It takes two to tango (são precisos dois para dançar o tango), diz um conhecido prolóquio inglês. Parafraseando, diz-se em português que para teimar são precisos (pelo menos) dois. É certo. Ninguém teima consigo mesmo.
Mas as coisas podem não ser assim tão simples. Se virmos com olhos de ver, as teimosias não são todas iguais. Há, no mínimo, duas qualidades de teimosia. Chamemos-lhe, à falta de melhor, teimosia saudável a uma e teimosia viciosa à outra.
A primeira decorre de uma discordância genuína, que não se conforma com o que outrem afirma. Um exemplo? De dois cientistas que esgrimem pontos de vista diferentes pode dizer-se que teimam saudavelmente.
A segunda decorre do gosto de não estar de acordo. É a teimosia do teimar porque sim, que não se estriba na razão, mas no espírito de contradição. As duas contas que se seguem retratam obviamente este segundo tipo de teimosia, que se sugere como sendo próprio do género feminino. De facto, quem teima em qualquer das contas é uma mulher. São estas contas uma espécie de oaristo inamistoso.
As duas contas estão cheias de humor truculento, forma que assumem muito frequentemente no Nordeste. Numa, a mulher teimosa prefere morrer a perder o vezo de insultar o marido. Na outra, não é a morte o desfecho, mas sim o espancamento anual da teimosa sempre pelo mesmo motivo.
Diz-se que uma vez uma mulher deu em chamar piolho ao marido. O marido não gostava nada da nomeada e proibiu-a de lhe chamar tal coisa. Mas ela não fazia caso e, quando lhe dava na gana, chamava-lho.
Tanto fazia ao homem ralhar como bater.
‒ Piolho!
Até que, desesperado, resolveu afogar a mulher no poço. Prendeu-lhe uma pedra ao pé, para ir mais depressa ao fundo. Mas, antes de a deitar a afogar, sempre lhe quis dar uma última oportunidade:
‒ Tornas a chamar-me piolho?
E ela:
‒ Piolho!
O homem não teve outro remédio senão lançá-la ao poço. Mas a mulher era de tal raça que já mesmo debaixo de água, impossibilitada pois de falar, ainda deitou as mãos de fora e esfregou as unhas dos polegares uma na outra, no gesto bem conhecido de quem esmaga entre elas um piolho!
A segunda conta é a respeito de uma mulher teimosa de notável contumácia. Vem estampada no Vol. IX, página 649, das já citadas Memórias histórico-arqueológicas [...] do distrito de Bragança, do Abade de Baçal e é aqui reproduzida fielmente. O Abade chama a estas contas lenda, mas na verdade não parece ajeitar-se muito aos moldes daquilo que vulgarmente se chama lenda, ou seja, uma narrativa com certo lastro histórico. Aqui o que há é pura invenção. E bem engraçada, como verão.
Mas as coisas podem não ser assim tão simples. Se virmos com olhos de ver, as teimosias não são todas iguais. Há, no mínimo, duas qualidades de teimosia. Chamemos-lhe, à falta de melhor, teimosia saudável a uma e teimosia viciosa à outra.
A primeira decorre de uma discordância genuína, que não se conforma com o que outrem afirma. Um exemplo? De dois cientistas que esgrimem pontos de vista diferentes pode dizer-se que teimam saudavelmente.
A segunda decorre do gosto de não estar de acordo. É a teimosia do teimar porque sim, que não se estriba na razão, mas no espírito de contradição. As duas contas que se seguem retratam obviamente este segundo tipo de teimosia, que se sugere como sendo próprio do género feminino. De facto, quem teima em qualquer das contas é uma mulher. São estas contas uma espécie de oaristo inamistoso.
As duas contas estão cheias de humor truculento, forma que assumem muito frequentemente no Nordeste. Numa, a mulher teimosa prefere morrer a perder o vezo de insultar o marido. Na outra, não é a morte o desfecho, mas sim o espancamento anual da teimosa sempre pelo mesmo motivo.
Diz-se que uma vez uma mulher deu em chamar piolho ao marido. O marido não gostava nada da nomeada e proibiu-a de lhe chamar tal coisa. Mas ela não fazia caso e, quando lhe dava na gana, chamava-lho.
Tanto fazia ao homem ralhar como bater.
‒ Piolho!
Até que, desesperado, resolveu afogar a mulher no poço. Prendeu-lhe uma pedra ao pé, para ir mais depressa ao fundo. Mas, antes de a deitar a afogar, sempre lhe quis dar uma última oportunidade:
‒ Tornas a chamar-me piolho?
E ela:
‒ Piolho!
O homem não teve outro remédio senão lançá-la ao poço. Mas a mulher era de tal raça que já mesmo debaixo de água, impossibilitada pois de falar, ainda deitou as mãos de fora e esfregou as unhas dos polegares uma na outra, no gesto bem conhecido de quem esmaga entre elas um piolho!
A segunda conta é a respeito de uma mulher teimosa de notável contumácia. Vem estampada no Vol. IX, página 649, das já citadas Memórias histórico-arqueológicas [...] do distrito de Bragança, do Abade de Baçal e é aqui reproduzida fielmente. O Abade chama a estas contas lenda, mas na verdade não parece ajeitar-se muito aos moldes daquilo que vulgarmente se chama lenda, ou seja, uma narrativa com certo lastro histórico. Aqui o que há é pura invenção. E bem engraçada, como verão.
Ei-la:
«Corre em terras bragançanas, a lenda de um caçador dizer à mulher, no regresso a casa, em dia de entrudo: pega, só consegui matar este tordo. Entrecozes para a calda da sopa e refuga-o [sic] depois, para cearmos. A esposa, vendo a ave, disse-lhe: é tordelo e não tordo. Disso, observou-lhe o marido, sei eu mais com os olhos fechados, do que tu com eles abertos. É tordo, sem dúvida nenhuma. Enganas-te, volveu-lhe ela, é tordelo e tanto teimava no caso, que o cônjuge, perdendo a paciência, tundiu deveras a impertinente.
No entrudo do ano seguinte a mulher, aludindo ao caso, disse para o marido: faz hoje um ano, que injustamente me deste uma capilota, por causa do tordelo. A culpa foi tua, por estares a teimar naquilo que não conhecias. Conhecia tal, melhor que tu, regougou-lhe abespinhada; tordelo sem dúvida nenhuma é que ele era. E, de insistência em insistência, [o marido] voltou a aplicar-lhe o argumento baculino do tira-teimas.
Isto não obstante, a mulher todos os anos, reavivava pelo entrudo a memória do funesto aniversário, provocando assim discussões terminadas sempre por nova tareia.»
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