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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 18 de agosto de 2024

As relações de proximidade entre Bragança e Zamora – O contrabando

Uma das relações de proximidade mais conhecida entre as pessoas dos dois lados da fronteira Bragança/Zamora passava pelo contrabando, atividade marginal e clandestina que ao longo dos tempos constituiu fator relevante, contribuindo para uma melhoria dos fracos recursos provenientes da agricultura de subsistência então praticada pelas respetivas populações, especialmente as do lado português.

Vista sobre o Rio de Onor

Desde gado bovino e caprino, a produtos como café e bacalhau, tecidos, calçado, bebidas alcoólicas, entre outros, tudo passou de um lado para outro, pela escuridão da noite, ludibriando os representantes da autoridade dos dois lados. Até trabalhadores e emigrantes indocumentados passaram pelos “carreiros do contrabando”, quando a emigração era proibida em Portugal, estando condicionada à obtenção do “passaporte de emigrante”, muito complicado de conseguir dadas as inúmeras dificuldades levantadas a tal pretensão.
Este fenómeno, que perdurou ao longo de muitos anos, ainda hoje faz parte do imaginário construído sobre o passado por essas pessoas que viveram a raia, constituindo-se eventualmente numa das maiores bandeiras da sua identidade, sendo totalmente transversal naquilo que podemos designar como hierarquia das aldeias raianas.
No dizer de Eduardo Araújo, “as histórias dos grupos de dez, quinze e vinte pessoas, carregados com fardos de 20 kg de café, a andarem 20/30 km por noite, pelo meio do mato, à chuva e à neve, até uma qualquer povoação espanhola, são algo bem mais do que abundantes: são um dos traços mais importantes da forma, segundo a qual estas pessoas se reveem hoje”.
Tal como referimos, contrabandeava-se um pouco de tudo, à mercê da procura que aparecia e da oferta que era possível proporcionar, pelo que os produtos objeto de contrabando mudavam frequentemente. Apenas um permaneceu ao longo das décadas de contrabando: o café. Proveniente das ex-colónias portuguesas, era considerado pelos espanhóis como muito melhor do que o deles, para além de o conseguirem a um preço bastante inferior ao praticado em relação ao café espanhol.
A forma de contrabandear variava de uma aldeia raiana para outra, longe de ser uniforme, totalmente
adaptada às características orográficas existentes e também à capacidade de compra das respetivas populações.
Nas aldeias de Guadramil e Petisqueira praticava-se, essencialmente, o denominado contrabando “à jeira”, ou seja, levavam as cargas a um sítio previamente determinado e, no regresso, o dono da mercadoria contrabandeada pagava-lhes o acordado, que designavam como jeira.
Em Rio de Onor, pela sua situação particular e única no Concelho de Bragança, o contrabando praticava-se a dois níveis:
os residentes, sempre que podiam, compravam alguma mercadoria aos comerciantes locais e vendiam-na em Espanha, mais cara, somando assim algum pecúlio aos seus magros rendimentos;
muitos lameiros situados num ou noutro lado da raia pertenciam a portugueses e espanhóis, permitindo, com alguma facilidade, o contrabando de gado bovino e ovino, sem que os guardas-fiscais portugueses e os carabineiros espanhóis pudessem intervir, embora desconfiassem que tal ocorria.
No Portelo e em Montesinho, para além do aludido contrabando à jeira, praticava-se igualmente um contrabando em escala acrescida, de proporções assinaláveis, levado a cabo por pessoas abastadas e, sobretudo, ligadas a redes que trabalhavam do lado de lá da fronteira, já com algum profissionalismo. É evidente que por detrás deste contrabando em larga escala estavam, obviamente, médios e grandes comerciantes da Cidade de Bragança, únicos capazes de comprar as respetivas mercadorias sem levantar suspeitas às autoridades.
O contrabando era uma atividade que envolvia perigo. As pessoas que o praticavam podiam ficar sem as mercadorias e a consequente perda dos poucos recursos que nelas tinham investido, podendo ainda ficar presas por tempo indeterminado e até mesmo correr perigo de vida.
Foi desta prática de contrabandear produtos para o outro lado da fronteira – e que se prolongou até 1992 (Acordo de Schengen) – que se originaram profundas relações de amizade, de cumplicidade e de conhecimento entre pessoas dos dois lados da fronteira, numa rede aparentemente invisível, mas geradora de profundas e duradouras relações sociais transfronteiriças.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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