Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
- O nosso rapaz continua na política?!
Perguntou o velho... escondendo a vaidade, pois ele era um amante da democracia, censurando os invejosos que hão de falar sempre mal de quem trabalha pela educação, pela saúde e pelos velhos.
- Aquele rapaz... com o cursinho dele não precisava nada destas coisas da política... que só trazem desgostos e inimizades... Eu bem o avisei!
Pois é, a mãe bem o tinha avisado que não se metesse na política, mas quê o rapaz trazia no sangue aquele fulgor do seu avô, velho republicano, um homem honrado e são como um pero, que combateu o Franco e ajudou, a vida toda, os espanhóis que se refugiavam no sossego do Nordeste Transmontano fugindo ao negrume da Guerra Civil.
E a mãe morria de tristeza por causa daquele filho... tinha tantos inimigos o seu menino... Antes de se meter nestas coisas da política, toda a gente lhe queria bem, regressava a casa cedo vindo do seu emprego, saía com a sua namorada e tinha uma vida tão boa... Agora, é este desassossego, esta corrida constante para o Partido, para as reuniões, é este medo desenhado no seu rosto e que a mãe conhece desde pequenino.
- Mas também quem fala mal do nosso rapaz?
Dizia o velho que sem a resposta da sua velha, respondia ele:
- Um, é um vigarista refinado que pára ali pela tasca da viela... fala mal de meio mundo... ri-se muito... tem muita laracha, mas se um homem não acautela a carteira está bem arranjado... Gente de respeito... não conheço nenhum!
Mas a mãe não se resignava e achava que o seu homem também estava muito triste e havia de morrer com aquele desgosto de ver o filho a ser enxovalhado por gente que não vale duas coroas.
- O nosso rapaz anda meio doente!
Teimava a mãe, como quem sabe que a política traz consigo a inveja, o ódio e o prenúncio de todos os males.
- O nosso rapaz é um bom homem...
Dizia o velho reconfortado.
- Pois é... Só é mau para ele...
Dizia a mãe enquanto afagava um sorriso longínquo, lembrando-se de tanta gente a quem o filho ajudou a procurar emprego, da alegria de meio mundo que encontram no seu filho a disponibilidade de quem está ao serviço dos outros e faz política discretamente... sem se ver... sem traições... nem arranjos calculados na penumbra da vilania.
- Vamos à cama!
Diz o velho como quem cumpriu um dever de esclarecer a sua velha das coisas da vida, pois ele tinha obrigação de o fazer porque num tempo antiquíssimo tinha frequentado a escola primária... e ao longo da vida, fez a magnífica escola de conhecer, primorosamente, as fragilidade da natureza humana.
Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança.
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.
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