Em 1214, veio o patriarca S. Francisco de Itália à Espanha, entrando pela Navarra, e visitou o templo de Santiago, na Galiza, havendo seis ou cinco anos que fundara a ordem religiosa do seu nome.
O padre Gonzaga, em sua Chronica Geral, e com ele Alonso Lopes de Haro, em seu Nobiliario, dizem que no regresso do santo à Itália passara por Bragança e fundara o convento que esta ordem teve nessa cidade, como referia uma antiga e constantíssima tradição de todo aquele distrito.
De maneira que não há outra prova, para atribuir a fundação do convento de S. Francisco de Bragança ao próprio patriarca da ordem, mais do que a tradição referida pelos escritores acima que viveram quatrocentos anos depois do facto, espaço longo demais para ela nos oferecer sérios motivos de credibilidade, atenta a deficiência dos processos de crítica histórica, então dominantes.
Demais, o santo devia levar pressa e não poderia estar-se a prender com fundações, porque, estando em oração no templo de Santiago, foi-lhe revelada, diz Cornejo, que a sua presença em Itália era urgentemente necessária para coisas que muito faziam aos seus intentos (426); e efectivamente já lá estava a 17 de Novembro de 1215 (427).
Além disto, o santo ia doente(428), e por isso pouco disposto a estar com as delongas próprias de uma fundação e numa terra tão distante do seu centro de acção, a Itália,
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(426) CORNEJO, Damian, Fray, Obispo de la Santa Iglesia Catedral de Orense – Chronica Seraphica. Madrid, 1698, parte I, p. 39.
(427) Ibidem e SANTIAGO, Francisco de, Frei – Crónica de Santa Província de Nossa Senhora da Soledade. Lisboa, 1762, parte I, livro I, cap. I.
(428) CORNEJO, Damian, Fray – Chronica Seraphica, p. 39.
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quando a sua regra estava apenas aprovada rivae vocis oraculo e só o foi solenemente no Concílio de Latrão, a 17 Novembro de 1215, sendo esta a principal razão que o levava a chegar brevemente àquela nação (429).
Acresce que Bragança, em 1214, devia estar pouco povoada, tendo apenas vinte e sete anos de existência, pois tantos decorrem desde a sua fundação em 1187 por D. Sancho I, e, nas vizinhanças dos beneditinos de Castro de Avelãs, mosteiro poderoso que ensombrava absorventemente a região bragançana, antes cuidaria em fortificar a cidadela, primeira necessidade para a vida daquele tempo e mesmo obrigação moral resultante do seu foral do que no estabelecimento de casas religiosas, embora de pouca monta como então eram os franciscanos.
Devemos notar também que Bragança, povoada, a modo de Roma, por escravos, judeus, adúlteros, assassinos e outros criminosos, sem dúvida atraídos pelas garantias outorgadas no foral de D. Sancho, não seria a terra melhor preparada para receber carinhosamente uma ordem religiosa.
A estes considerandos ajuntaremos a opinião do cronista Frei Lucas (430), que nega haver S. Francisco lançado as bases ao convento franciscano de Bragança. Igual opinião tem Monforte (431) e outros, sendo que muitas crónicas monásticas, como as de Waddingo, Cornejo, Reiffenstuel, Onufrio, Frei Marcos de Lisboa, o Breviário Seráfico e outros, não mencionam a estada de S. Francisco em Bragança.
Certamente esta omissão é de pouco peso como critério histórico; no entanto, em face do exposto, algo deve valer.
Desnecessário será advertir que, quando damos Bragança fundada em 1187, pretendemos significar apenas o seu ressurgimento para povoado de importância e não a sua fundação propriamente dita que, como já dissemos, é muito mais antiga.
Entre os escritores que dão como certa a estada de S. Francisco em Bragança e a fundação por ele do convento avulta Cardoso (432), que escreveu a sua obra em 1652-1666; Esperança(433), em 1656; Francisco de Santa Maria (434), em 1744; Castro (435)
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(429) CORNEJO, Damian, Fray, e SANTIAGO, Francisco de, Frei, crónicas e lugares citados.
(430) Frei Lucas Wadding, citado em ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica da Ordem dos Frades Menores de S. Francisco na província de Portugal. Porto, 1656, livro I, caps. I, II e III.
(431) MONFORTE, Manuel de, Frei – Crónica da Província da Piedade, livro III, cap. XVI.
(432) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 21 de Junho; e tomo I, «Advertências», p. 21.
(433) ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica, livro I, cap. III.
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e Carvalho da Costa (436); em 1706. Este, reservando o seu juízo, escreveu: «tem (Bragança) um convento de S. Francisco da Regular Observancia, que dizem ser fundação do mesmo santo, que com a sua presença honrou pessoalmente esta cidade, e nas condições que ajustou com os vereadores d’ella para a erecção d’este convento, dizem que com sua propria mão assignou o santo, e que seu signal se guarda com veneração no archivo da camara da dita cidade».
Estes «dizem» de Carvalho da Costa são muito expressivos e traduzem indubitavelmente as dúvidas latentes na mente do corógrafo.
Pinho Leal (437), em 1873, seguiu Carvalho da Costa no seu «dizem» relativamente à fundação deste convento, e a ambos João Maria Baptista (438), julgando carecer de fundamento a notícia de se conservar na câmara o auto assinado pelo santo. Na verdade, Viterbo, que nele tanto vasculhou, nem mesmo algum outro escritor o encontraram.
No entanto, este convento é muito antigo. No testamento de D. Afonso III, feito em 22 de Novembro de 1271, aparece a verba de cinquenta libras para os frades menores de Bragança «fritribus minoribus de Bregancia» (439). É esta a data mais antiga que temos para assinar positivamente à ordem franciscana da nossa cidade.
Mas sigamos a História Seráfica (440). Foi fundador e primeiro guardião do convento de S. Francisco de Bragança, dando para ele a traça o próprio patriarca, um companheiro que este trouxe de Santiago, na volta da sua peregrinação por Bragança e do qual se ignora o nome e, mais ainda, a vida, sendo até incerto o local da sua sepultura, pois as diligências que para a procurar fez a 2 de Fevereiro de 1646 (e não 1656 como traz Lopo(441)), na parede da igreja entre a porta da sacristia e o púlpito, onde a tradição a localizava, evidenciaram apenas a existência do sujeito em cuja campa se lia este epitáfio:
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(434) SANTA MARIA, Francisco de – Ano Histórico, vol. III, p. 131.
(435) CASTRO, João Baptista de – Mapa de Portugal. 2.ª edição. Lisboa, 1762, tomo II, p. 104.
(436) COSTA, António Carvalho da – Corografia Portuguesa, tomo I, p. 496.
(437) LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, artigo «Bragança».
(438) BAPTISTA, João Maria – Corografia Moderna do Reino de Portugal.
(439) SOUSA, António Caetano de, Livro I das Provas da História Genealógica da Casa Real Portugesa, prova 50.ª. AMADO, José de Sousa – História da Igreja Católica em Portugal, tomo IV, p. 185 e 186.
(440) ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica, livro I, caps. III e seguintes.
(441) LOPO, Albino – Bragança e Bemquerença, p. 30.
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AQUI JAZ D. JOSEPH, ABBADE DE
CASTRO ROUPEL, CONIGO DA SÉ DE BRAGA
Roupel, e não Rupel como traz Lopo, é o que aponta a Historia Seraphica que vamos seguindo. A sepultura deste abade estava encerrada num arco de pedra metido na parede da igreja.
É certo que o autor menciona o aparecimento de uns ossos noutro sepulcro encabado na parede imediatamente inferior ao do abade, alvos de neve exalando tal fragrância e suavidade de cheiro «que pareceu que ardiam muitos pivetes e caçoulas», não faltando logo quem publicasse ter recebido curas miraculosas pelo seu contacto externo ou mesmo interno, como as freiras de Santa Clara que os ingeriam por meio da bebida desfeitos em pó; mas tudo isto, podendo depor muito sobre os méritos do sepultado, é nulo pelo que respeita ao seu nome e biografia, e mesmo nos parece chocha e ridícula a lenda milagreira arquitectada da História Seráfica sobre tal achado e idênticos em que as crónicas monásticas são férteis.
O terreno para a fundação do convento foi dado espontaneamente por um membro da ilustre família Morais, cujo nome se ignora, diz a História Seráfica que vamos seguindo.
Estes Morais eram nobres e tinham o seu solar na povoação deste nome no concelho de Macedo de Cavaleiros (442).
No local onde se estabeleceu o convento havia uma capela dedicada a Santa Catarina que ficou servindo de igreja aos frades e depois «encorporada na casa se transformou em capella do capitulo e n’ella por memoria da santidade primeira tiveram os seculares muitos annos confraria em louvor da Cruz de Christo».
O convento foi feito à custa das rendas públicas da cidade e esmolas particulares.
Além de D. Afonso III, já mencionado, também a rainha Santa Isabel, mulher de D. Dinis, «teve sempre especial devoção (com este convento) por ser elle o primeiro em que entrou n’este reino quando vinha de Aragão e deu novo ser á egreja reparando juntamente todos os mais edificios. Assim o testemunhavam no fôrro da capella-mór, a qual era obra sua, os retratos d’ella e seu marido antes de uma ruina com que ficaram enterrados. Mas depois o tomou á sua conta a Casa de Bragança accumulando a este cada dia novos favores» (443).
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(442) SANCHES DE BAENA – Arquivo Heráldico-Genealógico.
(443) ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica, livro I, cap. IV, p. 50. SANTA MARIA, Agostinho – Santuário Mariano, tomo V, p. 612.
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A passagem de Santa Isabel por Bragança foi a 1282 (444).
Outro benfeitor deste convento foi o dr. Pascoal de Frias, abade de Carrazedo, que fez a casa da livraria e na igreja uma capela de morgadio a 8 de Dezembro de 1620, dedicada à Imaculada Conceição da Virgem, ao lado direito da capela-mor, abrindo para isso um arco na parede «obra grande... assim na magestade como no raro concerto com que a deixou ornada de muitos quadros, relíquias e lâminas que trouxe de Roma.
Aqui está uma cruz feita de ébano, pouco maior que um palmo, na qual se vê representada toda a vida de Christo em figuras de relêvo, tão subtis e tão miudas que a vista mais aguda não lhes póde dar alcance e por grande maravilha a veem vêr de muito longe» (445).
Aos pés do altar desta capela jaz o seu fundador debaixo de uma lápide com esta legenda:
HIC JACET MORTUUS, QUI SPERAT SEMPER VIVERE
e a seguinte tenção em volta do arco da capela:
IN NIDULO MEO MORIAR, ET SICUT PHÆNIX MULTIPLICABO DIES(446)
Frias deixou à livraria mais de setecentos volumes e de renda anual ao convento duzentos alqueires de trigo, quatro almudes de azeite, três mil réis para cera e quatro para a fábrica da Igreja (447).
Este convento, em razão da sua separação dos outros, pertenceu a diversas custódias e províncias, duas divisões introduzidas para significar maiores ou menores agrupamentos de conventos na obediência de superiores chamados custódios, e ministros provinciais, cuja autoridade responde pouco mais ou menos à dos vigários gerais de uma região relativamente aos párocos, e de uns e outros em referência aos bispos aos quais de alguma maneira se assemelhavam em jurisdição os ministros provinciais.
Pertenceu inicialmente à custódia de Portugal, fundada em 1219. Em 1272, dividindo-se Portugal em duas custódias e por este convento ficar deslocado, passou para a de Galiza (448).
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(444) PINA, Ruy de – Crónica del Rei D. Dinis, cap. II.
(445) ESPERANÇA, Manuel da, Fr. – História Seráfica, lugar citado.
(446) Ibidem, cap. XIX.
(447) BORGES – Descrição Topográfica.
(448) ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica, vol. I, livro V, cap. XLV, e livro I, lugares citados.
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Em 1330 pertencia à custódia de Zamora, em Espanha. Em 1380 fazia parte da de Coimbra, em Portugal.
Por último, organizando-se a província de Portugal, composta de todos os conventos franciscanos desta nação, foi encorporado nela. E em 1568 passou a ser de frades observantes, tendo sido até ali de conventuais, duas famílias a que, em 1517, no Capítulo Generalíssimo de Aracoeli (Roma), se reduziu toda a ordem franciscana (449).
Havendo o Papa Benedito XII cometido aos priores-mores de Santa Cruz de Coimbra e de Santo Isidoro de Leão, em Espanha, a reforma dos cónegos regulares das igrejas catedrais da península, convocaram capítulo para o convento de S. Francisco de Bragança, por ficar mais central a uma e outra nação, e nele se reuniram em 1340 os vogais das diversas corporações de cónegos regrantes pertencentes a um e outro reino. Devia ser imponente este congresso.
Era então prior-mor de Santa Cruz de Coimbra D. Francisco Pires de Azevedo, varão notável pelas letras e virtude(450).
Também em 1394 o Papa Bonifácio IX nomeou comissário apostólico um guardião deste convento afim de dirimir certas contendas (451).
Pelas 11 horas da noite do dia 14 de Julho de 1728, rompeu violento incêndio neste convento e «abrazou todo o dormitorio refeitorio e oficinas onde estavam os mantimentos e roupas», e a não ser a prontidão com que trabalharam na sua extinção, arderia também a igreja e sacristia que por muito tempo ficou servindo de dormitório a alguns religiosos (452).
Foi depois reconstruído em 1800, como aponta Baptista (453), ou ainda antes, segundo Lopo (454). Mas o facto de D.Maria I fazer mercê aos religiosos deste convento da cadeira de Filosofia e de outra de ler e escrever em 1779 (455), nada prova relativamente à sua reconstrução, pois o incêndio não o tornou inabitável.
Em 3 de Outubro de 1550, o dr. Francisco Jorge, do conselho de S.Majestade e seu desembargador do Paço, e sua mulher Isabel Borges, da cidade de Bragança,
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(449) SANTIAGO, Francisco de, Frei – Crónica da Santa Província de Nossa Senhora da Soledade, livro I, cap. VI, e História Seráfica – lugares citados.
(450) CARDOSO, Jorge – Agiologio Lusitano, ao dia 24 de Março.
(451) ESPERANÇA, Manuel da, Frei – História Seráfica, lugares citados.
(452) Ano Histórico, vol. II, p. 355.
(453) BAPTISTA, João Maria – Corografia Moderna do Reino de Portugal.
(454) LOPO, Albino – Bragança e Benquerença, p. 31.
(455) Vide «Capítulo sobre topografia de Bragança».
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instituíram o morgadio de Santo António com capela na igreja deste convento com obrigação de os administradores usarem sempre do apelido «Jorge». Este morgadio entrou depois na família dos Figueiredos na pessoa de Lázaro de Figueiredo Sarmento, alcaidemor de Bragança, que morreu em 1713 e vinha a ser terceiro neto do instituidor (456). Esta capela dos Borges, «por antiga e mal administrada, lhe ficou só o nome e os irmãos terceiros colocaram em ella a imagem do Senhor dos Passos e alguns devotos na mesma festejão a S.Vicente Ferrer com novena e praticas» (457).
Em 28 de Setembro de 1592, o arcediago da Sé de Goa, Francisco de Almeida, natural de Bragança, instituiu um morgadio com obrigação de se fazer uma capela na igreja deste convento(458). Ignoramos se a capela se fez.
Padroeiro do convento
Já vimos como um membro da ilustre família dos Morais dera o terreno para a construção do convento e até uma capela de Santa Catarina que ele ali tinha a qual serviu muito tempo de igreja aos religiosos, sendo depois encorporada na casa e transformada em capela do capítulo. Não é fácil saber-se quem sejam os actuais representantes dessa família; vamos, porém, produzir sobre o caso uma genealogia que, pelo menos, tem o mérito do fornecer algumas notícias interessantes a Bragança.
«Estes Moraes, diz essa genealogia, são inquestionavelmente a familia de quem hoje é representante o Conde de la Roza, na Hespanha, D. Francisco de Castro Moraes Pimentel, filho de outro portuguez do mesmo nome que em Hespanha cazara com a condessa de la Roza, senhora de cinco villas, e é o quinto neto do sargento-mór de batalha Gregorio de Moraes Pimentel e Castro, descendente em linha recta de Martim Affonso Pimentel, irmão do Conde de Benavente (João Affonso Pimentel, que foi alcaide-mór de Bragança).
Tinha esta familia sepultura com epitaphio e brazão d’armas no dito capitulo ou capella de Santa Catharina e n’ella se enterrou ha 45 annos sua parenta D. Joanna Corrêa de Sá Vasques e Benevides, natural do Rio de Janeiro e mulher do tenente general
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(456) Árvore Genealógica da Família dos Figueiredos da Quinta de Arufe, manuscrito que possui o escrivão notário de Bragança, José Julio Chaves de Lemos.
(457) BORGES – Descrição…, «Convento de S. Francisco», e notícia 11.ª, § 2.º
(458) Ibidem, «Morgados», § 12.º.
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conselheiro de guerra, Manuel Jorge Gomes de Sepulveda, e mais dois filhos, como refere a Gazeta de Lisboa de 1 de Setembro de 1801, e não se enterraram nunca nella os Moraes da casa dos Machucas (que hoje pertence por linha femenina a Manuel Pinto Guedes Bacellar, filho primogenito do visconde de Montalegre), pois que o ultimo dos Machucas, que era commendador de Malta, Frei Domingos de Moraes Pimentel, foi enterrado na egreja do convento de Santa Clara, aonde esta familia e todos os seus antepassados tinham sepultura propria com o epitaphio e brazão d’armas.
Muito menos pertence esta sepultura do capitulo dos ditos frades franciscanos aos fidalgos Arrochellas de Guimarães; nem ao da villa da Barca, Manuel Pereira de Castro Pimenta, como se diz nos Costados Genealogicos impressos em 1820 lhe pertencia por cazamento, talvez lembrando-se que já não existiriam representantes d’esta caza, e então a elles como parentes mais proximos lhe pertenceria.
Porém nem assim mesmo, porque parentes mais chegados são os viscondes da Azenha, pois que o pae do actual visconde, Bernardo Corrêa de Moraes, era filho de D. Maria Corrêa de Moraes Castro, dama de honor de D. Carlota, princeza do Brazil e irmã do pae do actual conde de la Roza, residente em Saragoça e agora senador em Madrid: este conde ainda tem casas em Bragança que mostram a sua antiguidade e muitos fóros e fazendas denominadas da Reprezalia dados pelos reis deste reino Affonso 6.º e Pedro 2.º e confirmados pela rainha D.Maria 1.ª que tem andado em letigio por se dizerem doações que parece estarem extinctas pelas novas instituições politicas.
A referida Capela ou Capitulo se acha hoje profanada e demolida pelos paizanos e militares a quem se entregou o convento dos extintos frades; e até por direcção de um engenheiro se conduziram as pedras sepulchraes para as suas cozinhas!... Contudo os ossos que existiam na referida sepultura foram decentemente trasladados para a Egreja dos Terceiros da mesma ordem de S. Francisco pelo zêlo e diligencias do parente e filho da última enterrada, João Antonio Corrêa de Castro e Sepulveda, arcediago da Sé, que também é procurador nesta cidade do referido conde de la Roza» (459).
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(459) SEPÚLVEDA, Francisco Xavier Gomes de, Farol Trasmontano. Bragança (1846), p. 142. Sobre estas pretensões e questões do padroado de S. Francisco, ver COUTINHO, Moura, A Pátria Nova, n.os correspondentes a 15 e 22 de Julho, 5, 12, 19 e 26 de Agosto e 2, 9, 16, 23 e 30 de Setembro de 1908, onde este erudito investigador trata largamente de assuntos pertencentes à igreja de S. Francisco.
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Ao tratarmos do Museu Municipal de Bragança diremos como uma das casas do Conde de la Roza em Bragança era a deixada a este estabelecimento pelo médico Zeferino.
Com referência ao dito acima, há em uma parede lateral do átrio da igreja de S. Francisco uma lápide com este letreiro: «A Ex.ma D. Joanna Corrêa de Castro Benevides Velares, natural do Rio de Janeiro, molher do Ex.mo Tenente General e Conselheiro da Guerra Manoel Jorge Gomes de Sepulveda, falleceu em junho de 1801, foi sepultada na casa do capitulo deste convento antiquissimo, jazigo dos Moraes Castro Pimenteis, sua familia. Agora anno de 1845 trasladados seus ossos, com os de seus filhos e parentes, para a capella-mór d’esta egreja por profanação da dita casa pela tropa, quebramento de campas, de brazões d’armas e epithaphios antigos, acontecendo o mesmo com as dos fundadores».
No entanto, sabe-se, por documentos que existiram no arquivo do convento, citados por Borges (460), que, arruinando-se a capela do capítulo pelos anos de 1540 e porque os padroeiros, que eram muitos (nada menos de cinco ramos diversos de Morais com avultado número de representantes) a não queriam reedificar, pretendendo cada um ser único, em despacho de Janeiro de 1569, do bispo D. António Pinheiro, a requerimento dos frades, foram notificados a o fazer e como não dessem ouvidos, a reconstruíram os religiosos, renunciando aqueles o direito de padroado. Mas no capítulo celebrado em Lisboa em Dezembro de 1589, alegaram perante o geral da ordem, Diogo Vaz Pinto, do hábito de Cristo, e o licenciado Gaspar de Morais, abade de Serapicos, que sendo legítimos e únicos representantes dos instituidores, vista a desistência dos mais, pretendiam o padroado que lhes foi reconhecido depois de feitas as devidas investigações genealógicas, por escritura de 5 de Setembro de 1590 mandando dar posse dele ao guardião do convento, Frei Francisco Neto.
Depois os herdeiros de Diogo Vaz Pinto, moradores em Vila Real, desistiram desse direito em benefício do dito abade a 29 de Maio de 1612.
A linhagem do abade extinguiu-se depois, vindo o direito de padroado a ficar devoluto à cidade e casa de Bragança que tomou o convento debaixo da sua protecção; daqui, a provisão real de 17 de Setembro do 1715(461) contrariando a patente do Padre Geral Frei Alonso do Biesma, que concedia esse título ao coronel Pedro Ferreira de Sá Sarmento.
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(460) BORGES – Descrição..., «Convento de S. Francisco».
(461) Arquivo Distrital de Bragança, Livro do Registo da Câmara de Bragança, fl. 415.
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Como veremos ao tratar do Liceu, por decreto de 8 de Julho de 1857 determinou-se que, logo que se realizasse a mudança do hospital militar para o extinto convento de S. Francisco, fosse o Liceu colocado no edifício devoluto por aquela transferência (462). Esse hospital está agora na casa do antigo convento.
Ainda relativamente à fundação do convento de S. Francisco em Bragança, devemos notar que o continuador da História Seráfica (463) sente que «na antiguidade tem a primasia entre todos os franciscanos d’este reino; e se agora saiu um autor contradizendo esta opinião e afirmando que fôra o de Coimbra, sem isso lhe importar cousa alguma, nós lhe daremos a resposta no anno de 1538, tempo em que entraram nelle os religiosos da sua provincia». Depois, o mesmo autor, no tomo IV da sua obra, pág. 47 e seguintes, consagra dois capítulos largos, oito fólios a duas colunas, para demonstrar a sua tese; porém, nada achámos neles que possa radicar tal convicção de um modo completo, apenas a tradição, o «diz-se» e mais nada de positivo.
Dali mesmo se colhe que alguns lhe datam a fundação não de 1214, no tempo de S. Francisco, mas de 1394, o que é menos exacto, como se deduz da verba do testamento de D. Afonso III.
Em Bragança, continua o mesmo autor, deixou S. Francisco um discípulo dos muitos que achou em Compostela e neste convento se tornaram distintos por virtudes conhecidas, «cujos exemplos já andam escritos, especialmente os dos memoraveis» Frei Jerónimo Castelhano, Frei Francisco de Santa Bárbara e não lhe servem de menos glória os frades Frei Filipe Dias e Frei Luís da Cruz.
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(462) Diário do Governo de 17 de Julho do 1857.
(463) SOLEDADE, Fernando da, Frei – História Seráfica Cronológica da Ordem de S. Francisco na Província de Portugal, 1705, tomo III, «Proémio», § 2.º, n.os 1 e 2.
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MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA
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