São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)
Árvore Bailarina, Símbolo do Poder do Vento e da Natureza |
Hoje, enquanto escrevo estas linhas, lembro que este não é mais um dia comum. Faltam poucos dias para o Natal. Sinto um desconforto no peito, meu coração bate mais forte. Estar desempregado pelo sexto ano consecutivo depois de mais de quarenta e cinco anos de trabalho é muito triste. Encarar a esposa e não poder dar aquele sorriso aberto, é triste. Às vezes choro, no quartinho onde está meu PC. De vez em quando, minha mulher adentra o quarto e senta-se ao meu lado. Ela pede que tenha forças, mostra-me, conta-me do orgulho que tem de mim.
Há uns três ou quatro anos, ainda alentado, costumava ir, à essa época, passear à noite na Avenida Paulista. As luzes multicoloridas vozes de corais afinadas, cores e cheiros de panetone inspiravam a mim e à esposa. Ruas cheias, falsas alvíssaras. Penso no motivo de embriagar-me pelas luzes; sem, no entanto esquecer que não posso gastar o pouco dinheiro que apuramos da modesta aposentadoria. A avareza tornou-me um homem mais amargo! A orgia de gastos foi-se com o último emprego. Agora, ficam acentuadas as diferenças no meu “status quo”: consumo reprimido: Avareza!
Em nome do Menino Jesus, come-se e bebe-se à larga aves abatidas, gordurosas carnes, vinho, puro néctar. A gula se apresenta!
Nas sarjetas, nas praças, sob os andaimes e marquises, esconde-se o horror da farsa/festa. A luxúria apresenta-se em salões requintados, os ricos banham-se em caras fragrâncias.
Em manjedoura distante, o Menino Deus chora envergonhado da insensibilidade humana.
MEMÓRIAS
Lembro os tempos de eu menino. Um amiguinho, extasiado, contou-me de que na casa dele tinha uma árvore de Natal. Minha casa que tinha só o presépio; pareceu-me modesto demais, se comparado fosse. Fui à casa de meu amiguinho, na colônia da fazenda.
Na árvore de Natal da casa dele, brilhava uma única bola (foi o que pai dele pode comprar). Mas, nos olhos do meu amiguinho, e nos meus, brilhavam de radiante alegria. Nós éramos ainda muito pequenos para entender. Nas mãos do meu amiguinho, uma linda bola de plástico, um pedaço de bolo e um copo de água com groselha! Ganhei também nacos do bolo e do refresco, pra mim, um manjar dos deuses.
- Ah! Como era lindo o Natal!
Lembro quando, no início de 1959, vim morar em São Paulo sozinho. O primeiro Natal que aqui passei, foi de pura tristeza. Eu mal podia acreditar. Doeu-me a notícia de que o Papai Noel não existe! Pela primeira vez, fiquei sem presentes no Natal; e minha família morando há mais de quatrocentos quilômetros de distância. Nesse triste dia que me disseram que o Papai Noel não existe, quiseram me enfiar goela abaixo que só as crianças tinham o direito de viver os seus sonhos. Eu estava crescendo, morava sozinho, e já era hora de saber a verdadeira história. Recusei-me a deixar de sonhar, a deixar de viver! Fui assim a vida toda. Cresci, e ainda espero ansiosamente o meu encontro de amor, na Noite de Natal. Passados tantos anos, tal como Zaratrusta já o dissera antes, "...componho canções e passo a cantá-las. Enquanto faço canções, rio, choro e murmuro.
Essa é minha maneira de servir a Deus"! (algo que faço parecido com o personagem de Nietzsch, com a diferença que me dedico à literatura, enquanto aguardo um trabalho digno e remunerado). Mas, como dizia, o Papai Noel tinha outras prioridades, quando não me presenteou. O bom velhinho sabia que eu tive amor de família e ganhei presentes em minha meninice até os treze anos de idade: ele, por certo, tinha que presentear crianças que nunca antes, nesse país, receberam um único presente. Obrigado Papai Noel!
Sabem como fiquei sabendo se Papai Noel existe? Meu irmão mais velho me perguntou:
- E então: "Papai Noel existe ou é tudo mentira”?
Como fiquei atônito, ele pressionou-me novamente. Ele não sabia como explicar. Sem ter como sustentar uma mentira que acreditei por treze anos, admitiu, constrangido:
- "Você já tem idade pra saber a verdade”!
Após segundos de silêncio sepulcral, nos quais ficara flagrante a minha decepção, meu irmão mais velho não viu outra saída, senão dar tempo ao tempo. Antes de ir, porém, eu o questionei:
- "E quanto a esse tal de Jesus Cristo? Ele existe"?
Meu irmão ficou desenxabido e nunca me deu a resposta, à qual tive que encontrá-la sozinho.
VATICÍNIOS
Lembro que Brasília é cercada de retas por todos os lados. A ponta do eixo inverte os pratos e o lago pára no ar. Os jovens já não cantam rock nas garagens , atualmente eles preferem ficar no facebook ou no Messenger. Já os representantes do povo aguardam, em sala de espera VIP, um voo de volta. Brasília é silêncio e claridade! Um homem comum estende varais na Esplanada.
Os lençóis se abrem. Há mensagens de toda parte do país. São cartas abertas ao bom velhinho: os lençóis ao vento pedem presentes para 2019. As palavras em letras grandes voam ao vento. Entre todos os pedidos, um enfuna os lençóis de maneira plena: pede SERIEDADE. São cartas abertas de um menino chamado Brasil, ao Menino Jesus. Após o Natal, em uma semana, o novo presidente da nação toma posse. Oxalá ele nos surpreenda, com um bom e honesto governo. Nunca antes, nesse país, o povo está tão necessitado de bons augúrios, e de gente honesta no comando da nação.
Dentro de poucos dias muitas famílias farão a festa de Natal. A mesa farta, vinhos envelhecidos são abertos, champagne francês são brindadas. Há risos, comidas e alegria por toda parte! Será?
- Por toda parte? E os desalentados e desempregados? Eles terão o quê comer? Porventura, alguém vai orar por eles?
Nas casas dos desempregados, a mesa vazia e os pensamentos absortos: nenhuma expectativa! Natal... .
Nada de peru defumado, nada de vinhos caros, de frutas variadas, de decorações caras; na casa modesta, somente a presença de Deus!
MAIS MEMÓRIAS
Lembro natais, quando vivia na fazenda de café, no interior de São Paulo. No dia de Natal, via-se crianças sorrindo, brincando com os novos brinquedos que o Papai Noel trouxera durante a noite. Pobres carinhas, com sorriso franco no rosto por terem ganhado um brinquedinho simples.
Dos presentes que eu ganhei na infância, quando morava na fazenda, o que mais gostei foi um caminhãozinho de plástico, que transportava quatro caixas de refrigerantes (miniaturas), onde cada módulo era preso à carroçaria através de um anel de elástico. Minha irmã, pouco mais nova que eu, ganhou uma boneca, daquelas feitas em papelão branco, com rosto desenhado à tinta.
Os leitores nem podem imaginar a minha felicidade e a felicidade da minha irmã, quando recebemos nossos presentes, que o bom velhinho deixou nos nossos sapatos, sob o presépio. Havia um brilho intenso nos olhos dela; que se encantou com a bonequinha. Já eu e meu caminhãozinho de plástico, começamos uma amizade que levo para toda a vida, apesar dele não ter resistido até o outro Natal. O ruim da história, que marca tal dia na minha lembrança, foi que minha irmã, na ansiedade de fazer carinho para a boneca, quis dar café para a boneca, o qual acabou caindo na cara da boneca, desfigurando-a.
Chorosa e aflita, tentou lavar a cara da boneca com água e sabão; tentou! As feições foram sumindo, sumindo, sumindo, sumindo; sumiu! A boneca ficou sem olhos, bocas, nariz e orelhas; e ainda ganhou um enorme borrão azul, resquício da tinta de má qualidade com que foi feita a feição da boneca. Mais minha irmã olhava; mais chorava! Raciocinei: a cidade mais próxima ficava há 25 km, porém condução para ir até lá; dinheiro para comprar outra boneca não existia... . Eu próprio fui ao milharal, escolhi uma espiga/boneca do pé de milho, com longos cabelos avermelhados, que enrolei num lenço de seda da minha mãe e entreguei a ela. Ela parou de chorar! Essa foi a boa-ação mais bonita que fiz na minha vida!
Entre a fartura na mesa e a mesa em que tudo falta, há a presença do Menino Jesus. Que Ele esteja em todos os lares, seja do rico ou do pobre. O importante é que a Sua presença possa ser vista, pois a comemoração é para Ele. A comemoração é pelo Seu nascimento. O nascimento do nosso Salvador.
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.
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