Aos 74 anos, Teresa Rocha Alves pode, finalmente, regressar a Portugal. Está há 52 anos na Venezuela, “tantos anos quanto a idade da minha filha mais velha”, revela ao ‘Mundo Português’ a emigrante natural a Ilha da Madeira. Sempre foi costureira, profissão que aprendeu ainda na Madeira. Entretanto perdeu o companheiro e hoje vive na Venezuela sozinha com três filhos dos quatros que tem. O mais velho emigrou da Venezuela para o Perú explicando à mãe “que não aguentava mais aquela vida”.
Mais de meio século depois de ter partido, pode visitar o seu país, ao abrigo do programa ‘Portugal no Coração’, promovido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, através da Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas) pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, através da Fundação Inatel, e pela TAP Air Portugal.
Teresa Rocha Alves confessa que estava “ansiosa” pela viagem, mas depois vai regressar porque por enquanto a Venezuela continua a ser o seu país, “apesar de todas as dificuldades que se vivem no país”.
A madeirense integrou o grupo de 15 emigrantes portugueses, residentes na África do Sul, Venezuela, Brasil e Argentina, que o ‘Portugal no Coração’ trouxe este ano a Portugal, entre 09 e 21 de novembro. Na edição deste ano, o programa incluiu visitas turísticas e culturais nos distritos do Porto, Lisboa, Leiria e Guarda. O programa proporciona uma visita a Portugal a cidadãos nacionais com mais de 65 anos, residentes no estrangeiro e que não visitam o país há mais de 20 anos, devido a várias circunstâncias. Mas os integrantes do grupo deste ano, já não vinham a Portugal há muito mais tempo.
“Encantada com tudo, muito feliz”
Maria Odete de Sousa, Maria Helena Pereira e Maria Clementina bem poderiam ser destacadas neste grupo como as ‘três Marias’ portuguesas do Rio de Janeiro. As duas primeiras naturais de Viseu e a terceira nascida em Vidago, são amigas de longa data. Para além da amizade têm também em comum viverem no Brasil há mais de 59 anos e nunca mais terem voltado a Portugal.
Helena Pereira, 67 anos, 59 dos quais vividos no Brasil, não se cansava de repetir a surpresa de reencontrar um Portugal muito diferente daquele que deixou. “Tenho dito que este não é mais o Portugal de Salazar. Quando emigrei, e com a idade que tinha, não percebia como o país era tão bonito. E agora, além de bonito modernizou-se”, elogiou.
Já Maria Odete de Sousa conta que diminuía as saudades do seu país com as constantes pesquisas na internet sobre Portugal e as coisas portuguesas. Agora pode, finalmente, visitar o país que deixou muito pequena.
Maria Clementina tinha 11 anos quando deixou Trás-os-Montes em direção ao Brasil, numa viagem feita de barco e que durou mais de um mês. Sessenta anos depois, regressou de avião ao seu país natal, onde nunca mais tinha estado. Só conseguia dizer que estava “encantada com tudo, muito feliz”.
O grupo foi recebido a 12 de novembro no Ministério dos Negócios Estrangeiros, pela secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes, numa ação que teve ainda a presença da Secretária de Estado da Ação Social, Rita da Cunha Mendes, do Diretor-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, embaixador Júlio Vilela, e do presidente da Fundação Inatel, Francisco Madelino.
“Temos de continuar a fazê-lo”
“Queremos estar próximo das nossas comunidades. Neste programa estamos a falar de idosos, pessoas que foram envelhecendo nos países para onde emigraram e que nunca tiveram oportunidade de voltar cá, nomeadamente por questões económicas. Este programa já trouxe mais de 800 pessoas a Portugal e temos de continuar a fazê-lo, não só para que estas pessoas tenham essa oportunidade que a vida não lhes deu, mas também para passar a mensagem de que eles são sempre portugueses e queremos que sintam que fazem parte do grande país que é Portugal espalhado pelo mundo”, disse a secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes, aos jornalistas à margem do encontro com o grupo que integrou a edição este ano.
A governante disse ser também “muito importante que todos os parceiros se mantenham” para que o programa “cujo simbolismo é tão importante”, continue a dar oportunidades “e alegrias” a pessoas “que durante tantos anos não vieram ao seu país”.
Pessoas como João da Silva Rodrigues, que era um rapaz quando deixou Macinhata do Vouga em direção ao Brasil, onde toda a vida trabalhou como padeiro. Questionado sobre há quantos anos não vinha a Portugal, as lágrimas responderam primeiro. “Porque a vida não foi fácil, era só trabalhar e por isso não vinha a Portugal há mais de 50 anos”, contou. Foi para o Rio Grande do Sul em 1963 porque naquela época a guerra em Angola não dava tréguas à juventude em Portugal. Como tinha cinco primos no Brasil, o país tornou-se o destino para o seu futuro. Lembra-se que naquele tempo começou a transportar o pão com uma carroça puxada a cavalo para distribuir de porta em porta à procura de realizar o seu sonho de Brasil.
Agora tem mais memórias para guardar, depois de uma viagem que o levou, e aos restantes membro do grupo, a locais como Lisboa, Porto, Vila Nova de Gaia, Aveiro, Linhares da Beira, Celorico da Beira, Foz do Arelho, Óbidos, Almourol, Fátima, Almada e Cascais.
Também a viver no Brasil desde os 11 anos, a transmontana Maria de Fátima Teixeira pode agora regressar ao seu país. Vive em São Paulo há 60 anos e disse ao ‘Mundo Português’ que “a vida nunca a deixou voltar”. “Às vezes quando houve a chance de vir, como estava casada com um estrangeiro, acabamos por ir para outros destinos e Portugal foi ficando esquecido”, recorda a portuguesa natural da Régua. Graças ao ‘Portugal no Coração’ realizou um sonho de há muito tempo e que já duvidava que conseguisse concretizar.
Na visita ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria de Fátima e os restantes integrantes desta edição do programa ouviram a secretária de Estado das Comunidades afirmar ser para si uma “oportunidade única” estar com o grupo. “Vocês sempre se sentiram portugueses, sempre sentiram amor por uma Pátria que é a vossa terra, o vosso chão”, afirmou Berta Nunes, esperando que regressem a casa “tendo reforçado esses laços com Portugal, que também tem a vocês como seus ‘filhos’”.
“Levamos o amor pela nossa Nação”
Da África do Sul vieram Maria Elisabete da Mata, 66 anos, e Manuel Orlando da Mata, 73 anos. São ambos da Ilha da Madeira e vivem ambos naquele país há mais de 50 anos.
Maria Elizabete tinha nove anos e Manuel Orlando tinha seis quando chegaram com as respetivas famílias à África do Sul. Conheceram-se na Cidade do Cabo, casaram há 45 anos e foram residir em Joanesburgo. Manuel Orlando nunca mais tinha regressado a Portugal e Maria Elisabete veio uma única vez, há 47 anos.
“Quando planeávamos, aparecia sempre outra prioridade, e com três filhos acabava pro haver algo mais importante”, lamentou Maria Elisabete. Agora, vieram reencontrar “um Portugal muito diferente” e puderam matar “aquele desejo que temos sempre de um dia voltar”. Em Manuel Orlando, a vontade de regressar nunca passou, nem mesmo depois de 67 anos sem voltar a pisar solo português, “porque o nosso país a gente nunca esquece”. Agora, tudo o que viram vão guardar na memória e revelar aos três filhos.
“Levamos o amor pela nossa Nação e muitas histórias para contar”, disse Maria Elisabete ao ‘Mundo Português’.
Há já 70 anos que Orlando João Caetano vive na Argentina, para onde foi com apenas dois anos, diretamente de Faro, Algarve. Nunca mais voltou a Portugal. Agora, a primeira coisa que fez quando chegou a Lisboa foi telefonar ao primo que vive no Algarve e com quem mantém contacto. Só lamenta não ter podido ir vê-lo, já que o programa de deslocação desta edição do ‘Portugal no Coração’, não passou por aquela região.
Contou que foi um amigo que apresentou a sua candidatura ao programa e teve a boa surpresa de ser selecionado para esta viagem. “Nunca pensei que me fosse acontecer”, afirmou explicando que, se não fosse o ‘Portugal no Coração’ nunca teria podido regressar. “As passagens são caras e já tinha assumido para mim que nunca teria a possibilidade de vir”.
E quando chegou, espantou-se com o país. “É tudo muito bonito, não imaginava que fosse assim”, disse. Ao filho, vai contar tudo o que viu e o impressionou e vai dizer-lhe “que precisa vir a Portugal”. “E quando chegar à Argentina, no meu coração levo o que é mais bonito. E o mais bonito é Portugal”, disse emocionado.
Em vigor desde 1996, o ‘Portugal no Coração’ é organizado e gerido pela Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas e pela Fundação Inatel. O programa já trouxe mais de 800 emigrantes portugueses a Portugal.
Ana Grácio Pinto
Com José Manuel Duarte
Fotografia: António Freitas
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