Mais postos de trabalho, equipas mais coesas, maior confiança para inovar e aumento da procura são algumas das mudanças relatadas pelos chefs dos três restaurantes portugueses que há um ano receberam a primeira estrela do Guia Michelin.
No “G Pousada”, projeto que os irmãos Óscar e António Gonçalves abraçaram em 2014 na Pousada de São Bartolomeu, em Bragança, as brigadas da cozinha e da sala duplicaram no último ano para responder à procura.
Os telefones da pousada não pararam na noite de 21 de novembro do ano passado, quando o G Pousada recebeu a primeira estrela do Guia Michelin Espanha e Portugal, relataram à Lusa, afirmando que passaram a receber clientes de todo o mundo. A quem os visita fazem questão de mostrar produtos regionais, como o cuscuz de Vinhais, dos azeites aos vinhos ou às facas, cujos cabos são feitos das hastes de veado que caem todos os anos. “Temos sempre elementos sazonais da nossa região. Não faria sentido de outra forma porque quem vem a Trás-os-Montes quer provar Trás-os-Montes”, comentou Óscar Gonçalves.
O chef compara o sentimento de receber a distinção do “guia vermelho” com a de ser pai: “Uma sensação de alegria e ao mesmo tempo de impotência. Quando nasce um filho pensamos, ‘será que nós vamos conseguir ser bons pais e criá-lo’? E aqui foi a mesma coisa, ‘será que eu vou conseguir manter’?”.
Uma sensação que rapidamente ultrapassou: “Continuámos e mudámos cartas e estamos a avançar e a aprender todos os dias (…). Conseguimos, agora temos que manter e lutar para mais”, descreveu.
Outro chef que se orgulha de um feito inédito é Pedro Almeida, que alcançou a primeira estrela em Portugal para um restaurante asiático, o “Midori”, em Sintra. “É um marco na história. Já ninguém nos tira”, disse.
No “Midori”, o restaurante japonês mais antigo em Portugal, Pedro Almeida aprofundou o conceito dos menus de degustação de cozinha japonesa, para o qual percebia que havia um público cada vez mais interessado.
“Nós não queremos fazer aqui um misto de cozinha japonesa com cozinha portuguesa. Nós queremos fazer cozinha japonesa, mas onde nós contamos as histórias da nossa infância, explicamos os nossos produtos, aquilo que nós fazemos cá em Portugal e, portanto, tem aqui muito de nós, de Portugal, neste menu”, explicou à Lusa.
Sobre as principais mudanças que notou no último ano, Pedro Almeida disse que “a equipa ficou mais forte”, por terem conseguido “alcançar todos juntos um objetivo”, e ganhou “mais confiança para fazer menus novos, para criar pratos novos e (…) ainda mais arrojados e interessantes”.
Mas Pedro Almeida garante que não sentiu mais pressão: “Nós tínhamos a mesma pressão antes de ganhar uma estrela que temos hoje em dia. (…) Para nós, [os clientes] são todos inspetores [do guia]”.
Os clientes duplicaram e a novidade é que agora há “muitos, muitos mais portugueses”.
Foi também o mercado interno que, inicialmente, mais aumentou no restaurante “A Cozinha”, em Guimarães, afirmou à Lusa António Loureiro. “A Michelin é uma marca muito forte, que chega a todos os cantos do mundo e há pessoas que vêm diretamente da Dinamarca, Suécia, Bruxelas ou Taiwan”, exemplificou o ‘chef’, há pouco mais de três anos à frente do projeto.
Um ano depois, António Loureiro considera que aumentou a pressão, até pela consciência de que há visitantes que só se deslocam a Guimarães por causa do restaurante. “Passámos a sentir que realmente as pessoas lá fora têm uma expectativa muito grande em relação ao que é o restaurante e ao que é isto das estrelas Michelin”, admitiu.
De resto, garantiu, não houve grandes alterações na sua cozinha: “Não mudámos muita coisa. Tínhamos consciência do trabalho que tínhamos a fazer, ganhámos uma estrela porque estávamos a fazer bem”. “A Cozinha” oferece uma gastronomia tipicamente portuguesa, “não só no produto, como no receituário e na própria tradição”.
“Temos sempre em todos os pratos muita ligação à terra, àquilo que é a nossa cultura gastronómica”, descreveu, explicando que há uma preocupação em “equilibrar” alguns dos “pecados” da cozinha portuguesa e torná-la “mais atrativa e mais moderna, mas também mais moderada”.
“A nossa cozinha tem muita gordura, muito sal, muito açúcar, muitos hidratos, muita proteína. Aquilo que as pessoas procuram, mais do que se alimentarem em quantidade, é alimentarem-se em qualidade e ter uma experiência diferente”, defendeu.
Sobre a edição ibérica do Guia Michelin de 2020, que será conhecida esta quarta-feira, nenhum ‘chef’ arrisca grandes prognósticos. Todos esperam manter a distinção no próximo ano e afastam a possibilidade de receber a segunda estrela para já. Por enquanto, dizem, há que consolidar o trabalho.
Óscar Gonçalves resume bem o sentimento da classe: “Só peço que o Guia seja generoso para Portugal, porque quantos mais formos mais peso temos, mais capacidade temos e o roteiro maior se torna neste pequeno canto na Europa”.
Sem comentários:
Enviar um comentário