Por: Luís Abel Carvalho
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Nasci numa família pobre - das mais pobres da minha aldeia, numerosa e sem quaisquer recursos materiais. Sou o último de cinco filhos – todos rapazes! Por esse facto, fui criado com o mimo e o carinho de todos. Devido a isso, chamava-me “ mimalho da cantareira”. E foi também por isso, que desde cedo desenvolvi uns tiques de “ Fidalgo da Corte da Palha “, tiques esses que ainda mantenho até hoje, confesso. Eu e os meus irmãos crescemos a trocar a roupa, o frio, a fome, a amizade e umas biqueiradas de quando em vez, como é próprio e salutar entre os irmãos .
À medida que os meus irmãos faziam a quarta classe, iam para a Vila aprender uma profissão : os dois mais velhos ( o Jaquim – nome do meu Pai Joaquim, porque, como era costume, o primeiro filho tinha o nome do Pai! e o Acácio) foram aprender o ofício de mecânicos de automóveis; um para a oficina do Senhor Covas, que ficava próximo da estação do comboio e o outro para a oficina do Vilela ( O Bilella), que ficava no Prado. O terceiro, o Carlitos, foi aprender a arte de marceneiro para o Tristão, tendo como colega o Heitor e o quarto, o que era mais próximo de mim e por isso meu adversário nos mimos, o “ Sabastião “, foi para electricista, aprender com o “ Arnaldo electricista “.
Como na altura em que fiz a quarta classe, a família já vivia mais ou menos desafogada, graças à pequena e importante contribuição dos meus irmãos , insistiram em fazer de mim um “ Dótor de Leis“. O máximo que conseguiram , foi um “ Dótor da mula ruça “!. Mandaram-me então, estudar para a Vila, fazer o Ciclo Preparatório, para a Escola Industrial.
Havia na aldeia um abastado lavrador, com uma farta e rica casa de lavoura. Era para esse lavrador que os meus Pais trabalhavam a maior parte do ano: na época da azeitona, da amêndoa, da “ arranca “ das batatas, da vindima, da segada, cavar as árvores...Era com essas jeiras que sustentavam a casa. O senhor Júlio Ramanlho – era o nome desse lavrador abastado , cuja alcunha era o Bazófias -, tinha uma deficiência na fala; não pronunciava o “J”, o “Z” e o “ Ç “. Tinha também uma filha – essa sem deficência nenhuma, bem antes pelo contrário - da minha idade, que se chamava Julieta. Era criada como uma princesa, rodeada de todos os mimos, atenções e cuidados.( Era Deus no Céu e a Julieta na Terra). Em consequência da deficiência da fala, o Pai tratava-a de “ Xulietajinha”. Esta menina não era livre de brincar com qualquer criança; os Pais encarregavam-se de lhe limitar as amizades. Só brincava com algumas crianças criteriosamente seleccionadas e eu, evidente, não fazia parte desse rol. Tinha, por isso, um feitio áspero e de narizinho empinado, toda cheia de salamaleques e de importância. “ Toda eu cá sou eu!!”.
Como a escola das raparigas era separada da dos rapazes, só nos encontrávamos nas confissões, na missa ou na catequese! Fizemos a quarta classe sem nunca nos descobrirmos. Depois da quarta classe, o destino juntou-nos todas a manhãs nos cerca de dois quilómetros que tínhamos que fazer a pé até à estação, para apanharmos a automotora para Moncorvo. Alternadamente, no inverno, éramos acompanhados por um Pai, ou uma Mãe, que nos auxiliavam com um foco, debaixo de chuva, do frio, do vento, da neve e da escuridão total, que todo o transmontano bem conhece. Eu, tal como os outros, íamos agasalhados com ceroulas de flanela, bem quentinhas! Éramos cinco crianças, expostas a todas as intempéries.
Eu fui para a Escola Industrial fazer o Ciclo Preparatório, e ela, evidentemente, foi para o Colégio Campos Monteiro, cujo Director era o saudoso Doutor Ramiro Salgado. ( Uma pequena e selectiva diferenciação Social). Feito o segundo ano do Ciclo Preparatório, eu continuei na Escola Industrial no curso de Electromecânicos e ela foi para o Liceu de Bragança, motivo de orgulho para o Senhor Ramalho.
Foi viver para casa de um Polícia, familiar da Mãe, para o Bairro da Mãe D ´Água , onde era mais vigiada do que um comunista pela Pide. Este polícia fazia parte da Guarda do Governador Civil, o Dr. Abílio Leonardo, da nossa aldeia.
Todo o homem tem um sonho dentro de si e o meu era namorar com a Julieta. Veio passar as férias do Natal a casa, mas vieram uns dias horríveis, de muito frio e de muita neve; era até difícil sair de casa, mesmo para os trabalhadores que tinham uma necessidade premente em ganhar a jeira. Penso até que nem a cheguei a ver, a não ser na Missa do Galo. A pedido do Pai, que anunciava a sua vinda a toda a gente – “ a minha Xulietajinha, bai bir à festa “ , voltou em Fevereiro para a festa de Santo António. Tínhamos nessa altura cerca de treze/catorze anos, idade do inevitável e torturante Acne, o inimigo de todos os adolescentes.
À medida que os meus irmãos faziam a quarta classe, iam para a Vila aprender uma profissão : os dois mais velhos ( o Jaquim – nome do meu Pai Joaquim, porque, como era costume, o primeiro filho tinha o nome do Pai! e o Acácio) foram aprender o ofício de mecânicos de automóveis; um para a oficina do Senhor Covas, que ficava próximo da estação do comboio e o outro para a oficina do Vilela ( O Bilella), que ficava no Prado. O terceiro, o Carlitos, foi aprender a arte de marceneiro para o Tristão, tendo como colega o Heitor e o quarto, o que era mais próximo de mim e por isso meu adversário nos mimos, o “ Sabastião “, foi para electricista, aprender com o “ Arnaldo electricista “.
Como na altura em que fiz a quarta classe, a família já vivia mais ou menos desafogada, graças à pequena e importante contribuição dos meus irmãos , insistiram em fazer de mim um “ Dótor de Leis“. O máximo que conseguiram , foi um “ Dótor da mula ruça “!. Mandaram-me então, estudar para a Vila, fazer o Ciclo Preparatório, para a Escola Industrial.
Havia na aldeia um abastado lavrador, com uma farta e rica casa de lavoura. Era para esse lavrador que os meus Pais trabalhavam a maior parte do ano: na época da azeitona, da amêndoa, da “ arranca “ das batatas, da vindima, da segada, cavar as árvores...Era com essas jeiras que sustentavam a casa. O senhor Júlio Ramanlho – era o nome desse lavrador abastado , cuja alcunha era o Bazófias -, tinha uma deficiência na fala; não pronunciava o “J”, o “Z” e o “ Ç “. Tinha também uma filha – essa sem deficência nenhuma, bem antes pelo contrário - da minha idade, que se chamava Julieta. Era criada como uma princesa, rodeada de todos os mimos, atenções e cuidados.( Era Deus no Céu e a Julieta na Terra). Em consequência da deficiência da fala, o Pai tratava-a de “ Xulietajinha”. Esta menina não era livre de brincar com qualquer criança; os Pais encarregavam-se de lhe limitar as amizades. Só brincava com algumas crianças criteriosamente seleccionadas e eu, evidente, não fazia parte desse rol. Tinha, por isso, um feitio áspero e de narizinho empinado, toda cheia de salamaleques e de importância. “ Toda eu cá sou eu!!”.
Como a escola das raparigas era separada da dos rapazes, só nos encontrávamos nas confissões, na missa ou na catequese! Fizemos a quarta classe sem nunca nos descobrirmos. Depois da quarta classe, o destino juntou-nos todas a manhãs nos cerca de dois quilómetros que tínhamos que fazer a pé até à estação, para apanharmos a automotora para Moncorvo. Alternadamente, no inverno, éramos acompanhados por um Pai, ou uma Mãe, que nos auxiliavam com um foco, debaixo de chuva, do frio, do vento, da neve e da escuridão total, que todo o transmontano bem conhece. Eu, tal como os outros, íamos agasalhados com ceroulas de flanela, bem quentinhas! Éramos cinco crianças, expostas a todas as intempéries.
Eu fui para a Escola Industrial fazer o Ciclo Preparatório, e ela, evidentemente, foi para o Colégio Campos Monteiro, cujo Director era o saudoso Doutor Ramiro Salgado. ( Uma pequena e selectiva diferenciação Social). Feito o segundo ano do Ciclo Preparatório, eu continuei na Escola Industrial no curso de Electromecânicos e ela foi para o Liceu de Bragança, motivo de orgulho para o Senhor Ramalho.
Foi viver para casa de um Polícia, familiar da Mãe, para o Bairro da Mãe D ´Água , onde era mais vigiada do que um comunista pela Pide. Este polícia fazia parte da Guarda do Governador Civil, o Dr. Abílio Leonardo, da nossa aldeia.
Todo o homem tem um sonho dentro de si e o meu era namorar com a Julieta. Veio passar as férias do Natal a casa, mas vieram uns dias horríveis, de muito frio e de muita neve; era até difícil sair de casa, mesmo para os trabalhadores que tinham uma necessidade premente em ganhar a jeira. Penso até que nem a cheguei a ver, a não ser na Missa do Galo. A pedido do Pai, que anunciava a sua vinda a toda a gente – “ a minha Xulietajinha, bai bir à festa “ , voltou em Fevereiro para a festa de Santo António. Tínhamos nessa altura cerca de treze/catorze anos, idade do inevitável e torturante Acne, o inimigo de todos os adolescentes.
continua...
Fontes de Carvalho
Fontes de Carvalho, pseudónimo de Luís Abel Carvalho, nasceu no Larinho, uma aldeia transmontana do Concelho de Torre de Moncorvo, Distrito de Bragança. É o filho do meio de três irmãos.
Estudou em Moncorvo, Bragança e no Porto, onde se formou em Engenharia Geotécnica. É casado e Pai de três filhos.
Viveu no Brasil, onde passou por momentos dolorosos e de terror, a nível económico e psicológico. Chegou a viver das vendas de artesanato nas ruas e a dormir debaixo de Viadutos.
No ano de 1980 e 1981 foi Professor de Matemática em Angola, na Província de Kwanza Sul, em Wuaku-Kungo. Aí aprendeu a desmistificar certos mitos e viveu uma realidade muito diferente da propagandeada.
Em Portugal deu aulas de Matemática em diversas cidades, nomeadamente em São Pedro da Cova, Ponte de Lima, Cascais (na Escola de Alcabideche, onde deu aulas aos presos da cadeia do Linhó), Alcácer do Sal, Escola Francisco Arruda e Luís de Gusmão, em Lisboa. Frequentou durante quatro anos, como trabalhador-estudante, o curso de Engenharia Rural, no Instituto Superior de Agronomia.
Em 1995 fundou a empresa Bioprimática – Reciclagem de Consumíveis de Informática, onde trabalha até hoje como sócio-gerente.
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