Em 30 de Outubro de 1984 foi celebrada, no sétimo Cartório Notarial do Porto, a escritura da Casa Regional dos Transmontanos e Alto-durienses, residentes na área do chamado Grande Porto. Antes desta Casa Regional, funcionara na Invicta capital do Norte, o Clube dos Transmontanos que não chegou a legalizar a Comunidade. Também por essa altura se tentou a fundação da Casa de Barroso que visava congregar em colectividade os naturais dos concelhos de Montalegre e de Boticas. Mas em ambos os casos os projectos não passaram disso.
O espírito de agregação e de solidariedade dos Transmontanos vem de longe. Habituados a viver à sua custa, quase escorraçados da cidadania urbana que os tratava como cidadãos de segunda, quantos ali nasciam, tinham de suportar as contingências comuns à raça humana e mais esse desígnio ancestral de lutarem contra o abandono contido no provérbio: «longe da vista, longe do coração». Sempre os Transmontanos foram conhecidos, onde quer que o destino os levasse, pela sua franqueza, pela sua hospitalidade, pelo instinto de defesa e de aventura, pela honestidade da sua maneira de viver e de conviver. A entre-ajuda estampou-se nos usos e costumes, nas tarefas do campo, nos hábitos rurais, nas leis solares, nos relógios de sol. Os antropólogos culturais, os etnólogos, os sociólogos, os gastrónomos, habituaram-se a catalogar esse espírito comunitário como factor distintivo de quem nasceu, viveu e se orgulhou de ser oriundo de Trás-os-Montes e Alto Douro. Nunca se intimidaram por isso, nunca aceitaram essa pretensa submissão, jamais sentiram complexos de inferioridade, embora alguns maldizentes sistemáticos, algumas vezes confundam, ostensivamente, a simplicidade dessa gente com o elo mais fraco da sociedade portuguesa. Muito pelo contrário: desde os alvores da nacionalidade Portuguesa sempre os habitantes de Entre Douro e Minho deram à Pátria tributos e contributos que fizeram dela um império que teve o mundo inteiro a seus pés. Nunca podemos esquecer que o Condado Portucalense, desde 868 até 1071, dependente do Reino da Galiza, o primeiro e, entre 1096 e 1128, já sob os desígnios dos Condes Portugueses (D. Henrique e seu filho Afonso) se situavam apenas entre os Rios Minho e Douro. Foi em Trás-os-Montes e Alto, mais o Minho que Portugal nasceu, fecundou e se fez o império que só pelo Tratado de Tordesilhas, foi repartido pela vizinha Espanha.
Com esta recapitulação historiográfica pretendo exaltar o Norte de Portugal que nunca parasitou do esforço do resto do país, antes foi solidário, fiel e coeso, ao contrário de fragmentos esporádicos de revoluções mal-nascidas que reivindicam para Lisboa e arredores aquilo que a todos deveria chegar por igual, ao mesmo tempo e na mesma proporção.
A desproporcionalidade ética que os Nortenhos têm suportado desde há quase nove séculos faz com que os Transmontanos através de gestos legítimos, como são as casas regionais, entrelacem ideias, boas vontades e tolerâncias cívicas contra aqueles que os tratam como cidadãos de segunda.
A Casa Regional do Porto, a exemplo das congéneres de Lisboa, Braga, Guimarães, Coimbra, Tomar, Viana do Castelo, Algarve e outras no estrangeiro continuam a existir para colmatar sucessivas injustiças flagrantes da vida nacional.
A Casa regional, com sede no Porto, nasceu há 30 anos que foram comemorados dia 8. Várias dezenas de associados, apesar da crise, marcaram presença. E ouviram dos representantes dos seus órgãos palavras de incentivo aos jovens, para que não esmoreçam no fervor que os mais velhos lhes transmitem. Com o peso dos seus 86 anos, ali esteve o Sócio nº 4, Eduardo Taveira da Mota, um empresário que seria o Champalimaud dos nossos dias se, como ali foi dito pelo sócio nº 1, não tivesse sido despojado dos seus bens materiais e morais, durante o PREC de triste memória. Suas filhas Secília e Sara gostaram de ouvir o apelo à juventude. E reavivaram a chama dos obreiros que há 30 anos fundaram a Associação e adquiriram a sede própria, abrindo esse espaço a quantos: autarcas, comerciantes turísticos, cooperativas, autores, pintores etc. quiseram divulgar as suas actividades. Esse objectivo que presidiu ao plano associativo vai manter-se.
Quando em meados de 1984 nos foi lançado o repto tínhamos lido em sondagens da época de que viveriam cerca de 500 mil transmontanos e durienses na área residencial do Grande Porto. Trinta anos depois temos consciência de que a desertificação Transmontana galopa a favor da região Portuense. São muitos os Barrosões, os Valpacenses, os Bragançanos que têm uma segunda residência na capital do norte. É uma triste realidade social. Se o Estado Novo não fez quanto deveria ter feito pelo país periférico, mesmo assim ainda fez muito mais do que a democracia tem (des)feito nestes 40 anos: escolas, aldeamentos e terrenos para os casais carenciados, repartições públicas, correios, casas do povo, centros de saúde, acessos viários, saneamento, iluminação eléctrica, de tudo se fez. Nos 40 anos de democracia tudo está a desmoronar-se: escolas, centros de saúde, repartições públicas, correios, televisão, cantoneiros, fornos do povo... e até o boi do povo foi trocado pela inseminação laboratorial.
Barroso da Fonte
in:diario.netbila.net
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