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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 13 de março de 2018

A MODA DAS CALÇAS ROTAS...


O garoto de socos e calças rotas
Num dia de chuva, a dezoito de Abril de 1946, em plena Primavera, chegava mais um habitante a esta terra. Só que minha mãe pariu-me quase morto, chamaram o carpinteiro para fazer o caixote a contar que eu já não escaparia pois até chamaram o tio Francisco Esbarriga que era o sacristão, na altura, para me sopiar e mandar-me para os anjinhos. Mas talvez por sorte ficou a viagem adiada, era o meu primeiro dia de vida. O tempo foi passando e fui crescendo. A primeira coisa que aprendi logo de pequeno foi a ser boieiro. Antes de aprender a ler já sabia guardar vacas, quando chegava o Verão era uma grande chatice, ainda vinha o dia não sei onde e ouvia-se uma voz lá no outro canto da casa:
– Filho levanta-te, são horas de ir com as vacas para o lameiro.
Ora como eu gostava muito de dormir, era uma tortura de sono, depois adormecia no lameiro. As vacas iam fazer mal e no dia seguinte lá estava o tio Artur a bater à porta:
– Oh Zé Emílio, chega aí. O teu filho deixou-me comer a horta.
– E como é que você sabe?
– Sei porque conheci o rasto dos socos.
– Oh homem, as minhas vacas não calçam socos nem sapatos.
– Pois não, mas o teu filho é muito esperto, andou com um pau a tapar o rasto das vacas.
E eu por detrás da porta, a ouvir esta conversa. Quando o meu Pai chamou por mim, o meu coração batia que parecia um motor de rega, pois já sabia o que me ia acontecer. Nesse dia levei um enxerto que nunca mais me esqueceu.
Naquela altura o trabalho infantil era muito importante, pois até se ouvia dizer com frequência “o trabalho do menino é pouco, mas quem o perde é louco”. A palavra exploração infantil não tinha fundamento algum, além de necessário, logo desde muito tenro, era quase obrigatório aprender a fazer tudo quanto dizia respeito à agricultura. No meu caso concreto, depois de ter feito a quarta classe, além de aprender a lavrar e a fazer outros trabalhos, também fui pastor. Era necessário ajudar os meus pais a ganhar algum dinheiro porque a vida era muito difícil. Ainda bastante jovem passei muitas semanas sem poder vir a casa, especialmente durante a Primavera e o Verão. Hoje sinto grande saudade daquelas noites de luar, quando dormia na minha cabana, à beira do meu rebanho, respirando o perfume dos montes floridos e assistindo ao romper do dia, quando acordava com as melodias das cotovias. Era a beleza da natureza ali tão perto de mim, enquanto as Primaveras iam passando pela Primavera da minha vida, sempre com a esperança num futuro melhor e muito atento às mudanças dos tempos. A era moderna estava muito próxima e eu até já andava na moda sem saber: não precisava de comprar calças rotas como agora fazem, mas as minhas calças rotas eram muito mais bonitas. A perfeição dos remendos era tal que pareciam quase bordadas e o que lá estava escrito, sem letras, só eu conseguia ler: “AMOR DE MÃE”.
Das minhas calças rotas ninguém sabe, mas guardo essa recordação. O armário é a saudade e eu tenho a sua chave no coração.

Belmiro dos Santos
Grijó de Parada (Bragança)

Tio João
in:jornalnordeste.com

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