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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

A GRANDE GUERRA 1914-1918 NA IMPRENSA REGIONAL. O CASO DO DISTRITO DE BRAGANÇA

 ADÍLIA FERNANDES*
A Grande Guerra (1914-1918) centralizou a atenção da imprensa portuguesa, acentuando-se essa atenção a partir da declaração de guerra da Alemanha ao nosso país.
Os acontecimentos e as crónicas de fundo preencheram as publicações, influenciaram os leitores e envolveram-nos emotivamente, sobretudo quando as nossas tropas entraram no conflito. A guerra adquiriu um significado absoluto, quando se teve a perceção de que seria devastadora e que mudaria a mentalidade e o mapa europeus para sempre.
Os jornais publicados no distrito de Bragança, durante o período da I Guerra Mundial, eram os seguintes:

Correio de Mirandela (1905-1918)
A Pátria Nova (1908-1915)
A Verdade (1910-1914)
Notícias do Nordeste (1910-1917)
Distrito de Bragança (1911-1915)
O Mogadouro (1912-1914
Notícias de Bragança (1912-1917)
O Lavrador Transmontano (1913-1915)
Legionário Trasmontano (1914-1915)
O Transmontano (1915-1917)
Eco de Dona Chama (1915-1921)
A Instrução (1915-1916)
O Povo de Mirandela (1916-1918)
O Libelo – de curta duração

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* Investigadora do CITCEM.
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A análise que fizemos, a alguns destes jornais1, permitiu-nos apreender as suas posições quanto ao cenário da Grande Guerra e à intervenção portuguesa na mesma.
Sobre este aspeto, registou-se um parecer maioritariamente favorável, por prevalecerem jornais de orientação republicana, sabendo-se, embora, que as posições não-intervencionistas respeitavam tanto aos monárquicos como aos republicanos mais conservadores.
Os artigos sobre a guerra começaram a aparecer ainda antes de ter sido declarada.
O primeiro foi publicado pelo Notícias de Bragança, órgão do partido democrático republicano, na primeira página da edição de 19 de março de 1914. Este e outros que se lhe seguiram foram escritos por um colunista não identificado, com o título de «Carta de Lisboa». Fez a antevisão da guerra entre a Alemanha e a Rússia, com as previsíveis alianças dum lado e do outro, marcadas pelos objetivos económicos e coloniais das potências intervenientes. Apesar do conflito ter no seu epicentro o antagonismo de interesses dos russos, por um lado, e dos alemães, por outro, perspectivava o seu alastramento a toda a Europa, incluindo Portugal. Os tratados de aliança compeliriam, de imediato, a entrada em cena da França a favor da Rússia e da Itália e da Áustria do lado da Alemanha. A Inglaterra interviria no momento oportuno junto de quem lhe conviesse. Desde logo, não desejava a expansão alemã além duns certos limites e menos lhe agradava a invasão eslava que, segura na Europa, iria pelo Oriente até à Índia. O jornalista acrescentou que as nossas províncias de África e o Congo belga eram alvo de cobiça, daí, precisarmos de estar preparados para todas as eventualidades, isto é, investir no desenvolvimento económico e civilizador naquelas paragens, a fim de que a concorrência alemã e inglesa não exercessem sobre nós uma acção eliminatória.
Antevia-se, em agosto de 1914, um conflito de curta duração, com consequências pouco desastrosas, pelo menos para Portugal, que sofreria apenas, e muito atenuadas, as económicas2. Estas e outras conjeturas iam sendo contrariadas pela evolução dos acontecimentos, que a imprensa acompanhou passo a passo. A guerra não foi breve, tornou-se em poucos meses total e revelou-se devastadora, obrigando a que as cheias militares e os governos dos diferentes países beligerantes adotassem medidas para responderem à cruel realidade: sobreviver. Tratou-se de uma dupla e impossível adaptação: a uma situação material que evoluía sem cessar e a um desequilíbrio moral rapidamente instalado. São inúmeras as páginas dedicadas pelos periódicos às notícias da guerra, aos avanços e recuos das nações envolvidas, às batalhas, às perdas humanas.

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1 Recorreu-se, para a sua consulta, à Biblioteca Pública Municipal do Porto. O Arquivo Distrital de Bragança dispõe de uma vasta colecção mas é incompleta. Alguns dos títulos não tinham uma saída regular ou correspondiam, apenas, a folhas informativas sobre assuntos político-partidários ou religiosos, sobretudo, de índole local. Daí, apesar do seu número ser relativamente significativo, poucos são os que se dedicam ao tema da I Guerra Mundial.
2 A nossa situação, in «Notícias de Bragança», 13 de agosto de 1914, p. 1.
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Profundas discrepâncias de como Portugal deveria comportar-se face ao conflito, que se iniciou no final de Julho de 1914, terminaram com a certeza da nossa participação.
No Congresso da República, de 7 de Agosto desse ano, Bernardino Machado sustentou que Portugal deveria manter amizade com todos os países beligerantes, incluindo a Alemanha, mas, ao mesmo tempo, permanecer fiel à tradicional aliada, a Grã-Bretanha. Esta neutralidade conveniente colidia com a integridade do nosso património colonial, atacado pelos exércitos alemães nas zonas fronteiriças de Angola e Moçambique. A posição intervencionista reforçou-se.
Em outubro de 1914, A Pátria Nova assinalava que a situação internacional do país exigia a entrada na guerra, para além do imperativo dever de continuar ligado aos destinos do «poderoso povo britânico»3. Neste ponto, coincidia com o Notícias de Bragança que registou neste ano e mês:
Nós estamos longe do teatro da guerra, se pode dizer-se que há longes nesse mundo tão pequeno para tão grandes inventos. Nós somos estranhos às divergências, às rivalidades que determinam a explosão. Mas é duvidoso que nos deixem sossegados no nosso canto (…) tudo indica que teremos de entrar na refrega à trela da nossa poderosa aliada4.
O articulista, face a esta previsão, alertava para a temível calamidade que se avizinhava e que era, para além da perda da mocidade, a crise da economia, que arrastaria o desemprego, a carestia de vida, a fome, infalível para muitos e que traria desassossego, doenças, desordem, crime. Acentuou ser de angústia a hora que passava, não podendo, «sem arrepios de pavor», imaginar-se o dia de amanhã. No Legionário Transmontano, de 31 de dezembro de 1915, a primeira página foi ocupada com o preocupante artigo «O povo na miséria», que abriu com um trecho do doutrinador Alfredo Pimenta. Enumeraram-se iguais adversidades, alastradas pela sociedade dos grandes centros e da província. Em estado de guerra, este desequilíbrio instalava-se ou agravava-se, porém, as causas, segundo as suas palavras, entroncavam, também, na crise política.
O jornalista do Notícias de Bragança acreditava, contudo, que o governo tomaria as providências que lhe competissem e que atuaria, sem reserva, segundo o seu patriotismo, tomando-se «oportunamente severas contas se não souber cumprir o seu dever».
Ao lado do dever de fidelidade à velha aliança com a Inglaterra, suportava a defesa do envio dos nossos soldados para os campos de batalha, a necessidade de consolidar

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3 Portugal e a guerra, «A Pátria Nova», 4 de outubro de 1914, p. 1.
4 A Guerra, «Notícias de Bragança», 6 de agosto de 1914, p. 1.
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o regime republicano, implantado quatro anos antes do deflagrar da guerra. Combater os alemães, o outro lado beligerante que tecia armas contra a Inglaterra e os demais aliados, era expurgar o país de falsos patriotas «que alvejam pelo triunfo do imperialismo alemão como garantia segura da restauração monárquica em Portugal». O colunista admitiu que ao falar-se de mobilização se reacenderam antigas pretensões monárquicas. Se em momentos passados, em que não estava comprometida a nossa existência por acontecimentos internacionais, o crime político tinha importância secundária, agora, a repetição de tal facto seria a expressão mais abjecta e uma ignóbil traição à integridade da Pátria5.
Um texto da autoria de António José de Almeida, intitulado «A hora grande vai chegar», publicado pelo jornal República e transcrito em A Pátria Nova, referia-se aos alemães como povo culto, mas que praticavam a tirania, a opressão, o crime e a infâmia. Pelo contrário, a Rússia, autocrática e ignorante, representava a justiça e o direito. Neste contexto, convocava os valores da civilização, como a humanidade e a liberdade, que só os aliados, pela vitória, podiam assegurar. Ao seu lado estaria Portugal, que beneficiaria do proveito material e respeito moral6.
Como exemplo de oposição à intervenção do país, surgiu, em outubro de 1914, um artigo de Francisco Manuel Alves, mais conhecido por Abade de Baçal, notável figura do panorama cultural e histórico da região. Colaborador dos diversos periódicos, foi em O Legionário Trasmontano, jornal de orientação clerical, que publicou a sua reflexão sobre este assunto, com o título «Entrar na Guerra?!».
Sublinhava que a participação de Portugal no conflito seria um crime, porque o país não dispunha de forças armadas, nem de armamento ou munições, fruto das crises financeiras que se repercutiam, especialmente, nas precárias condições de vida da população, pobre e analfabeta, enfraquecida pela emigração. A aliança com a Inglaterra também não a justificava, arriscando-se Portugal ao abandono e ao desdém a que este país, ao longo da História, o votara, como aquando do Ultimatum ou da Convenção de Sintra. Neste momento, essa aliança poderia redundar na perda das colónias. Na História fundamentou outras razões: Alcácer-Quibir ou a Guerra Peninsular, que traduziam morticínio, devastação, caos, que, de todo, dever-se-ia evitar que se repetissem. Remeteu para os franceses inauditas barbáries contra as gentes portuguesas, concluindo que uns e outros, «de execranda recordação», eram os «fieis espoliadores que tentam levar-nos no abysmo, fazendo crer que a Pátria corre perigo mantendo-se neutral». Referiu-se, ainda, ao interesse das nações beligerantes poderosas e desenvolvidas sobre as mais débeis, nomeadamente, na voracidade das suas matérias-primas e ao desejo destas obterem vantagens participando.

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5 Portugal e a guerra, «A Pátria Nova», 4 de outubro de 1914, p. 1.
6 A hora grande vai chegar, «A Pátria Nova», 18 de outubro de 1914, p. 1.
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O argumento da defesa da civilização latina, aduzido a favor da participação do país na contenda, foi igualmente refutado pelo Abade de Baçal. A atmosfera de ódio germânico estendia-se a este campo, esquecendo-se, nas suas palavras, o contributo alemão para os vários ramos da ciência em Portugal, nomeadamente, para o progresso dos estudos arqueológicos, históricos ou geográficos e para a valorização do património pictórico (com D. Fernando, marido de D. Maria II).
Assumiu-se devedor da Alemanha, por pertencer a corporações que, culturalmente, muito lhe deviam.
«Entrar na Guerra?… que demencia ó mentores portugueses, vos tomou?!», pergunta.
Este artigo corresponde ao primeiro dos quatro manuscritos do Abade de Baçal sobre o mesmo tema, igual título e finalidade. Num deles, numa anotação de 1923, registou que após a publicação do primeiro, houve alguns «patrioteiros» que queriam que fosse fuzilado atrás do forte da cavalaria de Bragança.
O Trasmontano, órgão do partido evolucionista no distrito de Bragança, registou, sob o título «Pressentimentos», na primeira página da edição de 24 de outubro de 1914, ter-se chegado a um dos momentos mais críticos da nossa existência coletiva, impondo-se a necessidade de congregar esforços e a boa vontade comuns para se conjurarem os perigos, conjugados com uma propaganda inteligente e ininterrupta.
Na mesma página, designado de «Preparação para a guerra», um outro texto informou que decorria a preparação militar para a guerra e se tentava comprar material bélico com esse objetivo, facto que não estava em consonância com o estado depauperado das finanças. Colocava em dúvida a urgência da necessidade desse material, cuja aquisição, insistia, agravaria o «pavoroso» desequilíbrio financeiro. Só poderia justificar-se pelo receio de qualquer agressão «dos nossos visinhos levados a isso pelas manobras germânicas», estendendo à península os horrores que assolavam a Europa inteira. E pergunta; «Será assim?! … Não o sabemos».
No ano seguinte, as dúvidas estavam dissipadas.
Agora já ninguém pode ter ilusões. Caminhamos a largos passos para o começo de uma aventura, cujas consequências podem ser tremendas (…). Enormes erros acumulados e agravados pelos governos que ultimamente temos tido, incapacitaram qualquer tentativa honesta e patriótica que ainda se fizesse para arripiar caminho e desviar-nos do temeroso conflito. E já não é possível deter a marcha dos acontecimentos (…). Vamos ter participação na guerra europeia7.

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7 Hora grave, «Legionário Trasmontano», 18 de novembro de 1915, p. 1.
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O autor deste artigo acusava a Inglaterra de nos conduzir para a guerra no momento em que já não vislumbrava a vitória, de exigir milhares dos nossos soldados, mesmo desarmados, para irem para o Oriente, com a promessa que ali teriam munições e armamento. A nossa intervenção não ia alterar o resultado final, os militares partiam sem preparação militar e tarde demais. Portugal, na sua opinião, deveria ter-se mantido neutral, só cedendo à Inglaterra aquilo a que nos obrigava a letra dos tratados de aliança. Os interesses nacionais impunham que nos tivéssemos alheado de sentimentalismos e sectarismos. A Espanha deveria ter sido o nosso exemplo, por manter a neutralidade, justificando-se uma aliança com este país como forma de garantirmos a independência territorial. Futurava uma convenção de paz humilhante para os aliados e vantajosa para a Alemanha.
Em «Situação definida», o Notícias de Bragança, em 15 de janeiro de 1916, deu a conhecer que todos os jornais de Lisboa e do Porto registaram a notícia que constava do telegrama que também publicou. Enviado de Londres, informava que o Times, em artigo de fundo, declarava que nenhum país, de todos os que permaneciam fora do conflito, se revelara tão cordial e espontaneamente em favor dos aliados como Portugal.
Uma interferência tinha sido proposta por Bernardino Machado, concretamente, através do envio de um corpo expedicionário para a Flandres, que só não se concretizou pelas vantagens que advinham, para a causa comum, evitar-se o rompimento das nossas relações com a Alemanha. Considerava que o zelo do governo honrara Portugal. O colunista alertava para a possibilidade de sermos chamados a intervir, caso a guerra se prolongasse. O governo foi de novo aplaudido, no dia 2 março de 1916, pelo ato, legal e juridicamente fundamentado, da requisição dos navios alemães ancorados nos nossos portos. Ainda sem represálias por parte da Alemanha, o Notícias de Bragança desvalorizava os receios de uma guerra iminente por aqueles que a tal ato se tinham oposto, isto é, «Não se arrasou o mundo»8.
No final deste mês, o Legionário Trasmontano publicou o artigo «Portugal em Estado de Guerra», anunciando que a Pátria estava diretamente envolvida no grande conflito que assolava a Europa nos dois últimos e «longos» anos.
O perigo que a Alemanha representava para Portugal centralizou as reflexões expostas na rubrica intitulada «Porque é que Portugal entrou na guerra», editado pelo Notícias de Bragança, em fevereiro de 1917:

A guerra actual não é daquelas em que estão apenas envolvidos os interesses de alguns povos e aos quais os nossos sejam estranhos. Não é uma guerra entre a Alemanha e a França, ou entre a Alemanha e a Inglaterra, a Rússia, a Itália. É a guerra da Alemanha ao sentimento de independência de todos os povos da Europa. (…) Entre os países mais

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8 Um rasgo governativo, in «Notícias de Bragança», 2 de março de 1916, p. 1.
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ameaçados pela Alemanha está Portugal. Se fôssemos seus vizinhos já não existiríamos. (…) Se ela conseguisse triunfar da coligação que se opõe aos seus desígnios, estávamos perdidos. Portugal acabaria, sob todas as formas, como nação independente e como nação colonial. Era o nosso m9.

Neste ano, o mesmo jornal informava que os alemães entregaram os prisioneiros portugueses em Moçambique. Registaram-se os nomes de todos e a respetiva patente militar.
Na cidade Bragança estavam estacionados os Regimentos de Infantaria 10 e 30.
A proteção dos nossos territórios em África, obrigou a que, em 31 de janeiro de 1915, a 2.ª Bateria do 6.º Grupo de Metralhadoras partisse de Bragança com destino a Angola, como noticia A Pátria Nova, na edição desse dia.
As sucessivas saídas dos militares para as frentes de batalha foram acompanhadas por vivas manifestações populares de apoio e de orgulho. O artigo intitulado «A partida das Metralhadoras – O povo de Bragança vitoria, entusiástica e carinhosamente os primeiros soldados que partiam para Tancos», dirigindo-se, depois, para a França, para cumprirem a ordem de mobilização já decretada pelo governo, deu disso conta na edição do dia 8 de junho de 1916 do Trasmontano. A multidão aglomerou-se em frente ao quartel e, seguindo-os até à gare, gritava «em delírio» vivas a Portugal, à Pátria, à República e ao exército. Ouviram-se breves mas patrióticas palavras de despedida, proferidas por chefes militares. Entre a multidão, viam-se algumas senhoras que entregavam, a cada soldado, dez escudos e oitenta centavos para as primeiras despesas de tabaco e atiravam com flores para o comboio que os levava. Em fevereiro de 1917, o Batalhão de Infantaria 30 teve, como destino, a África Oriental, onde combateria ao lado dos exércitos anglo-belga-portugueses, incumbidos da defesa dos territórios coloniais e que combatiam «os últimos restos das forças alemãs».
Narrou-se o espetáculo grandioso da partida, pela galhardia, entusiasmo e alegria «com que êsses rapazes do povo, na sua maioria arrancados à labuta pacífica e sadia dos campos, partiram para o teatro da guerra».
Esta expressão popular de apoio pode reportar-se aos múltiplos textos publicados a favor da entrada do país no conflito, integrando as razões que lhe subjazem. Na realidade, os articulistas, 

[…] que contraíram o pesado encargo de pleitar na imprensa as questões de interesse público, estão constituídos na obrigação de dizerem toda a verdade, e influírem sobre a opinião por forma a esclarecê-la e ilustrá-la conforme os mais sagrados interesses nacionais10.

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9 «Notícias de Bragança», 1 de fevereiro de 1917, p. 1.
10 Portugal e a guerra, «A Pátria Nova», 4 de Outubro de 1914, p. 1.
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A informação aparecia filtrada pela censura, conduta que originou muitos cortes, traduzidos nas colunas em branco que atravessam os periódicos. Constituiu a matéria tratada em artigo com o mesmo nome, em O Transmontano de 16 de julho de 1916, ano da instituição do regime de censura prévia pelo governo. Embora abolida no ano seguinte com Sidónio Pais, não trouxe o regresso à liberdade de imprensa. Os jornais intervencionistas denunciavam uma vigilância mais branda, não descurando-se, em todo o caso, a salvaguarda da opinião pública de perfilar ideias não desejáveis, objetivo a que se associava a propaganda.
Criticava-se em «A Censura» a sua ação que, por excesso ou por defeito, não correspondia às exigências da difícil situação que perturbava a vida coletiva, merecendo a desaprovação dos que «com toda a imparcialidade (…) apreciam aos acontecimentos que se vão desenrolando». Mesmo condenando-se toda a limitação à liberdade de pensamento, entendia-se que as circunstâncias excecionais legitimavam-na e que, suprimi-la, seria uma imprudente medida. Aprovava-se o extremo radicalismo, em política e religião, com que a França conduzia este assunto, justificado pela ideia de salvação e engrandecimento da Pátria, pondo de lado toda a questão partidária. Em Portugal, não se subordinavam os interesses de partido ou seita aos interesses nacionais, como acontecia com a imprensa monárquica, acusada de germanófila, e com aquela que «dizendo-se representante dos ideais mais progressivos (…) com ela colabora na mesma obra de traição». O jornalista concluía que a imprensa deveria adotar medidas mais enérgicas e, mesmo, suprimir alguns jornais, evitando-se o risco de prejudicar-se a obra de defesa que o governo tinha obrigação de realizar.
No artigo «A República e os mobilizados – Um aviso que todos devem conhecer», publicado na edição de 19 de outubro de 1916 do Notícias de Bragança, na primeira página, são dadas a conhecer as subvenções e abonos que as famílias dos militares mobilizados na guerra iriam receber. A informação conclui com a seguinte nota retirada do jornal O Mundo: «A Republica demonstra assim que se preocupa com os mobilizados, que não os abandona um só momento, nem abandona as suas famílias. Frize-se bem o facto com orgulho, embora isso faça morder de raiva os maus patriotas».
O Legionário Transmontano, de orientação clerical, patenteou o problema dos capelães em várias edições como uma questão prioritária. A edição de 15 de janeiro de 1915, ainda antes da nossa participação na guerra, embora tida já como certa, defendia, num artigo de primeira página com grande destaque, intitulado «Capelães no exército» e sub-título, «As mães portuguesas reclamam-no num manifesto», a presença de capelães no exército. Publicou, de seguida, o ofício do cardeal patriarca de Lisboa dirigido ao presidente da República, com igual intenção. Lê-se que um largo movimento de opinião pretendia apresentar aos poderes públicos «a necessidade iniludível de fazer acompanhar por sacerdotes católicos os efectivos militares, que de futuro hajam de partir para a guerra, adoptando-se a mesma providência para os que se encontram já no campo das operações. O soldado português é católico, Senhor Presidente!11».
Tal procedimento seria um estímulo para os nossos soldados e um apoio consolador nos «desfalecimentos», e não adotar-se retiraria a Portugal a categoria e a reputação de país civilizado. No dia 30 de novembro de 1915, o governo autorizou que fosse prestado auxílio religioso aos militares.
A referência às mulheres surgiu apenas no sub-título, contudo, em outros momentos o periódico invoca, em apelos emotivos, os inúmeros contributos das mães, irmãs, mulheres e namoradas dos que partiam, concretamente, sacricando os afectos aos sagrados interesses da Pátria12. O mesmo tom repete-se em diversos jornais, sempre que o feminino é chamado para o terreno da guerra.
A moral constituiu uma das armas mais importantes desta contenda desde o seu deflagrar. Era sustentada por políticas pragmáticas e pela censura, que «a situação anormal (…) os supremos interesses da Pátria (…) a acção governativa»13 exigiam.
No seu conjunto, deram signicado à guerra, significado inicialmente similar em todas as partes: honra, dever e patriotismo, ou, apenas, defesa do país.
A moral trazia a unidade, esta impulsionava o sentido da causa comum. Com este teor, Guerra Junqueiro, outro nome transmontano que se destacou, principalmente, como escritor e poeta, deixou-nos, em O Trasmontano, de 23 de fevereiro de 1917, na primeira página, a rubrica «Aos soldados que partem». Os louvores que dirigia ao patriotismo dos militares assentavam na responsabilidade que lhes atribuía, a de serem «neste momento», a «honra da Pátria», «a alma heróica da Nação», levando consigo o passado, o presente e o futuro de Portugal. Com o sub-título «Aos portugueses que ficam», Guerra Junqueiro pedia que cuidassem dos que partiam, e que os tomassem como exemplo e modelo. Redigiu uma oração para todos rezarem, caindo sobre os que o não fizessem, «inexoravelmente, um
labéu eterno!»:

Pátria divina de Camões e de Nun´Álvares, santificado seja o vosso nome. Venha a nós o vosso valor e a vossa glória. Seja feita a vossa vontade em nossas almas. Dai-nos em cada dia o pão imortal da vossa esperança, e perdoai, Senhora, os nossos erros. Para nos libertar de toda a fraqueza e de todo o crime, encheremos os corações do vosso amor. Amen.

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11 Idem.
12 «A Pátria Nova», 4 de Outubro de 1914, p. 1.
13 A Censura, «O Trasmontano», 16 de Julho de 1916, p. 1.
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O Correio de Mirandela fez a primeira referência à guerra na edição de 1 de dezembro de 1918, num comentário na primeira página a que deu o título «A Paz».
Limitou-se a assinalar e a prestar homenagem aos governantes portugueses que conduziram Portugal para a guerra:
Nesta hora em que todos os Povos se abraçam por cima das fronteiras, acamando a vitória dos aliados, que é a vitória da Liberdade, saudemos nós, portugueses, os nossos gloriosos estadistas – que defenderam a nossa intervenção na guerra – e levaram à França o heroísmo do nosso soldado.

FONTES
A Pátria Nova, 4 de outubro de 1914.
A Pátria Nova, 18 de outubro de 1914.
Notícias de Bragança, 1 de fevereiro de 1917.
Notícias de Bragança, 2 de março de 1916.
Notícias de Bragança, 6 de agosto de 1914.
Notícias de Bragança, 13 de agosto de 1914.
O Trasmontano, 16 de janeiro de 1916.
O Trasmontano, de 23 de fevereiro de 1917.
O Trasmontano, 16 de julho de 1916.

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