Vamos ver… Ou, honrando a genuína pronúncia a que me habituei, “bamus a bere” (e, um destes dias, já cá virei para expor a opção da utilização do [u] ao invés do [o], ou o do uso da paragoge do [e] – que tudo tem uma explicação…). Por hoje, fico-me pelo “boi e à baca”, ou pelo “bou a Biana”, ou pelo “barri co’a bassoura”… “Bô?!”…
Do que conheço dos idiomas falados na Península Ibérica, o Português é o único no qual se pronuncia o [v] como [vê]. A letra existindo em Castelhano, em Galego, em Asturiano, em Aragonês, em Catalão e em Basco, em todas elas se pronunciando, no entanto, como [b] ou [β], dependendo da posição que a palavra ocupa numa frase. Correspondendo o fonema [β] a uma forma mais suave e rápida de pronúncia. Como tal, o som [vê] não existe na Península, para lá do Português. Existindo, igualmente, nas outras duas Línguas latinas que conheço, o Francês e o Italiano.
Feita esta introdução, para os interessados, só trocamos os [vês] pelos [bês] caso falemos em «língua fidalga», o Português. Fenómenos fonológico que toma o curioso nome de betacismo… “Todabia”, antes de falarmos Português, outros idiomas se falaram pela nossa região. A começar pelos pré-romanos, dos quais pouco ou nada sabemos, substituídos que foram pelo Latim. Porém, no Latim, não obstante existir a letra [v], a mesma não se pronunciava como [vê], mas sim com um som assemelhado a [u]. Ou seja, o vinho, em Latim «vinus», era pronunciado como «uinus», sendo que o som [u] era muito semelhante àquele que sai quando pronunciamos o nome da aplicação «WhatsApp» ou, para quem conheça o Inglês, a palavra «window». Assim como «villa», se lia como «uila»...
Sem entrar em muitos detalhes, no Latim, o [u] e o [v] alternavam nas palavras, possuindo, todavia, o mesmo som. Provavelmente já deverão ter visto a célebre «Domus Municipalis» grafada, em alguns escritos, como «DOMVS MVNICIPALIS». Ou, para quem conheça a entrada lateral do edifício da Câmara Municipal de Macedo, por lá consta a gravação «TRIBVNAL». Inscrição essa que, quando catraio era, sempre contestava, afirmando que, para lá de mal escrita, se leria «trib’venal». Outras histórias…
Entretanto, nos primeiros tempos dos idiomas nascidos a partir do Latim, o som [vê] não existia, apenas o [bê]. Posteriormente, o tal [v] latino, pronunciado como [u], evoluiria para um som semelhante ao fonema [β], anteriormente mencionado. Só muito posteriormente, se convencionou, na Língua Portuguesa, a adopção do som [vê] para a letra [v]. Muito depois, por exemplo, das primeiras edições d’«OS LVSIADAS», que assim surgia escrito, tal como o seu autor aparecia como «LVIS». E só já entrado o século XVIII é que começou a haver uma perfeita distinção na pronúncia do [v] e do [b]. Distinção esta aplicada pela «norma culta» emanada a partir da capital, mas que apenas teve aplicação efectiva nas regiões do centro-sul de Portugal. Os chamados «dialectos setentrionais» persistiram na não distinção entre o [v] e o [b].
«Dialectos setentrionais» nos quais se inclui a, agora, Língua Oficial, o «nosso Mirandés». Língua essa em cujo alfabeto a letra [v] nem sequer existe! Para os que, eventualmente, o desconheçam, o «Mirandés», até bem tarde, era falado numa franja territorial muito mais alargada do que a actual, na qual se incluíam, no total ou em parte, a quase globalidade dos concelhos do distrito. Como tal, por históricas e linguísticas razões, não podemos trocar o que não temos, o [v], por aquilo que, efectivamente, sempre tivemos, o [b]. Então, “biba” esta tão nossa distinta forma de falar e, em simultâneo, se em Português for, viva!
Esperando, com estas incursões, dar um humilde contributo para o incremento no conhecimento sobre a «língua tcharra», fala essa que em muito antecedeu a chegada da «língua fidalga» a estas bandas. Mantendo que muito orgulho também tenho na tal de «língua fidalga», a tão nossa Língua Portuguesa. Porém, na «língua tcharra» não tenho orgulho… O que tenho tenho mesmo, é “proa”!


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