Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
No quintal da casa onde nasci e vivi até aos dezoito anos havia por esta altura do ano, lírios e outras flores. O quadrilátero desenhado pela guia feita em cimento que fazia de caixilho e o delimitava de três lados, fora concebido para que o seu interior fosse reservado a horta e aí não se plantavam flores.
Nos meses em que as alfaces e o feijão verde estavam prontos a colher, as flores estavam confinadas aos vasos que ostentavam cravos vermelhos e brancos e a bordejar o rectângulo das leguminosas apresentavam-se magníficos os lírios. Ao fundo no espaço voltado para a Cortinha da Albininha Guerra havia uma árvore que dava flores de lilás de cor roxa levemente raiadas de branco.
O meu pai cuidava do quintal que sendo um retângulo quase perfeito quando a festa dos legumes e das flores acontecia e a necessidade da rega chegava imperativa eu e o meu irmão Marcelo tínhamos atribuída a tarefa de trazer água suficiente para regar a horta. Em casa não havia água corrente e era necessário ir buscá-la à fonte.
Num tempo mais afastado, digamos até aos meus dez anos havia apenas uma bica que se encontrava na Rua do Norte em frente à Taverna do João Francês. Posteriormente a Câmara colocou uma outra bica de torneira ao cimo da Caleja do Forte, junto à casa onde vivia o Tio Alberto Mirandela e que distava uns vinte metros da minha casa. Foi esta pequena mudança na distância da fonte em relação à nossa casa que ocasionou uma mudança radical na produção de couves e alfaces, tomates e até feijão-verde.
Eu e o meu irmão Marcelo por sermos os caçulas estávamos incumbidos de apanharmos água suficiente para todo o consumo que a casa e o quintal exigiam para que tudo corresse como seria desejado.
Foi neste espaço de tempo em que eu frequentei a Escola da Estação e aprendi a estimar tudo o que a Natureza nos proporcionava quando a estação apropriada nos oferecia todo o necessário para refeições fantásticas que a minha mãe confecionava com amor e muita competência.
O friso dos lírios e os vasos dos cravos, tenho-os na minha memória com se hoje os olhasse, com o enlevo que aquele tempo mágico mos apresentava. O lilás continua a ser um símbolo de beleza natural que me enfeitiçava e que logo que a Páscoa se anunciava surgia quase sem alarde e depois se tornava em qualquer coisa de maravilhoso que colocado no lado oposto à parede que sustinha o talude e onde a minha mãe colocava as cascas de laranja para o arroz doce que como uma missão ela confecionava para festejar o nosso Aniversário, eu sentia o encanto das cores e volumes das plantas, flores e uma miríade de objetos que ia de sacholas "guinchas" “engaços" e regadores. Havia também tudo o que eu e o meu irmão colecionávamos, como berlindes, esferas e "bulharacos" que nos serviam para ao fim da tarde jogarmos com a garotada nossa contemporânea até que a noite chegava e o "Misto" passava ronceiramente em direção à Moagem Mariano, Celeiro do Trigo e finalmente encostar no cais e o sinal verde que o Tio Correia tinha por missão ligar para dar sinal de passagem livre, mudava para vermelho e a linha ficava interdita e os cancelos fechavam-se até que na manhã seguinte, bem cedinho, fossem de novo abertos para deixarem passar a automotora que transportava a gente até ao Tua e aí mudavam para a via larga e seguiam em direção ao Porto.
Também na Estação do Caminho-de-ferro havia imensas flores. O Tio Correia e a Senhora Alda que moravam dentro da Estação e a família Castro que era a família do Chefe da Estação também caprichavam e tinham sempre flores que davam um ar festivo aquele espaço que surgia logo à saída de casa para lá das Nogueiras e que sobrepondo-se ao emaranhado das vias que suportavam as manobras se confundiam com o terreno que delimitavam e onde se fazia o embarque dos passageiros e o Senhor Castro comandava.
O cais não tinha flores mas a azáfama das gentes não impedia de olharem para o lado oposto, o das moradias e deliciarem-se com o jardim que ali mantinha uma certa reserva de calma e beleza.
Nos terrenos onde construíram a Escola Industrial e o Liceu e onde nesse tempo estava o Celeiro do Trigo as flores surgiam espontâneas e havia papoilas e malmequeres e no Verão ouviam-se os grilos e as cigarras, havia pirilampos e passarada que no tempo em que a Moagem funcionava eram aos bandos que cobriam os telhados da parte superior do declive cortado pela linha férrea. Este preâmbulo que abre alguns textos que pretendo escrever nos próximos tempos é uma das minhas principais memórias que eu mantenho no fundo do baú e que constituem a minha grande riqueza, pois representam sentimentos que ainda hoje me comovem e me recordam a minha mãe, pai, irmãos e irmãs, bem assim como todas as vizinhas e vizinhos que foram como eu criados nesse pedaço da nossa cidade, que sucumbiu com a construção da Torralta e onde hoje colocaram umas escadas rolantes que estão fora do contexto e que estão ladeadas por um espaço sem flores e quase já sem gente que as cuide e as faça serem prestáveis e educativas, como foram os lírios, os cravos e os lilases que a minha gente plantou e a Natureza nos ofereceu.
O ocaso aproxima-se mas a luz que recebemos e nos fez gente continua a vir do céu e ainda a podemos pressentir nas madrugadas gloriosas a que já não assistimos, porque já não vamos a Vale de Conde aos pássaros nem para o Sabor mergulhar, lavar a roupa ou aos barbos e aos escalos.
Nos meses em que as alfaces e o feijão verde estavam prontos a colher, as flores estavam confinadas aos vasos que ostentavam cravos vermelhos e brancos e a bordejar o rectângulo das leguminosas apresentavam-se magníficos os lírios. Ao fundo no espaço voltado para a Cortinha da Albininha Guerra havia uma árvore que dava flores de lilás de cor roxa levemente raiadas de branco.
O meu pai cuidava do quintal que sendo um retângulo quase perfeito quando a festa dos legumes e das flores acontecia e a necessidade da rega chegava imperativa eu e o meu irmão Marcelo tínhamos atribuída a tarefa de trazer água suficiente para regar a horta. Em casa não havia água corrente e era necessário ir buscá-la à fonte.
Num tempo mais afastado, digamos até aos meus dez anos havia apenas uma bica que se encontrava na Rua do Norte em frente à Taverna do João Francês. Posteriormente a Câmara colocou uma outra bica de torneira ao cimo da Caleja do Forte, junto à casa onde vivia o Tio Alberto Mirandela e que distava uns vinte metros da minha casa. Foi esta pequena mudança na distância da fonte em relação à nossa casa que ocasionou uma mudança radical na produção de couves e alfaces, tomates e até feijão-verde.
Eu e o meu irmão Marcelo por sermos os caçulas estávamos incumbidos de apanharmos água suficiente para todo o consumo que a casa e o quintal exigiam para que tudo corresse como seria desejado.
Foi neste espaço de tempo em que eu frequentei a Escola da Estação e aprendi a estimar tudo o que a Natureza nos proporcionava quando a estação apropriada nos oferecia todo o necessário para refeições fantásticas que a minha mãe confecionava com amor e muita competência.
O friso dos lírios e os vasos dos cravos, tenho-os na minha memória com se hoje os olhasse, com o enlevo que aquele tempo mágico mos apresentava. O lilás continua a ser um símbolo de beleza natural que me enfeitiçava e que logo que a Páscoa se anunciava surgia quase sem alarde e depois se tornava em qualquer coisa de maravilhoso que colocado no lado oposto à parede que sustinha o talude e onde a minha mãe colocava as cascas de laranja para o arroz doce que como uma missão ela confecionava para festejar o nosso Aniversário, eu sentia o encanto das cores e volumes das plantas, flores e uma miríade de objetos que ia de sacholas "guinchas" “engaços" e regadores. Havia também tudo o que eu e o meu irmão colecionávamos, como berlindes, esferas e "bulharacos" que nos serviam para ao fim da tarde jogarmos com a garotada nossa contemporânea até que a noite chegava e o "Misto" passava ronceiramente em direção à Moagem Mariano, Celeiro do Trigo e finalmente encostar no cais e o sinal verde que o Tio Correia tinha por missão ligar para dar sinal de passagem livre, mudava para vermelho e a linha ficava interdita e os cancelos fechavam-se até que na manhã seguinte, bem cedinho, fossem de novo abertos para deixarem passar a automotora que transportava a gente até ao Tua e aí mudavam para a via larga e seguiam em direção ao Porto.
Também na Estação do Caminho-de-ferro havia imensas flores. O Tio Correia e a Senhora Alda que moravam dentro da Estação e a família Castro que era a família do Chefe da Estação também caprichavam e tinham sempre flores que davam um ar festivo aquele espaço que surgia logo à saída de casa para lá das Nogueiras e que sobrepondo-se ao emaranhado das vias que suportavam as manobras se confundiam com o terreno que delimitavam e onde se fazia o embarque dos passageiros e o Senhor Castro comandava.
O cais não tinha flores mas a azáfama das gentes não impedia de olharem para o lado oposto, o das moradias e deliciarem-se com o jardim que ali mantinha uma certa reserva de calma e beleza.
Nos terrenos onde construíram a Escola Industrial e o Liceu e onde nesse tempo estava o Celeiro do Trigo as flores surgiam espontâneas e havia papoilas e malmequeres e no Verão ouviam-se os grilos e as cigarras, havia pirilampos e passarada que no tempo em que a Moagem funcionava eram aos bandos que cobriam os telhados da parte superior do declive cortado pela linha férrea. Este preâmbulo que abre alguns textos que pretendo escrever nos próximos tempos é uma das minhas principais memórias que eu mantenho no fundo do baú e que constituem a minha grande riqueza, pois representam sentimentos que ainda hoje me comovem e me recordam a minha mãe, pai, irmãos e irmãs, bem assim como todas as vizinhas e vizinhos que foram como eu criados nesse pedaço da nossa cidade, que sucumbiu com a construção da Torralta e onde hoje colocaram umas escadas rolantes que estão fora do contexto e que estão ladeadas por um espaço sem flores e quase já sem gente que as cuide e as faça serem prestáveis e educativas, como foram os lírios, os cravos e os lilases que a minha gente plantou e a Natureza nos ofereceu.
O ocaso aproxima-se mas a luz que recebemos e nos fez gente continua a vir do céu e ainda a podemos pressentir nas madrugadas gloriosas a que já não assistimos, porque já não vamos a Vale de Conde aos pássaros nem para o Sabor mergulhar, lavar a roupa ou aos barbos e aos escalos.
Bragança 05/05/2022
A. O. dos Santos
(Bombadas)
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