(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Acabo de ler em Mensageiro de Bragança, pág.6, de 20/12/18 um pequeno artigo de opinião do nosso conterrâneo, Armando Fernandes sobre um outro conterrâneo nosso, Armando Vara, que me faz indirectamente aviso dos perigos que acarreta dar opinião pública, quando a nossa proveniência não é de extracção suficientemente creditada para termos tal ousadia.
Agradeço ao autor a lucidez de raciocínio e à disponibilidade para apertar a mão ao nosso patrício e eu declaro aqui, que igualmente o farei se a minha humilde condição mo permitir numa futura ocasião. Vem esta introdução a propósito de uma notícia publicada no mesmo jornal, na página 8, cujo título é: Demolição da antiga casa dos cantoneiros dá origem a contra-ordenação.
Penso não meter a foice em seara alheia pois não direi mais que o absolutamente necessário, não para ajuizar de razões que assistam a esta ou aquela parte, mas sim para dar conta dos meus sentimentos quando, seja quem for, destrói o que é património público que é de todos nós indubitavelmente e ao qual o nosso imaginário está indelevelmente associado e é parte integrante da nossa personalidade e pelo qual, EU, pessoalmente agradeço a Deus ter inspirado os homens que o realizaram.
Já fiz saber através de escritos neste mesmo Facebook, do meu sentimento de revolta, que se mantém bem aceso sessenta anos após haverem destruído a minha Rua e por arrastamento a minha comunidade que até hoje, continua a ser o princípio e fim da minha inteira forma de ser.
Não posso esconder o que fizeram ao Mercado que tinha o seu lugar na Praça Camões e que tão deslumbradamente suprimiram para dar lugar ao que lá está agora. Outras fracções do património com igual ou semelhante destino poderia enumerar mas quedo-me por aqui e falarei apenas da minha ligação à referida Casa dos Cantoneiros.
Quando miúdo o Sabor exerceu em mim um fascínio que só conseguirei descrever com este exercício lúdico em que estas crónicas aqui publicadas se transformaram para o meu estado psicológico e físico que talvez a minha idade explique. Mas a verdade é que passei milhentas vezes à ilharga dessa casa e algumas vezes lá entrei, dada a relação de amizade com os moradores, o casal Samões, Senhor Mário e Senhora Natália e os filhos de quem sou amigo de longa data.
Há no entanto algo de mais impressivo e que coloca a Casa dos Cantoneiros da Ponte Nova do Sabor num lugar de destaque no meu imaginário de fundação identitária, pois era a dita casa a zona de demarcação do território que pertencia ao Deus das estórias da Tia Maria Mónica, separando-o do de Belzebu a quem ela conseguiu ludibriar ganhando tempo de se por ao fresco ,para a partir da linha imaginária, qual Equador, poder gritar: -Coza-se o Diabo e mais quem a ele se submete!
Sei agora que este mítico edifício de traça singela mas airosa, com arco de meia volta de granito de Montesinho que abria o alpendre branco de neve que dava donaire à fachada alva com cornija sóbria e telhado avermelhado de boa telha Marselha já não existe, pelo simples facto de a Autoridade chamada Câmara Municipal se haver alheado do perigo da sua possível supressão e não ter tido a sensatez de quando licenciou as obras de melhoramento e acrescento, não avisar o requerente da proibição de demolir e consequentemente apagar a parte física que sustentava a abstracta do imaginário belo de milhares de brigantinos que se recordam dela com as paredes alvas e o logradouro da frente cheio de cravos, rosas e outras flores que nos remetiam para a imaginada Casa Portuguesa, criação do Arquitecto Raul Lino e à qual o Arquitecto Cottinelli Telmo deu o seu aval. Saliento no entanto o despertar da Câmara que como que apanhada de surpresa, enviou a sua equipa de fiscalização embargar a obra por não cumprimento com a constante do projecto licenciado! Mas dado o passado longínquo ou o passado recente de assuntos semelhantes a este e o seu desfecho, será que a Câmara tem a força legal ou o empenho e zelo suficiente para exigir a sua reconstrução?
Das declarações do Senhor Presidente nada consta do concernente a este tópico. Diz apenas que a obra se manterá assim por muito tempo. Acredito ainda assim que será esta questão o ponto de viragem na maneira, direi, pouco zeladora que a Câmara tem tido desde longa data para com o património edificado que não esteja sob tutela do IPPAR.
Nada me move contra as pessoas que são titulares de cargos, muito menos contra os que foram democraticamente eleitos e que normalmente me dão a honra de alguma simpatia .Quero apenas relevar um ponto que se prende com o direito consignado na Lei, que permite ao cidadão vulgar não estar de acordo com determinadas acções ou omissões recorrentemente avalizadas contra o interesse público. E o interesse público tem também que ver com as memórias dos naturais do território e o seu sentido de pertença ao espaço que habita ou habitou, bem assim como a conservação de um certo sentido estético para o qual foi educado por gente que nestas coisas não ficava atrás dos próceres de agora que assobiam para o lado quando se trata de sentimentos que o comum dos cidadãos nutre pelo que também é seu.
Vou terminar, mas diz-me a consciência que devo voltar à estória da tia Mónica: -Nos contos e narrativas por ela contados às crianças da minha Rua à lareira ou ao sereno, havia um só em que o tom de voz era mais vincado! Era o da luta com o Diabo em cima e ao meio da Ponte Nova do Sabor, onde depois de deixar o Belzebu para trás e já em frente à Casa dos Cantoneiros ,que segundo ela era já território do Deus das suas estórias, fez uma figa com a mão esquerda e um manguito com o braço esquerdo sobre o direito flectido e gritou: -Coza-se o Diabo e mais quem anda com ele, tendo de seguida feito o sinal da cruz! ( A casa era já território do Deus, bom e simples que ela adorava )!
Bragança, 21/12/2018
A. O. dos Santos
(Bombadas)
Sem comentários:
Enviar um comentário