sábado, 12 de novembro de 2022

O País e a Cidade e o País na Cidade

Novamente se ausculta o pulso a alguns números de jornais locais. Compreender-se-á porquê. É que, para além do mais, têm muitas coisas para dizer…
Lutas políticas e partidárias e troca de acusações graves, sobretudo entre evolucionistas e democráticos (almeidistas e afonsistas); Governo de Afonso Costa, ditadura de Pimenta de Castro e Revolução de 14 de maio de 1915; tentativa de assassinato de João Chagas; participação na Grande Guerra e “União Sagrada”; consequências da intervenção na Guerra… e outros acontecimentos e factos, que encontram eco em Notícias de Bragança e em A Pátria Nova e que, por vezes, ocupam boa parte das suas páginas, vão marcar profundamente a vida da urbe.

Praça do Mercado - 1905/1910

Há elementos sobre afrontamentos e confrontos locais que, dizendo respeito, essencialmente, à urbe, têm que ver com o panorama nacional. E há ainda muitas outras informações, das quais respigamos algumas sobre acontecimentos que, sendo fruto da vida citadina, fazem parte do seu dia-a-dia, particularmente agitado pela conflitualidade política. Lutas de uma grande virulência política, com acusações graves e tensões dramáticas, resultam da partidarização crescente e ganham uma particular acutilância.
O Notícias de Bragança de 4 de abril de 1912 fala do “êxodo assustador” que “despovoa todas as nossas vilas e aldeias”, denunciando as explorações de todos os tipos de que eram vítimas os emigrantes. “Já não é o jornaleiro sem pousada, ou o artífice mal remunerado, que procura solucionar a vida mediante o expediente transitório de uma ida até ao Brasil. É o chefe de família, remediado e cheio de filhos que, malbaratando as suas economias por mãos de comissários e engajadores sem consciência, e, quase sempre, aturdido e estonteado pela quimera ridente de um futuro de prosperidades a fora da Pátria… vende a vil preço a choupana e a horta para enroupar a consorte e meia dúzia de crianças que criou, para, abandonando de vez a sua terra, ir a caminho do Eldorado apossar-se do ouro”. Apela-se ao governador para atentar, com “olhos de ver”, no número de licenças e passaportes… A tudo isto ainda se junta a “assustadora leva” da “emigração clandestina”.
Bragança vai receber, a 26 de março de 1913, “a ilustre comissão de propaganda política” do Partido Evolucionista. Grande número de cidadãos aguardava a comitiva, junto à Ponte do Loreto. Ambiente tenso: “É notável que uma força de cerca de 20 polícias civis foi destacada para aquele local acompanhando o cortejo até ao Hotel Comercial…” Mais efusiva seria a receção, se não fosse a Cidade estar de luto “por esse brutal e inesperado acontecimento” que provocou o afogamento de cinco mancebos, na foz do Lima, “quase todos” estudantes do Liceu. A comitiva é recebida no Centro Republicano Emídio Garcia com grande afluência de sócios…



Não houve, nas palavras proferidas, a mais pequena nota partidária…
A “conferência” – que devia ser sessão de esclarecimento – realiza-se no Teatro Camões. Eduardo Ernesto de Faria apresentou os ilustres hóspedes da “comissão de propaganda política” (que integra António Granjo).
O orador acentua que o Partido Evolucionista traz inscrito na sua bandeira uma “larga amnistia política”: “sempre grande e generoso como o seu ilustre presidente”. António Granjo insiste na necessidade de estabelecer a paz nas consciências, de reformar a lei da “Separação das Igrejas do Estado” e de terminar com a ditadura administrativa que vigora na administração local. Do notável discurso do tribuno António José de Almeida não é possível “dar um pálido reflexo…” Mas sempre se destaca, do muito que disse, o elogio feito ao partido, onde não cabia“…uma clientela de vil mercancia…”; a condenação da presença da força policial que acompanhou o cortejo; a denúncia das violências que vinham a ser cometidas, entre elas a da transferência do dr. Francisco Martins Morgado, “que toma como tendo sido feitas ao partido que representa…” (ver A Pátria Nova de 30 de março).
Informa-se que “o ilustre presidente do Partido Evolucionista” foi, “entusiástica e carinhosamente, recebido nas terras do Distrito…”
Em 8 de abril de 1915, o Notícias de Bragança, no artigo “Avante”, enquanto órgão do Partido Democrático, procura incentivar os correligionários. O grave e grande problema era mesmo a Ditadura de Pimenta de Castro.
Lembra-se que “o Partido Republicano Português foi expulso do poder como consequência de uma manifestação de rebeldia que, de boa ou má vontade, o Presidente acatou como se fosse um eco legítimo de soberania nacional”. Brito Camacho, unionista, “considerou-se vitorioso quando, como consequência dessa insubordinação militar que ele instigou, foi entregue o poder ao general Pimenta de Castro; mas com ele rejubilaram e se consideraram vitoriosos todos os confessos inimigos do regímen. O senhor Almeida ficou calado a ver em que paravam as modas”. Deram o apoio a um Governo “sem nenhuma raiz na opinião”. “A legalidade há de restabelecer-se”.
Notícia relevante, pelo que nos pode ensinar sobre o que se pensava e o que eram as graves cisões políticas, tem como título “A Taça”. Em setembro de 1910, D. Manuel teria oferecido uma taça que os “espreitões” do Centro ainda detêm e que se preparam para “disputar” num concurso de tiro aos pombos. O caricato é que o Centro Republicano vai fazer uma festa com um objeto oferecido pela ex-majestade. Graves acusações se fazem àqueles que aí estavam nos primeiros dias da República e em especial a João José de Freitas. O Partido de Afonso Costa não lhes perdoa. Estes dados também podem ajudar a explicar a tragédia que se vai passar. A notícia continua: “É o Centro representante do fundido Clube? Cremos que não. A fusão – fusão patusca dum club de sport com um centro político – fê-la Freitas – a fera – nos tempos de terror dos espreitões, quando ninguém podia falar sem o perigo de ir parar ao cagarrão”.
Vale a pena avançar com um ou outro apontamento de “Vida Mundana”. Decorreu no Grémio, “cheio de entusiasmo”, o baile de “recreio” de domingo de Páscoa, “dançou-se até perto das 3 da madrugada”. “Houve serviços profusos e abundantes”. Nomeiam-se várias senhoras que participaram, as “madames” e as “mesdemoiselles”.
Sobre a vida religiosa, escreve-se que decorreram “com brilhantismo as festas da Semana Santa realizadas nos templos desta Cidade”. Todas as igrejas estavam muito bem ornamentadas, “em especial a de Santa Clara, onde as filhas de Maria puseram toda a sua arte”. Não podia faltar uma ponta de ironia: pela noite fora, “bandos de meninas gentis em toillette chic percorreram as igrejas rezando fervorosamente a Cristo e lançando olhares ternos para os apaixonados que humildemente lá seguiam atrás delas, como que galgando o Calvário atrás de Maria Madalena”.
Prosseguem as notícias na semana seguinte – 15 de abril de 1915 –, em consonância com o momento político, as diatribes “contra o Governo absurdo” que para aí temos, mas também contra o “falhado chefe do evolucionismo, que, desanimado de alcançar o poder pelo próprio prestígio ou pelo valor do seu partido, não se envergonha de renegar o seu passado”.

Francisco Morgado Presidente da Comissão Municipal Republicana de Bragança

Acontecimentos de âmbito nacional afetam a urbe. Em destaque e em notícia: “atentado indecente”, referindo que o Governo da Ditadura se julga no direito de dissolver os municípios “que lhe não deem o seu subserviente apoio”. O Senado de Bragança ainda não fora dissolvido, mas as “pífias autoridades que aqui governam em nome da República resolveram não o deixar funcionar … e todos os processos lhe servem para executar a sua resolução”.
Em parangonas: a “autoridade administrativa, sem escrúpulo de processos, resolve impedir o funcionamento do 
Senado Municipal. Primeiro manda os seus apaniguados promover distúrbios na sala das sessões, fazendo aí detonar uma bomba. Agora prende, sem qualquer ato de flagrante, vários vereadores que conserva incomunicáveis.
São os velhos processo de caciques e burlões”. Acusa-se, fundamentalmente, “o pífio boticário que serve de Administrador do Concelho, com o desplante do vilão que tem o poder na mão” e que “mandou comparecer no comissariado” sete vereadores, “aí os detendo”.
E, como seria de esperar, A Pátria Nova, de 18 de abril de 1915, vem em defesa do Administrador, fazendo notar que ainda é cedo “para responder às acusações que… se fazem ao digno Administrador deste Concelho”.
Vivia-se intensamente o momento político. Os democráticos, com grande peso político em todo o Distrito, não desistiam do seu combate político. Era necessário manter unidas as suas hostes. No jornal de 22 de abril de 1915, em “Um equívoco”, faz-se ver que o senhor Almeida “não pode negar que uma Ditadura é uma monstruosidade num regímen republicano”.
Comenta-se, ainda, a insignificante representação do Distrito no Congresso Evolucionista. Era suposto haver uma grande delegação. Mas apenas foi “numerosamente” representado pelo cidadão senhor Amândio Junqueiro, de Freixo de Espada à Cinta. “E bondou”. Comentário: “Em boa verdade, há muita gente que evolucionou da Monarquia para o Evolucionismo, mas fala-se muito em que regressa a outra senhora”. Acusações deste tipo eram, como se verá, recíprocas.
Tempo para celebrar, efusivamente, a queda dos usurpadores. “A ditadura ignóbil que nos oprimia e nos envergonhava caiu miseravelmente”. O povo, auxiliado “pelos seus irmãos do Exército e da Marinha, bateu esse Governo de cafres que traiçoeiramente se apossara do poder”. Vivas ao povo, ao Exército, à Constituição!
É agora que se produz o desfecho de um drama que tem como protagonista João de Freitas. Como se verá, os antecedentes que levam a este desenlace têm muito que ver com a Cidade de Bragança. A notícia é reproduzida do “Mundo”. Em título, “O Presidente do Governo, João Chagas, é vítima das iras de um doido mau”; e em subtítulo, “três tiros de revolver disparados pelo senador João de Freitas”. Foi alvo, a 16 de maio, de um “infamíssimo” atentado no rápido do Porto, quando vinha para Lisboa assumir “a presidência do Ministério, cargo a que fora elevado pela Revolução que terminou com a Ditadura [de Pimenta de Castro]. Quem o alvejou? João de Freitas.
Eis aí dois homens diversos, moral e intelectualmente. João Chagas é um tipo ilustre na sociedade portuguesa…
João de Freitas é uma criatura nefasta, perniciosa sob todos os aspetos, rancorosa, capaz de todos os crimes, de todas as infâmias, mesmo da baixeza de caluniar os seus companheiros de ontem. Era um tarado. Vivia no ódio e para o ódio. Todo ele espolinhava em cóleras íntimas, como um possesso. Com os seus próprios amigos era intratável. Nunca se lhe conheceu uma afeição, uma grande amizade”.
Vem o elogio de João Chagas, para voltar a João de Freitas: “se ficasse vivo, observado por um alienista, recolheria rapidamente a um manicómio”. Atentou contra a vida de quem vinha ocupar “o posto que pela Revolução lhe fora destinado. É lamentável que tal se dê e demonstra a existência de uma horda miserável que arma as mãos dos tarados como se deu em 3 de outubro de 1910 com Miguel Bombarda”. E que agora se repete, “depois de uma insurreição triunfante”, que entregou a João Chagas os seus destinos.
Explica-se “onde e como se deu o atentado contra o Presidente do Ministério”. Vinha na companhia da esposa.
Às 23 horas, quando o rápido passava na Lamarosa, João de Freitas entrou no compartimento e disparou contra Chagas “alguns tiros”. Um dos tiros vazou-lhe o olho esquerdo. O doutor Paulo Falcão, que também viajava no compartimento, para tomar posse como ministro da Justiça, desarmou o assassino enquanto a esposa “o agredia energicamente”. É assistido por um médico que o trata. “Desarmado o assassino, recolheu o revólver o revisor do comboio, que também tomou conta do preso, entregando-o no Entroncamento”. Na estação, encontrava-se muito povo e uma força de Infantaria n.º 22. O comandante procurou evitar que o assassino fosse agredido, “colocando-se entre os populares e o criminoso. De repente ressoam dois tiros, caindo o miserável. Estava morto, liquidara a sua existência. O seu cadáver ficou na estação para a família poder dispor dele”. João Chagas desembarcou em Campolide, tendo sido hospitalizado em S. José.
Assim acabou este homem “miserável” – o cadáver ficou na estação… – que, pelo menos aparentemente, tanto prestígio havia tido e tanto havia servido a República. “Vítima” do ódio que votava aos seus “inimigos” políticos do Partido Democrático e, muito especialmente, a Afonso Costa. Era este líder que ele visava verdadeiramente e que queria assassinar. Não podia admitir a ideia de o ver, agora, uma outra vez triunfante e a controlar um novo governo. O imenso capital de queixa contra Afonso Costa – como se pode ver pelas acusações que João de Freitas produz no Senado e na imprensa – via-se agravado pelas acusações que os democráticos fizeram contra
o Partido Evolucionista e o seu chefe, enquanto a “Ditadura” durou!
O hebdomadário, de 3 de junho de 1915, congratula-se com a demissão de Manuel de Arriaga e com a nomeação do novo Presidente, Teófilo Braga. E o que segue, de 10 de junho, é dedicado, em boa medida, ao ato eleitoral que se avizinha.
Como é sabido, logo em 1911, o Partido Republicano Português aprovou, por influência de Afonso Costa, novo programa e passa a designar-se Partido Democrático. O campo republicano fratura-se, com a criação do Partido Unionista (1912) de Brito Camacho e do Partido Evolucionista (1913) de António José de Almeida. Em Bragança, o Centro Democrático Brigantino, filiado no Partido Democrático, foi criado, em agosto de 1912, a instâncias de António Alberto Charula Pessanha, na altura já deputado democrático pelo círculo de Bragança.

António Alberto Charula Pessanha

O Partido Democrático vai dominar o mapa político do Distrito, de uma maneira quase hegemónica, durante o período republicano…
Em maio de 1915, há uma reunião para definir a atitude do Partido Democrático do Concelho perante a “ditadura” e perante as medidas do Governo que dissolveram os corpos administrativos legalmente eleitos.
Mas desde 1913, com as várias forças políticas republicanas a digladiarem-se, extremam se as posições. Em A Pátria Nova, vão subir de tom os ataques contra os “inimigos de estimação”. São particularmente violentos e virulentos os que são desferidos, por João de Freitas e por Agostinho Lopes Coelho, diretor do jornal – indefetíveis evolucionistas e apoiantes incondicionais de António José de Almeida – contra figuras de proa do Partido Democrático e contra aqueles que acusam de serem os seus “cúmplices” locais e os seus homens de mão, que acabam por se transformar em destacados elementos “democráticos”. Todos eles eram acusados de estarem comprometidos com a tomada de medidas e de decisões extremadas, de terem mergulhado na baixa política, de cometerem ilegalidades, de serem responsáveis por negócios fraudulentos que, no respeitante à Cidade, envolviam, em particular, o Banco de Bragança. A sua atuação era um atentado contra os valores republicanos e lesava profundamente os interesses do povo.
Acusações de corrupção e de roubo, de ilegalidades, de tráfico de influências, de ocultação de provas, de manipulação judicial…, vão ser esgrimidas pelo senador João de Freitas e pelos “evolucionistas” a ele ligados, como armas de ataque, que se pretendem demolidoras, contra preponderantes elementos “democráticos” e seus sequazes, ligados a Bragança – alguns deles, como Alberto Charula, eram responsáveis pela administração do Banco – e contra o “infame” ministro, chefe de Governo e líder Afonso Costa. “Desonestas” atividades, políticas e económicas, de figuras ligadas umbilicalmente ao poder político e judicial e “criminosas negociatas” relacionadas com esta “casa de prego” (assim era chamado o Banco) são denunciadas com veemência.
Sem que tenhamos espaço para esclarecer este longo e intrincado “folhetim”, que daria um longo texto, limitamo-nos a avançar alguns elementos. A Pátria Nova de 23 de março de 1913 insere transcrições da sessão do Senado de 12 do mesmo mês, “para que forneceu assunto o venerando juiz desta comarca”. “Chama para estes factos a atenção do sr. Presidente do Ministério…”, Afonso Costa. E Agostinho Lopes Coelho produz acusações graves: “Na audiência da célebre questão do Banco de Bragança, toda a gente viu, ao lado do sr. Afonso Costa, advogado do Banco e atual presidente do Ministério, o então e atual diretor geral da Justiça … desempenhando, enfim, o papel de bom auxiliar”.
É alvejado, fundamentalmente, a 30 de março, “o chefe democrático local, o conhecido cacique dr. Charula”; a “competência política”, que lhe vem do voto, envolveu a Cidade numa “grande embrulhada”, e a “influência eleitoral” de que dispõe não a “poderia conseguir por processos legítimos”.
João de Freitas assina, no número seguinte, de 6 de abril, mais uma peça contra os Democráticos. Em “A revisão da lei da Separação do Estado das Igrejas”, lamenta que o clero paroquial não seja apoiante da República, ou, “na pior das hipóteses, neutral ou indiferente”. É que se cometeu “o tremendo erro de tornar solidária a grande maioria do clero nacional com o clero congreganista e ultramontano na mesma animal aversão contra a República…”. Não quer renegar a lei, mas propõe que seja expurgada do que tem de mau e que é da autoria de Afonso Costa, para que a lei não seja um meio “para exterminar o catolicismo em Portugal”. Uma vez mais, as “vítimas” dos ataques vão ser Afonso Costa e o Diretor Geral da Justiça.
A Pátria Nova continua a funcionar como caixa-de-ressonância da grande pugna política. A 16 de outubro de 1913, no artigo “Um homem”, para além dos elogios que são feitos a João de Freitas, reproduzem-se transcrições de uma carta dirigida a Machado Santos, diretor de O Intransigente e publicada neste órgão de informação.
Parece haver uma grande proximidade entre estes dois homens, ambos “indefetíveis inimigos” de Afonso Costa.
“Esclarecendo” é uma notícia breve que nos muito nos diz sobre as principais personagens destas complicada e grave “gazetilha”: “Vai quase esclarecida a… presente situação política… Está descoberto o triângulo de S. Tomé e para breve promete-se o quadrilátero do Banco de Bragança. Este é composto do mesmo sr. Afonso Costa, figura primacial e imprescindível nestes obscuros negócios, sendo a tripeça restante formada pelo grande e inconfundível parlamentar e diretor daquela casa de prego, sr. dr. Alberto Charula, sr. Germano Martins, e a inconfundível cabra ronhosa, sim, o delegado da comarca, o regente da filarmónica da casa de prego, o político na comarca onde exerce as suas funções, enfim o inconfundível autor das sentenças assinadas pelo triste bilheda, o instrumento adrede escolhido e preparado por quem fez seu o Ministério da Justiça para os fins que todos estamos presenciando.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso

Está sabido que este é o sr. Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso”. Gravíssimas acusações com desabridas palavras…
A 6 de dezembro de 1913, voltam a estar presentes graves acusações contra os membros do “quadrilátero”.
Faz-se história, lembrando “que o sr. Afonso Costa veio a Bragança patrocinar o banco do sr. Charula, na extorsão de umas dezenas de contos à herdeira de Joaquim de Sá, conduzindo ao seu lado o diretor geral da Justiça, argumento decisivo para qualquer bilheda ignorante e venal, náufrago da honra” e ainda “abjecta figura” que chafurda num lodaçal. Não podem aceitar esta gente como republicanos, até porque “a tirania do barrete frígio é mais revoltante que a tirania coroada”. Não se coíbem de os identificar com os “realistas”, uma vez que o “sr. Afonso Costa afirmara sentir-se melhor entre conspiradores do que entre evolucionistas”.
No que se escreve, a 17 de janeiro, em “João de Freitas e a situação moral”, faz-se ver que, “para o Distrito de Bragança, e em especial para esta Cidade, têm capital importância os acontecimentos ultimamente produzidos no Senado”. Chama-se a atenção para o eco que a interpelação do “ilustre senador” encontrou e para a solidariedade que despertou, porque ele foi o primeiro que, “ousando afrontar a tempestade, se ergueu tão arrojado como justiceiro no meio da degradação e impotência moral em que nos debatemos…” “Tão grande como a justiça, tão nobre como o desinteresse, tão eloquente como a verdade, João de Freitas nunca soube adular, como também nunca soube tremer”. Para complementar estas informações, com o título “Quem é o dr. Afonso Costa?”, transcreve-se um excerto de um discurso, de 9 de janeiro de 1914 , feito por João de Freitas no Senado: se já estivesse elaborada a lei sobre “os crimes da responsabilidade do poder executivo”, apresentaria “uma proposta de acusação criminal contra o ministro e chefe do Governo, sr. Afonso Costa, como réu de crimes… de excesso de poder e de peita, suborno e corrupção”.
Enviará, por isso, “dentro em breve, ao tribunal, uma participação criminal”, com os documentos e provas que possui. Termina com um desafio: “Já que o sr. Afonso Costa se não sentiu com força moral bastante para me chamar aos tribunais … pelos crimes de difamação e calúnia, levá-lo-ei eu a ele como réu dos crimes de que o acuso”.
Afonso Costa e Artur Lopes Cardoso continuam na mira dos “atiradores“. Começa por se referir, no número de 24 de janeiro, “a situação moral do chefe do Governo”: “é inútil pretender encobrir por mais tempo a gravidade da situação moral do chefe do Governo determinada pela interpelação do ilustre senador”. Torna-se urgente “liquidar as tremendas responsabilidades que derivam duma tal acusação. Só por processos desta natureza será possível consolidar a República numa base segura de honestidade… Ou se purifica a República dos escândalos desta natureza, ou então adeus República, e adeus nacionalidade”. E numa moção, que se dá a conhecer, aprovada pelo “Grupo Evolução” do Porto – onde o senador Freitas residia -, há um considerando que nos permite compreender a que ponto as coisas haviam chegado: Afonso Costa teria votado ao desprezo o seu “inimigo”, por ser “moralmente irresponsável”.
“A choldra” é o título escolhido para qualificar o País no periódico de 28 de março. A razão para tanto azedume é a nomeação de um representante da edilidade para o banquete em homenagem a Afonso Costa. Verdadeiramente degradante o facto de se considerar “serviço da República” o envio de um representante para a “homenagem ao eminente chefe da formiga branca, o sr. dr. Afonso Costa”. O “culto da idolatria” é inqualificável.
As batalhas desta guerra contra Afonso Costa são cada vez mais ferinas… Um enorme artigo, de 7 de março de 1915, “O sr. Afonso Costa nos tribunais”, lembra que “pouca gente houve neste País que não tivesse medo do papão...” João José de Freitas, pelas comprovadas acusações que lhe faz, é uma exceção. Reproduz-se, neste número, o que se dizia numa carta de fevereiro de 1914. Destaque para “a imponente manifestação de regozijo” que houve na Cidade “pela queda de Afonso Costa” – substituído por Bernardino Machado (embora o Ministério continue apoiado pelos democráticos) – e para a lista dos perseguidos (entre eles, vários professores do Liceu e o próprio Agostinho Lopes, transferido para Vila Real). De seguida, é feito este comentário: “Desde aquela data (fevereiro), os assalariados da grande quadrilha têm cuspido contra nós todas as infâmias e vexames, tomando parte ativa no delírio da perseguição o tribunal da comarca, presidido pelo corrupto Gonçalves de Freitas, de que foi delegado Lopes Cardoso, hoje juiz auditor, graças à sua traiçoeira adesão ao partido dos escândalos, e principalmente à fúria judaica com que pretendeu ferir João de Freitas. Miseráveis!”.
A Pátria Nova, de 14 de março, apoia Pimenta de Castro como “a mais sólida e eficaz garantia de ordem e da paz pública”. João de Freitas, a 25 de abril de 1915, num bem documentado artigo, “Entre dois escolhos”, que tem com subtítulo “Extrema esquerda – demagogia. Extrema direita – monarquia”, lembra ao governante que deve afastar “os dois escolhos da demagogia, o vermelho do sr. Afonso Costa, e o negro do sr. D. Manuel”.
Com “A intriga política”, em A Pátria Nova de 9 de maio, ficamos a saber que o artigo “Entre dois escolhos” é reproduzido de O Intransigente (de 24 de abril). É, muito provavelmente, um dos seus últimos escritos. E lá vem esta confissão: “Não serei eu que combaterei… o Ministério do sr. Pimenta; antes o aplaudirei, se não ceder às excessivas exigências dos atuais partidos”.
Afonso Costa permaneceu pouco tempo “derrubado”. “Ressuscitou” a 14 de maio de 1915. É, porventura, esta “ressurreição” que se torna insuportável para o “perturbado” João de Freitas. Era preciso liquidar o inimigo. Mas, no dia 16, é João Chagas, indigitado para presidir ao Governo, que vai ser gravemente ferido. E João de Freitas acaba os seus dias.
A Pátria Nova vai morrer pouco depois. Não havia condições para que a publicação, que sempre o tivera como uma grande referência – ele era o “fundador”; o homem impoluto, corajoso, justiceiro e de uma só cara; o militante, o combatente; o Governador, o Constituinte, o Senador –, pudesse prosseguir. João de Freitas, já não pôde ver os dois chefes congraçados na “União Sagrada”. O ódio e a loucura – muito provavelmente mais esta do que aquele – fizeram dele um assassino. Urge dedicar tempo e estudo a tão trágica e apaixonada personagem. Ao homem, e às suas circunstâncias, que está ligado indelevelmente à história de Bragança e do seu Distrito.
Enquanto tão trágicas ocorrências se desenrolavam, e delas tinham notícia os brigantinos, na sua Cidade, a “modista Flamina Maria Lopes, habilitada num dos melhores atelieres de Lisboa, abria o seu atelier na Rua Direita, n.º 41”…
Na sequência da Revolução de 14 de maio, o Presidente Arriaga demitiu-se. O Governo, para que fora chamado primeiro João Chagas, não chega a tomar posse. As eleições legislativas de junho deram aos democráticos maioria absoluta nas duas Câmaras. Afonso Costa, candidato natural ao poder, sofre, entretanto, um grave acidente – ocorrido a 3 de julho –, tendo fraturado o crânio, por se ter precipitado de um carro elétrico, ao querer escapar do que pensava ser um atentado.
Repercutiam-se, aqui, na Cidade, todas as incidências da agitada vida política… No Notícias de Bragança de 22 de julho, anunciavam-se as melhoras de Afonso Costa, que são de modo a “tranquilizar todos os que se interessam pela sua preciosa existência, e bem pode dizer-se que é todo o povo português”. Sabendo a filiação do hebdomadário, não devemos estranhar tão hiperbólica afirmação. E, logo por baixo, um “Vá-se embora”, endereçado a António José de Almeida, que dera o seu apoio ao Governo de Pimenta de Castro “e que não lho retirou quando esse Governo se declarou em franca Ditadura”. Imperdoável. “É pois, se não juridicamente, pelo menos moral e politicamente, tão criminoso como o senhor Pimenta de Castro”.
António de Melo, proprietário da casa Minerva, onde se imprimia o jornal, como as encomendas publicitárias deviam escassear – os tempos iam difíceis – e o espaço publicitário não se vendia, aproveitava para inserir grandes reclamos à sua própria casa: “Hoje a mais antiga” tipografia. Fundada em 1904, “tem à sua frente um tipógrafo [o próprio Melo] com longa prática, que começou a sua aprendizagem em 1885”. Para rematar: “Boas máquinas e boas mãos”.
Na notícia que dá, com entusiasmo, a avalanche de melhoramentos, lamenta-se que, em contrapartida, a Cidade fique sem um hotel – o Comercial –, onde “a Maria de Miranda cozinhava ótimos pastelões de folhado e manipulava apetitosas rosquilhas mirandesas”. Vai a dona Francisca para Entre-os-Rios gerir um hotel de que é proprietário o senhor Agostinho Lopes Coelho.
“O magno problema” de então era a questão das subsistências, como refere o artigo que abre o número de 10 de fevereiro de 1916: “está acalmado o movimento que há dias se produziu em Lisboa e em alguns pontos da província com motivo ou sob pretexto da carestia da alimentação”. Acalmado não queria dizer extinto, uma vez que o mal-estar continuava.
O esforço de guerra e a conjuntura internacional acarretaram consequências internas desastrosas. Havia escassez de “géneros de primeira e de segunda necessidade” e a fome afetava muita gente das classes inferiores urbanas. Anima-se a emigração e volta o banditismo – escreve-se em “o banditismo na emigração” –, os “galfarros que do engajamento fazem modo de vida”.
Bragança regozija-se com “um grande feito”. O Noticias de Bragança de 9 de novembro de 1916 titula: “Grande vitória das forças portuguesas em África – Manifestação de regozijo”. Refere que foi “extraordinária” a manifestação que na noite de 31 de outubro “percorreu as ruas da nossa Cidade, em patriótica romagem, pelo grande feito de armas portuguesas na África Oriental, ao norte do Rovuma”. Cerca das 20 horas, “uma multidão enorme irrompe com a filarmónica dos bombeiros voluntários à frente da Rua Abílio Beça, aos gritos de: Viva a Pátria!
Viva a República! Viva a União Sagrada! Abaixo os traidores”. O doutor Faria – sempre ele –, em empolgante discurso, regozija-se “com o gloriosíssimo feito de armas portuguesas” e fala do trabalho “insano” dos “atuais homens de governação”. O deputado Lopes Cardoso pôs em relevo o significado da manifestação, mostrando que “na alma do povo português vibra bem forte, bem alevantado, o amor da Pátria”.
Declarada guerra por parte da Alemanha, em março de 1916, Democráticos e Evolucionistas assentaram na constituição de uma União, à maneira francesa, cedendo a presidência do Ministério a António José de Almeida.

António José de Almeida

É desse Governo da “União Sagrada” que António José de Almeida fala. As suas palavras são reproduzidas no jornal de 29 de março de 1917. O Presidente do Ministério, em nome do Partido Evolucionista, saúda Afonso Costa, “o português eminente e o republicano ilustre” e todo o Partido Democrático “que, em União Sagrada com o Partido Evolucionista, está dando provas cabais do seu patriotismo e do seu amor à República”. “Afonso Costa e eu representamos aqui… a União Sagrada concreta, positiva, materializada em acontecimentos e em factos”.
“Demonstramos bem que a União Sagrada é uma realidade documentada já perante a História”. Quem não está com a União – os monárquicos e alguns republicanos – “são inimigos da Pátria e da República”, que “promovem, em nome do inimigo, a desordem e a anarquia”. Por isso, “até ao fim da guerra, permanecerei em União Sagrada, de uma maneira ou outra, no Governo ou fora dele”, para “defender a Pátria” e para “castigar todos os miseráveis que de portugueses só têm o nome – estando pelas suas próprias infâmias abaixo dos próprios alemães”.
Na vida da Cidade é ainda de destacar a visita do ministro da Justiça e a sua ação como “benfeitor” das terras bragançanas. Há, neste tipo de comportamento e de atuação, traços que vêm de longe – já com exemplos de políticos oitocentistas – e que se vão prolongar para lá da República, ganhando uma maior visibilidade no tempo do Estado Novo. Uma linhagem de políticos que, quando no poder, se comportam como “mecenas” e protetores da sua terra. Parece haver um denominador comum que tem a ver com as características sociais e com a subalternidade da região: os “súbditos” pedem e esperam proteção e “favores” dos “seus governantes” e estes, por amor à sua terra e às suas gentes, dignam-se concedê-los.
O Bragançano n.º 1, de 15 de novembro de 1919, alude, em “Instrução”, à excelência da produção da República neste campo e louva, especialmente, a reforma de Ensino Primário de maio de 1919. Bragança, graças aos bons serviços do Dr. Lopes Cardoso, um “dos mais sábios ministros da Justiça”, conseguiu a “criação duma Escola Primária Superior” e a dotação para a construção de um edifício para a Escola Infantil; está criada uma Escola de Ensino Industrial e não tardará o estabelecimento de uma Escola de Ensino Normal.

Escola Primária 1910

A visita do ministro da Justiça é relatada no número de 29 de novembro de 1919. Uma extensa reportagem que muito louva o governante e muito agradece as obras que o Distrito de Bragança lhe deve. Foram grandes as manifestações de júbilo ao “ilustre filho do Distrito” que, nesta Cidade “que ele sempre tanto amou…”, se encontrava “não como ministro, mas como seu benemérito, como seu extremo defensor, como grande regionalista e patriota…
“Nos Paços do Concelho falou o Governador Civil Carlos Alves, “grande regionalista”, que elogiou a figura do ministro. O dr. Alberto Direito, representando o Senado – e apesar de “militar em política contrária à do ministro –, enalteceu a obra do estadista. Finalmente, intervém o ministro, para reconhecer que o Distrito tinha sido “muito esquecido” dos poderes políticos” e prometer que, quando voltar a ser deputado, “então poderá desenvolver a sua atividade em prol deste malfadado Distrito”; manifesta, ainda, a necessidade “de arredar de vez a baixa política mesquinha de retaliações…”

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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