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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 29 de maio de 2022

Tartaruga-da-Flórida: esta invasora “ninja” saltou da televisão para os lagos e rios de Portugal

 No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras publicada em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, Bruno Herlander Martins (CIBIO) e José Teixeira (CIIMAR), investigadores e coordenadores ligados ao projecto H2020 Life Trachemys em Portugal, apresentam-nos uma estrela de televisão que hoje é mundialmente famosa, mas por razões muito preocupantes.


Que espécie é esta?

A tartaruga-da-Flórida (Trachemys scripta) é a espécie mais popular do planeta como tartaruga de água doce (ou cágado) de estimação. Caracteriza-se pela sua pele verde com listas amarelas e por apresentar uma mancha vermelha ou amarela, desde o olho até ao pescoço.

Tartaruga-da-Flórida, subespécie scripta. Foto: BHM

Esta tartaruga é nativa do leste dos Estados Unidos e das zonas adjacentes do nordeste do México, mas tem vindo a ser introduzida na natureza por todo o mundo, alcançando um enorme sucesso a colonizar diferentes ecossistemas de água doce. Isso deve-se em especial à sua dieta omnívora oportunista e generalista – que lhe permite comer os mais diversos alimentos – à facilidade com que se adapta a diferentes climas e habitats e ainda à elevada taxa de reprodução e longevidade. De facto, pode viver cerca de 40 a 50 anos. 

A proliferação mundial desta tartaruga, associada aos elevados impactos que está a causar nas espécies nativas, levou aliás a IUCN-União Internacional para a Conservação da Natureza a incluí-la na lista das 100 piores espécies invasoras do planeta.

Mas porque é que estas tartarugas são um problema?

Graças às suas características demográficas, comportamento e características físicas (morfologia), estas tartarugas têm uma elevada capacidade competitiva. Em causa estão por exemplo a baixa idade de maturação sexual – que lhes permite começarem a reproduzir-se ainda muito jovens – e também a elevada fecundidade, mas também o facto de serem maiores e mais agressivas do que os cágados autóctones (nativos de Portugal).

Por esses motivos, têm uma grande vantagem quando competem diretamente por alimentos ou por locais de termorregulação e de nidificação.

Ao contrário das nossas espécies nativas de cágados, nomeadamente o cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa) e o cágado-de-carapaça-estriada (Emys orbicularis), a alimentação destas tartarugas é muito mais abrangente, incluindo numerosas espécies de plantas e animais, como insetos e outros invertebrados, anfíbios, répteis, pequenas aves e mamíferos. Isso conduz à predação e competição com as espécies nativas, desregulando assim o equilíbrio e o normal funcionamento dos ecossistemas.

Cágado-mediterrânico. Foto: BHM
Cágado-de-carapaça-estriada. Foto: BHM

Estas tartarugas podem ainda contribuir para a dispersão de doenças e parasitas que podem afetar as populações nativas de cágados e outra biodiversidade aquática, e até mesmo os humanos. 

Como é que a tartaruga-da-Flórida chegou a Portugal e a outros países?

A introdução desta tartaruga fora da sua área natural de distribuição, um pouco por todo o mundo, deve-se principalmente ao facto de ser vendida como animal de estimação e muitas vezes fugir ou ser libertada por quem a comprou. Isto sucede quando os donos não têm condições ou vontade para as continuarem a manter em cativeiro, frequentemente devido às grandes dimensões que estas tartarugas atingem, à sua agressividade, grande esperança de vida ou más condições de higiene.

A produção da tartaruga-da-Flórida em cativeiro, para o comércio internacional de animais de companhia, iniciou-se na década de 1970, mas foi só com a transmissão da famosa série “Tartarugas Ninja”, no final da década de 1980, que a sua comercialização atingiu o pico máximo.

Tartarugas Ninja. Foto: Wiki Commons

Curiosamente, esta história começa com quatro tartarugas recentemente compradas numa loja de animais por um rapaz, que acidentalmente as deixou cair no esgoto.

A venda é permitida por lei?

Esta tartaruga está incluída, desde o final da década de 1990, no Decreto-Lei nº 565/99 (e na sua posterior atualização – DL 92/2019), que regula as espécies não indígenas de fauna e flora de Portugal. É considerada uma espécie com risco ecológico conhecido, e por isso a sua venda, detenção e libertação são proibidas.

No entanto, a falta de controlo e de aplicação dos regulamentos pelas entidades competentes tem permitido que continuem a ser ilegalmente comercializadas um pouco por todo o país, bem como a sua libertação na natureza. Por esse motivo, a tartaruga-da-Flórida foi já introduzida em diferentes lagoas, rios, ribeiras, parques e jardins públicos de Portugal. A situação é particularmente preocupante num conjunto de lagoas da Ria Formosa e do Algarve, onde se estabeleceram grandes populações reprodutoras desta espécie.

Grupo de tartaruga exóticas entre algumas nativas, no Parque Natural da Ria Formosa. Foto: BHM

E como se tudo isto não bastasse, a comercialização ilegal de outras espécies de cágados exóticos que apresentam características semelhantes à tartaruga-da-Flórida – incluindo de diferentes sub-espécies desta tartaruga – é cada vez mais frequente. E portanto, o seu aparecimento em vários ecossistemas naturais no nosso país tem vindo também a ser cada vez maior.

Há alguma forma de controlar a expansão destas tartarugas?

O controlo e fiscalização da venda destes cágados, através da aplicação dos regulamentos que já existem, será à partida a forma mais importante para lidar com este problema.

Tendo em vista a conservação da natureza e principalmente a viabilidade das nossas espécies de cágados nativos, é também essencial a realização de uma monitorização continuada das áreas potenciais de ocorrência desta espécie invasora, a deteção precoce da sua presença em novos locais e ainda a remoção desses indivíduos para evitar o estabelecimento de populações reprodutoras. Outra medida importante é o estabelecimento de planos de controle das populações já estabelecidas.

Trabalhos de campo com tartarugas exóticas. Foto: DR

Através dos nossos trabalhos no projeto LIFE-Trachemys, já há mais de 10 anos, foi identificada a presença de grandes populações reprodutoras de tartaruga-da-Flórida no sul de Portugal e definidos e testados os principais métodos e as técnicas mais eficazes de captura e controlo destas tartarugas. Apesar disso, desde então, a aplicação de medidas de controlo em ambiente natural tem sido inexistente, devido essencialmente à falta de financiamento no combate a esta problemática. 

Por outro lado, as campanhas de sensibilização e educação ambiental são também extremamente importantes para alertar e educar a população para desincentivar a compra e a manutenção destas tartarugas como animais de estimação, mas acima de tudo evitar a libertação de mais indivíduos na natureza.

E o que pode cada um de nós fazer?

Antes de adquirir um animal exótico, deve-se informar sobre a sua biologia e ponderar se o consegue manter durante todo o seu período de vida. Por outro lado, se possui um animal exótico e já não tem condições para cuidar dele, deve contactar o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) ou o Serviço de Proteção da Natureza da Guarda Nacional Republicana (SEPNA-GNR), para o encaminharem para o local mais apropriado.

Quatro curiosidades:

Dentro do grupo das tartarugas, distinguem-se as tartarugas-marinhas, as tartarugas-terrestres e as tartarugas-de-água-doce. Em Portugal, todas as tartarugas-de-água-doce são designadas de forma comum como cágados, e caracterizam-se por apresentarem um pequeno tamanho (muito menor do que as marinhas), carapaça achatada (para terem mais hidrodinâmica), patas com membranas entre os dedos (adaptadas para a natação) e pescoço comprido e estreito, com capacidade de retração para proteção sob a carapaça.

Os ninhos dos cágados são normalmente escavados nas margens das massas de água, mas estes animais podem deslocar-se de forma ágil até quilómetros de distância da água para encontrarem o melhor local para os seus ninhos.

Eclosão natural de ovo de tartaruga-da-Flórida no Parque Natural da Ria Formosa. Foto: BHM

A tartaruga-da-Flórida pode realizar até três posturas por ano, contendo cada uma em média 15 ovos, ao contrário das espécies nativas em Portugal, que normalmente realizam apenas uma postura e sempre inferior a 15 ovos.

Os cágados em Portugal normalmente realizam a hibernação durante o inverno e a estivação durante o verão. Nestas épocas procuram refúgios e reduzem a sua atividade corporal ao mínimo durante vários dias, para evitarem os períodos de frio ou de calor mais intensos.

Bruno Herlander Martins e José Teixeira

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