São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)
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Mesmo nas piores circunstâncias e privações o Ser Humano possui uma capacidade de adaptação Covid 19 que se interpuseram no seu caminho. Mas, em tempo de normalidade, tende a pensar que a última já se foi e que a vida é apenas o "dolce fare niente" e “uma festa sem fim”, cuja realidade é uma utopia. Parece-me que o momento atual é algo inédito, muito sério e imprevisível.
Atualmente estou aposentado e condicionado a viver de parcos recursos. A inflação voltou, e muitos se têm locupletado nesse momento, onde os quarentemados pouco podem regatear. Tento aproveitar o tempo ocioso da forma que mais me apraz; lendo os meus livros, ouvindo a minha música, escrevendo as minhas crónicas, poesias e contos ou pesquisando, ora um assunto, ora outro, às vezes quatro ou cinco concomitantemente. Percebo que quanto mais adquiro conhecimento, mais sinto a falta dele. Mas, é impossível viver setenta anos durante uma pandemia que, espero, não passe de um ou dois anos; no máximo! O Saber me ocupa a cabeça e o coração. À procura da razão do meu “existir”, tento ocupar meu tempo em sintonia com aquilo que desde muito novo desejei para mim, quando o trabalho deixasse de ser a coisa mais importante da minha vida.
Assim passei a dar atenção ao raiar da Aurora e ao Por do Sol, a tentar reconhecer quais são os pássaros que cantam no bosque aqui ao lado de onde moro. Também dou agora maior importância à previsão meteorológica, da "media" e dos telejornais.
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B
Antes da pandemia, no início de 2020, eu estava quase contente com o meu fado; eu era apenas um aposentado que queria trabalhar para manter o ”status quo” de quem nada falta em casa. Em verdade, o ”quase contente” não deve ser levado em muita conta, pois o dinheiro que arrecado no mês sequer dá conta do condomínio e dos dois planos de assistência médica que temos. Pouco fica para o combustível do carro, uma ou outra fugidinha para comer num almoço num ”self service” localizado algo distante, à beira de uma rodovia estadual. Luxos tão simples; mordomia diminuta que, depois de um ano de quarentena, sinto-a como se fora o ápice de uma vida perfeita. Nos tempos anteriores, podiam-se abraçar as pessoas, bater-lhes nas costas, falar próximo, discutir um pouco de economia, ciência, literatura, política e de futebol, coisas banais, que agora se tornam alvos de recorrência futura. Eis que então, desaba sobre nós e sobre este mundo (pobre mundo), algo que é definido por um vocábulo quase desconhecido que dá pelo nome de Pandemia. E de repente a minha caminhada serena sofreu um percalço que pôs tudo em estado de sítio.
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C
Há mais de um ano que a abertura dos noticiários da TV ou das emissoras de Rádio, bem assim como os títulos dos jornais se faz invariavelmente com algo que passou a ser o assunto tão falado e de tal abrangência que todo o mundo desde os países mais pobres aos mais poderosos, lhe estão submetidos. E eu passei de um estado de quase Felicidade, só agora sei, para outro de Inconformismo e Angústia. Tornei-me mais ansioso; infinitamente mais... .
Não fará sentido eu repetir o que, de tão recorrente e de todos conhecido; o ritual da informação de casos vários de Hospitais e Lares de Idosos que fazem lembrar cenas que o próprio Dante Alighieri teria dificuldade em descrever no “Inferno” da sua Divina Comédia. O caminho que era liso e que serpenteava pelo prado em Flor, onde dava prazer sentir a Natureza passou de idílico a tenebroso. Os livros trazem-me palavras ao acaso e o que dizem para mim deixou de fazer sentido, a música é agora cansativa e impertinente e a gente vagueia com os olhos sonolentos, vendo o mundo lá fora; onde casais mais jovens e seus pequenos filhos, transitam sem máscara e sem medo, pelas alamedas do condomínio: “São Paulo é uma festa”, diriam (ou pensam) eles; parece que nos estão ensinando, enquanto nós, os idosos, nos abstemos de falar com vizinhos, entregadores ou funcionários do condomínio; e quando o fazemos, nos vestimos de astronautas; de máscara chapéu, óculos e camisa de manga comprida; nos tornamos algo que não somos; criaturas frias, desconfiadas, estranhas e irreconhecíveis! Somos um grupo de gente desconhecida, até para os parentes e os mais chegados, havendo casos de rejeição por falta de diálogo, posto que as máscaras impedem que nos comuniquemos, tornando-nos fantasmas vagabundos.
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D
Os políticos nunca foram um exemplo, mas agora estão também assustados e não dizem “coisa com coisa”. Pudera, a Economia está afundando e seus privilégios podem erodir-se. Talvez, por isso mesmo, travam batalhas sem quartel com inimigos políticos, visando desencorajá-los de disputar a próxima eleição maior, que será levada a efeito em 2022. Todos dizem saber mais e fazer melhor que aqueles que estão no poder; enquanto isso, meia dúzia de variantes do Covid-19 são criados diariamente no Brasil e em outras partes do mundo, do nada! E assim, continua matando e contaminando mais intensamente e com velocidade cada vez maior, aqueles que se dedicam aos serviços essenciais, aqueles que fazem questão de participar de festas particulares em grandes aglomerações, e ainda pelos valorosos profissionais da saúde, que se dedicam, incansavelmente, todos os dias, a prosseguir, ainda que às cegas, a dar uma ajuda aos que sofrem; os entubados, os ”sem ar”, aqueles que sentem dores terríveis e aqueles que clamam aos enfermeiros e médicos, que passem recados aos seus filhos e esposa(o)s, dizendo que os ama. Sei da dureza que deve ser a vida dos profissionais de saúde em tal momento! No Brasil existe um documento, emitido pelo Ministério da Saúde, cuja edição que consultei era datada de 2014, tendo como título “Plano de Respostas Emergenciais de Saúde Pública”, onde em seu parágrafo 5.3.2 reza que,...” durante uma atuação prolongada, deve haver procedimentos de rotina que permitam descanso conveniente às equipes de saúde, para manter a qualidade da atuação”. Obviamente o MS não tem levado à risca sua própria recomendação; ainda que essa pandemia tenha sido inesperada.
Continuam nos seus postos, os Médicos, Enfermeiros, Fisioterapeutas, Pessoal da Limpeza e o Pessoal Técnico; que têm travado um duelo de vida ou morte que nós vagamente reconhecemos. Somos uns mal-agradecidos. Deveríamos tecer mais loas a eles!
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E
Estamos em compasso de espera para tomar as duas doses de vacina que, se não nos torna imunes, tem o condão de nos fazer acreditar que o pior já passou; mesmo sem saber se passou mesmo! Dependemos, e muito, dos cientistas que puseram em marcha todas as pesquisas para se evitar a contaminação da Humanidade. Será que o vírus surgiu a partir de um descuido de um desses, ou será que foi a própria Natureza que procedeu arranjos nas peças, avarias pelo Homem, nas sua máquina Suprema?
Seja o que for, estou (creio que todos estamos) farto da Pandemia. Urge vacinar rapidamente a população mundial e criar condições econômicas para que aqueles que não morreram da Covid, morram de fome ou de loucura. Pensar isso parece utopia, mas a mim já estragou alguns dias.
Os Livros, aos poucos, deixam de me encantarem, a Música soa à barulheira e o Sol, a Lua e a Chuva, deixaram de me seduzir. Agora, minha paixão é ouvir o canto dos pássaros. Às vezes pressinto que eles sabem pelo que estamos passando; e nos aliviam da única forma que conhecem!
No telejornal, o entrevistado infectologista disse, agora, que o governo talvez tenha que declarar o Estado de Emergência, já que os números atingem cifras elevadíssimas. O Brasil agora é o país em que mais morrem vítimas da Covid 19 em todo o mundo. Os Ministros da Saúde vão se sucedendo, o presidente sente-se amarrado pelo STF, os governadores não se entendem muito com os prefeitos: e assim ”la nave vá”! É tempo de mudarmos de paradigma, mas parece-me que não teremos tal discernimento, pois quem manda no mundo quer que seja assim; e as lições que Deus nos dá, entram-lhes por um ouvido e saem-lhes pelo outro. Esta é uma crônica que rasgou meu peito e passou pelos dedos e pelo teclado. Foi impossível segurar!
Quanto tempo poderá durar esta incerteza, este destruir da Humanidade que espera ansiosa pelos dias felizes de um passado recente que nos permitia andar de cara destapada e reconhecer as gentes que falavam sem panos na boca?
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 9 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.
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