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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Claudina deixa a capital, regressa à aldeia

“Quem celebra a grandeza das cidades não sabe nada, não sabe que quando um galo canta em Barca d’ Alva é ouvido em três distritos e dois países.”

A tia Claudina aguentou-se na cidade a muito custo, vivendo num susto permanente, ora nos períodos de conturbação social, ora nos períodos de acalmia, que adivinhava de curta duração.

Era sempre cheia de medo que se aventurava a ir sozinha às ruas principais, regressava apavorada com as notícias dos jornais sobre a Grande Guerra.

Só pela insistência das cunhadas, ia com elas passear na Rua Augusta, no Rossio, no Chiado e fazer compras, ou assistir a espectáculos de teatro e cinema. Se isso não fosse, teria vivido enclausurada, cuidando dos sobrinhos, sem nada usufruir da vida citadina. O seu íntimo desejo era regressar à sua aldeia onde se andava pelas ruas em sossego, e não havia jornais a levar diariamente a população para os campos de batalha pela Europa toda.

Na aldeia não havia racionamento de bens essenciais. As colheitas dependiam do sol e da chuva no tempo certo. Era esse o único regulador: a clemência da natureza e não o desígnio dos homens. Assim, o cereal amadurecia nas espigas ao ritmo de sempre, o malho ritmado separava a palha do grão, a água movia os moinhos na repetição do movimento, em cada forno a massa levedada entrava e saía sobre a pá que a mulher manejava num vaivém ancestral. E o cheiro do pão acabado de cozer espalhava a notícia do alimento sagrado. (…) Finalmente, Claudina entrou no comboio rumo ao Norte com as malas de roupa e as caixas de chapéus. Foi no Porto, ao embarcar na Linha do Douro, que a estranheza com que a olhavam lhe deu a consciência de regressar outra, diferente da que partira. Na primeira classe, era a única senhora com o vestido dez centímetros acima do tornozelo, meias de seda em tom bege, sapatos de biqueira arredondada, de salto alto confortável com tira e fivela; cabelo cortado e chapéu apequenado com vistoso adereço brilhante. Sentiu- se o alvo da atenção, sobretudo das senhoras que, nas suas indumentárias antigas, a iam inspeccionando em olhares furtivos. (…) O comboio avançava serenamente na margem do Douro onde os vinhedos replantados alternavam ainda com extensas áreas abandonadas. Mas quando se embrenharam na rudeza da paisagem vizinha de Espanha, Claudina guardou o livro, disposta a apreciar os montes, os desfiladeiros abruptos que as pontes ferroviárias transpunham, as aves que planavam no alto e sentia-se de novo filha daquela terra agreste, daquele rio aprisionado pelas margens. Esqueceu o figurino estrangeiro das roupas que a cobriam. (…)

Sílvia Lamas
In Luzeiros na bruma dos dias

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