Foto: Inês Catry |
A equipa de cientistas do projecto Birds on the Move está a seguir cerca de 60 cegonhas-brancas portuguesas por GPS, incluindo juvenis de primeiro ano, imaturos (de dois a três anos) e adultos reprodutores. E em 2021, no âmbito da investigação sobre estas aves, prevêem marcar outras 40.
Uma das investigadoras ligadas ao projecto, Marta Acácio, falou à Wilder sobre algumas descobertas que têm sido feitas desde o início deste seguimento, em 2012. Fique a saber cinco curiosidades sobre a migração das cegonhas:
1. A tradição já não é o que era… mas algumas ainda rumam a África
“As cegonhas tradicionalmente migram para a África sub-sahariana e até aos anos 80 as cegonhas portuguesas invernariam na zona do Sahel”, recorda a investigadora ligada à Universidade de East Anglia, no Reino Unido. “Contudo, actualmente a maioria dos adultos passa o Inverno em Portugal e Espanha, e apenas 23% dos nossos adultos marcados passam o Estreito de Gibraltar, rumo a sul.”
Foto: Carlos Pacheco |
Em causa estão as vantagens de migrar ou não, nota Marta Acácio, lembrando que esse é um tema principal do projecto. Como na Europa costumava haver menos alimento no Inverno, as cegonhas antes partiam todas para África, para áreas onde iriam encontrar alimentação abundante. “Mas migrar 3.000 quilómetros até às áreas de invernada acarreta inúmeros riscos.” Por exemplo, muitas morrem exaustas ou perdidas antes de chegar ao destino.
Hoje em dia, “ficar todo o ano perto das áreas de reprodução, se houver alimentos em abundância, parece assim ser uma enorme vantagem, e os não-migradores conseguem poupar muita energia e aumentar a sua probabilidade de sobrevivência.”
Das cegonhas que seguem caminho para África, algumas ficam logo em Marrocos para passar o Inverno; outras atravessam o deserto do Sahara e invernam no Senegal, Mali, Niger e no norte da Nigéria.
“Quanto aos juvenis, no primeiro ano de vida, são todos migradores”, esclarece. Destes, “a grande maioria atravessa o deserto do Sahara, mas uma pequena percentagem inverna em Marrocos.”
2. São mais rápidas a ir do que depois no regresso
Entre cegonhas adultas e juvenis há ligeiras diferenças, mas mesmo aves com a mesma idade mostram grandes variações na forma como migram: “Alguns indivíduos fazem a migração toda de uma vez, sem paragens, enquanto outros param muitas vezes em aterros sanitários, lixeiras e zonas agrícolas para se alimentar.”
Foto: Inês Catry |
As cegonhas que migram no Outono para África demoram em média 25 dias a chegar, se forem adultas, mas 34 dias se forem juvenis. Já o regresso leva mais tempo para todas, “devido a paragens mais longas em Marrocos e Espanha antes de voltarem a Portugal”.
É aliás no regresso que se nota mais diferença entre juvenis e reprodutoras. “Os adultos vêm com mais pressa para voltarem aos ninhos e então a sua migração dura em média 42 dias”, mas as aves mais novas chegam a demorar mais de três meses, pois “normalmente páram durante longos períodos em Marrocos depois da travessia do Sahara.”
Mas apesar de poderem demorar vários meses, também há aves bem mais rápidas, ressalva a investigadora: há registos de adultos e juvenis que fazem a migração de Outono em 13 dias, tudo sem paragens. Excepto à noite, quando as cegonhas não voam “por dependerem dos ventos e correntes térmicas para ganharem altitude suficiente para a migração”.
3. Levam 12 dias a atravessar o maior deserto do mundo
Deserto do Sahara. Imagem de satélite: Pixabay |
O Sahara, o maior deserto de areia do mundo, pode ser um desafio para as aves migradoras. “Como é uma paisagem muito seca e hostil, há poucos locais apropriados para parar e comer no caminho.”
Por outro lado, “o elevado calor do deserto proporciona boas correntes térmicas e bons ventos para as aves ganharem velocidade e atravessar esta barreira geográfica o mais rapidamente possível.”
Esta é a etapa da viagem em que as cegonhas voam a maiores velocidades e fazem mais quilómetros por dia, concluíram os cientistas. Ainda assim, demoram em média 12 dias para atravessar o deserto, percorrendo cerca de 200 quilómetros por dia. Mas há surpresas: “Já tivemos um juvenil a viajar mais de 600 quilómetros num só dia!”, destaca a investigadora.
Já o Estreito de Gibraltar, por onde estas e outras aves da Península Ibérica atravessam o Atlântico, faz-se em cerca de 20 minutos. “Se os ventos não estiverem favoráveis para a travessia, então as cegonhas ficam em Tarifa alguns dias à espera da melhor oportunidade para passar [os 14 quilómetros do Estreito].”
4. Partem no Verão e regressam no Inverno
A época de migração “é bastante longa e muito variável.” O pico da chamada migração de Outono, quando partem para África, acontece afinal em Agosto, em pleno Verão, mas as primeiras cegonhas saem logo no início de Julho e as últimas em fins de Setembro.
Da mesma forma, descreve Marta Acácio, “no regresso existe também uma grande variação”: as cegonhas adultas que invernam em Espanha chegam a Portugal geralmente em Novembro, as que invernam em Marrocos chegam normalmente em Dezembro, enquanto as que migraram para a África sub-sahariana já aqui estão entre o fim de Dezembro e fins de Janeiro.
Quanto aos os juvenis, o regresso costuma acontecer meses mais tarde: “Começam a migração primaveril entre Outubro e Março, mas como param durante longos períodos em Marrocos, a chegada a Portugal só acontece já a meio da Primavera, entre Março e Maio.”
5. São baptizadas de forma criativa por quem as segue ao longe
E se seguisse várias dezenas de cegonhas por GPS, como acontece neste projecto? O mais prático seria dar um nome diferente a cada uma. “Elas são tantas que os nomes ajudam muito para nos lembrarmos em que ano foram marcadas e de que colónias elas são. Para além de que é sempre uma das partes mais divertidas e mais criativas da época de campo!”, concorda Marta Acácio.
Para as cegonhas adultas, a equipa opta por nomes que referem os locais de onde são. “Por exemplo, temos uma cegonha chamada Fernandes que foi marcada na Aldeia dos Fernandes, e também temos o Corvo e o Neves, ambos os adultos marcados na Mina de Neves Corvo.”
Já nos juvenis, como se marcam vários por cada colónia, optaram por ter um tema diferente para cada um desses conjuntos. “Alguns temas são um pouco mais formais, como a colónia das “constelações” (em que temos o Orion e a Cassiopeia) ou a colónia dos “cientistas” (com o Humboldt e a Marie Curie).”
Foto: João Gameiro |
“Há outros temas em que somos um bocadinho mais criativos”, adianta a bióloga. Exemplos? “Na colónia das “séries de tv”, onde temos a Arya e o Hound, ou na colónia da “comida” onde já marcámos o Brás, o Lagareiro, a Cabidela e a Sericaia.”
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