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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

A PRENDA

Por razões culturais, mais do que religiosas, dezembro continua a cheirar a afetos. Em tempos onde os valores se misturam, emergem radicalismos com os quais nunca pensaríamos voltar a ter de ser confrontados. A cada alvorada somos surpreendidos por mais uma novidade que vai desvirtuando o sistema de valores que alicerçam a dignidade do homem e interpela sobre este existir.
Neste momento, sobressalta-me a forma como os dados pessoais de cada indivíduo estão a ser monitorizados e a celeridade com que diversas plataformas da administração pública cruzam informação. A título de exemplo, e depois de outros, está o governo a testar uma aplicação direcionada para a administração escolar que também irá recolher dados do ministério da saúde, possibilitando aos serviços administrativos conhecer, entre outros dados, o tipo sanguíneo de um aluno. Esta visão da realidade que se vai construindo silenciosamente, afigura-se-me como atentatória das liberdades e garantias conquistadas nas últimas décadas. Não admira pois que se queira tapar o “sol com a peneira” quando se propala a proteção de dados, se pedem autorizações para as pequenas coisas e se escancaram as portas para o essencial da vida.
Este afã da devassa da vida de qualquer um, não é só bandeira das televisões, mas o próprio estado passa a intrometer-se nos pormenores do quotidiano, repercutindo-se na vida de cada um, e condicionando a dinâmica social, sendo que, quanto mais reduzida for a comunidade, mais impacto tem o factor condicionante.
Nesta era de cruzamento de dados, lembrou-se a governação de alterar o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social mediante o Decreto-lei n.º2/2018 de 9 de janeiro. Em termos gerais, altera as taxas contributivas dos trabalhadores independentes mas também procede a alterações no que respeita à acumulação da atividade independente com a atividade por conta de outrem. Em linguagem corrente, pretende-se que quem trabalha por conta de outros mas, em vez de ir para o sofá depois das horas dadas ao patrão, considera que faz sentido fazer algo de útil e, ao mesmo tempo, daí tirar algum rendimento, passe a pagar mais uma contribuição.
Tendo uma perspetiva nacional, pode ter-se uma leitura não coincidente com a que se faz quando a análise se foca numa dimensão regional. Sem grande margem de erro, na realidade transmontana, mais de noventa por cento dos contribuintes que se encontram nesta situação são-no porque, ou por herança ou por amor à terra, são proprietários de pequenas parcelas. Das mesmas podem retirar um rendimento que, na maior parte dos casos, nem dará para pagar os custos de produção. Mas, o certo é que se o rendimento mensal médio for igual ou superior a quatro vezes o valor do indexante dos apoios sociais, fica o trabalhador sujeito ao pagamento de contribuições.
Em termos concretos os efeitos já se fazem sentir: recebida a informação da segurança social em julho, já há quem no mês seguinte tenha ido alterar a sua situação nas finanças. Agora que a entrada em vigor do diploma se aproxima quer parecer-me que muitos mais irão fazer isso. 
Se com esta prenda, é que o governo pretende dinamizar as terras do interior e combater o seu abandono, garantidamente errou a estratégia. Mais uma vez a discriminação positiva ou a atenção especial para com os territórios de baixa densidade não passam de figuras de retórica. Também não me parece que venha a ser criado um regime de exceção para quem trabalha a terra e ao mesmo tempo seja trabalhador dependente – não só não há dimensão, como quem nos representa não colocará esta questão na sua agenda.
Se as terras ficam a monte multam por não estarem cultivadas, se estão cultivadas pagam porque tiram proveitos. É caso para dizer: com prendas destas, o melhor é dedicarmo-nos à pesca.


Raúl Gomes
in:jornalnordeste.com

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