrariado, mas obediente ao pai, o Manel lá foi para o baile que corria junto ao campo da bola.
E estas são coisas que nem Deus adivinha, porque foi nesse dia que ele arranjou áspera confusão que lhe valeu uma reviravolta na sua vida, tão achegada a malquereres.
Acabado de plantar os pés no bailarico e logo o Manel deu de caras, ali num ajunto de pessoas, com a Chica do Brejo. A linda Chica, que morava lá para os lados da Serra da Guarita, ali bem à sua frente, toda ‘empapoilada’! Moça vistosa e de modos agradáveis. Aos rapazes até se lhe lavavam os olhos quando a viam nos bailes, tal era a sua boniteza. Grande pedaço de tempo ficou ele, de soslaio, a admirá-la.
Eis senão quando, batendo com os olhos no Justino Estarola, o Manel deu fé de uma deslavada cena. O mariola, muito senhor dos seus botões, alvorado em parvo, a mandar as suas patouchadas à Chica do Brejo. Ela corada, incomodada com tal afrontamento e audácia que o outro fingia não perceber, alheio da sua descompostura.
- Olha nã querem lá ver o garganêro com as suas dezidelas parvas? Às tantas nã sabe ler! Haveras de pensar que todo o mato é orégão, seu sarnoso? - Grunhiu o Manel ao Justino, de peito empertigado.
Ao que respondeu o outro, com ligeireza, por entre sonora gargalhada:
- Nã me querem ver este agora? Tal tá a cachamorra! Tá visto que se a inveja fosse ‘tinha’ toda a gente era careca.
O Manel ainda se encrespou mais…
- Tu põe-te fino, ó Estino… Dou-te um estrompasso nesse focinho c’a ficas com a fronha toda esbolemada e vais daqui de esgalharêta, farsolo!
- És manilha pr’a isso! - Provocou o Justino.
Juntou-se logo o povo, aos dois que ali faziam uma grande estouraria.
O Manel, espadaúdo, maltês como um alarve e mal tomado com a ousadia do confronto, não se fez rogado e pespegou-lhe duas briosas galhetas.
Tal não foi o brilharete feito que o Justino Estarola caiu de pantanas no chão. Esbandalhado e não tendo mais remissão, abalou a correr desembestado, com cara d’asno.
Riu o Manel, muito orgulhoso da sua valentia.
- Ora munto bem fêto, nã viesse meter o bodelho onde nã era chamado! Veio p’lo burro e voltou p’la albarda!
Mostrou-se a Chica do Brejo, a modes que assarapantada.
- Ai! Que até se me deu um escalafrio, Sr. Manele! Grande surraço me pregou!
- As minhas desculpas, menina Chica. É qu’eu, quando vi o Estino assim a faltar-lhe ó respêto, eu fiquei que n’em sequ’é uma bala me passava!!! Tinha que dar-le uma abênçoa no caçoiro! Mas havera mesmo era de lhe ter dado um enxugo. - Adiantou-se logo, embasocado, o Manel.
Ficaram depois calados sem ter o que dizer, mas com os olhos de esguelha um no outro.
O cair da tarde tinha esfriado e a Chica, aproveitando-se da coisa e encolhendo o xaile nos ombros, com muita graciosidade largou um espirrinho atrofiado:
- Jesus Marizéi, menina Chica! – Abençoou o Manel de imediato e logo aproveitou a deixa para a conversa - A menina, por certo nã s’enterou, mas hê-de dezer-lho eu: o Estino Estarola nã tem tacto nenhum, nasceu ralo, o coitado! Aquele alganaiso nem uns bornicos sabe estrapolar. E anda sempre por aí de ventas no ar c’as moças da aldeia. Além disso, nã é home com préstimo pr’o futuro. Nunca coalha vintém, aquilo é chapa batida chapa lembida.
- Ai Sr. Manele, que d’homes desses até tenho rescunho! Home qu’é home, pr’a mim, tem que ser de bravura e de boa cabeça e nã andar pr’aí com imposturices. Saiba o Sr. Manele que eu sou chita que nã debóta!
E aproximando-se do ouvido do Manel, rematou baixinho, num riso nervoso:
- E sabe doutra cousa que lhe conto? Também sou solta de pé e perna…
O Manel, tirando educadamente o chapéu da cabeça, avançou:
- Pois olhe menina Chica, eu cá sou lá de trás das estevas e nã tenho letras… Mas ouça o que lhe digo: vou brigar por si.
E a Chica, embosiada, muito corada…
- Ó Sr. Manele, veja lá não esteja pr’aí de mangação comigo… Ora agora é que vocemessê me partiu! O Sr. Manele diz que nã conhece letra do tamanho dum burro, mas odepois, mais parece um poeta!
E foi assim, pela hora do lusco-fusco, enquanto o Tónho Gaitinhas tocava a moda desses tempos que, sem dizer palavra e com muito jeito, o Manel das Ovelhas, pegou na mão da Chica do Brejo e os dois, nos olhos um do outro, tiveram aquela dança só para eles.
Agora sim, pensava o Ti Chumiço, seremoniando: “O mê Manele tá capaz doutra!”.
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