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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 29 de agosto de 2021

A Caminhada (2016) (revisto)

 Por: Manuel Amaro Mendonça
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Exausto, foi com grande alívio, que o octogenário se deixou cair no banco de jardim, na entrada do parque. Aquelas caminhadas custavam-lhe cada vez mais e, pelos vistos, demoravam cada vez mais. Estava a começar a anoitecer. Fez um esforço para recordar a que horas saíra de casa, mas não conseguia.

Deixou-se ficar um pouco a restaurar as energias… noutros tempos, achava ele que não há muito, faria todo aquele percurso a correr e quase sem transpirar, mas agora… como se pusera naquele estado?

Olhou com curiosidade os sapatos de quarto, empoeirados, como se os visse pela primeira vez; os seus pés estavam “gordos” e o calçado parecia querer rebentar. "Não admira que me sinta cansado! Tenho de fazer uma dieta!" Pensou de si para si. "Recuperar a forma, esta fadiga só pode ser banhas, olha-me que patas”.

Recostou-se e esticou preguiçosamente os braços pelas costas do banco, enquanto apreciava o trânsito barulhento e apressado.

O seu olhar fixou-se no enorme edifício na esquina: "Que esquisito, não me recordo de ter sido derrubada a padaria e já ali está um prédio de uns sete andares, pronto e habitado! Não há dúvida que tudo agora é construído a uma velocidade estonteante!"

Uma carrinha branca imobilizou-se ao pé do edifício e descarregou dois fardos de jornais, antes de arrancar em grande velocidade. Estranhou a distribuição do jornal tão tardia, normalmente acontecia de madrugada. "Está tudo tão diferente…" Ainda se recordava do sinaleiro, luvas e capacete brancos a gerir o transito naquela esquina, antes da sua substituição pelo semáforo, que empoleiraram muito alto, mesmo no meio do cruzamento. Não foi assim há muito tempo… mas também o semáforo lá não está, foi substituído por um conjunto de colunas, cada esquina sua, com o seu próprio conjunto de luzes… de certeza que fora feito para a autarquia ajudar a enriquecer um qualquer fabricante amigo. Sorriu com a sua própria maledicência.

— Bom dia! — A voz masculina sobressaltou-o, fazendo-o descobrir a seu lado o jovem polícia que o mirava com curiosidade.

— Boa tarde! — Corrigiu-o.

— O senhor está bem? — Perguntou o agente.

— Eu? Sim, estou! E você? — Ele não estava a perceber a razão da abordagem.

— Eu também estou, obrigado! — O polícia endireitou-se com um sorriso e afastou-se num passo curto para a berma da rua, sem o perder de vista. Pegou no telemóvel e fez uma chamada.

Ao fim de um minuto ou dois, fitou com suspeição o agente que regressava, sempre com um sorriso nos lábios.

— Posso perguntar-lhe o seu nome? — O jovem voltava à carga.

— Posso saber porquê? — Respondeu na defensiva. — E o seu, qual é?

— Peço desculpa pela minha falta de maneiras. — A boa educação do polícia começava a ser irritante. — Meu nome é Meireles!

— E eu sou obrigado a dizer-lhe o meu? — Agora estava a ser deliberadamente insolente.

— Não, claro que não. Não está a fazer nada de mal. — O jovem exibiu um rosto triste. — Era simples curiosidade.

— A minha mãe dizia que a curiosidade matou o gato! — Atirou com um ar de triunfo, voltando o rosto para o lado, como que indicando que acabara ali a conversa. — Tenha uma boa tarde! — Rematou.

— Um bom dia, quer o senhor dizer! — O rapaz era insistente. — Ainda é de madrugada, o sol está a nascer agora. — Apontou para as silhuetas dos prédios onde um clarão avermelhado parecia querer sobrepor-se às trevas.

— Madrugada? — O rosto dele tornou-se uma máscara de espanto, enquanto a sua mente trabalhava em alta velocidade: "A que horas saíra de casa? Quanto tempo caminhara?... De onde viera?"

Um pequeno Opel Corsa parou bruscamente ao lado do passeio onde os dois se encontravam. Outro jovem, este à civil, correu para eles e olhou-o nos olhos, preocupado.

Já eram dois de volta dele, que estava naquele estado de confusão… começava a ficar assustado, quando o recém-chegado disse finalmente, numa voz estrangulada:

— Pai! Graças a Deus! Andamos a noite inteira à tua procura!

Manuel Amaro Mendonça
nasceu em Janeiro de 1965, na cidade de São Mamede de Infesta, concelho de Matosinhos, a "Terra de Horizonte e Mar".
É autor dos livros "Terras de Xisto e Outras Histórias" (Agosto 2015), "Lágrimas no Rio" (Abril 2016), "Daqueles Além Marão" (Abril 2017) e "Entre o Preto e o Branco" (2020), todos editados pela CreateSpace e distribuídos pela Amazon.
Foi reconhecido em quatro concursos de escrita e os seus textos já foram selecionados para duas dezenas de antologias de contos, de diversas editoras.
Outros trabalhos estão em projeto e sairão em breve. Siga as últimas novidades AQUI.

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