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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 28 de julho de 2022

A SINDROMA DO MENINO TONECAS

 Um dos programas mais deletérios que passam presentemente [em 1998] na nossa bem-amada televisão é o que dá pelo nome inocente de “As lições do menino Tonecas”. Corre na RTP-1 este monumento ao que há de mais charro no humor nacional, todo ele feito de trocadilhos baratos e segundos sentidos primários. 
Por casualidade, ou talvez não, o programa anda sempre nos top twenties das audiências. Na semana de 8 a 12 de Março, por exemplo, diz-me um jornal que informa sobre estas coisas da audiometria que 12,2% dos portugueses o viram. Viram – e presumivelmente, digo eu, deleitaram-se com as saídas do dito menino Tonecas.
 É o país que temos: quase europeu até à hora de ligar a televisão; daí para diante, terceiro-mundista de todo.
 O programa é deletério, a meu ver, porque constitui uma glorificação da indisciplina, do desrespeito e do reguilismo infantil. Reguilismo é palavra minha, julgo: fi-la a partir de “reguila”, que em calão quer dizer “malcriadamente desenvolto”. 
Repare-se bem: o professor é infalivelmente a vítima. Ele suscita o riso pelas visagens de impaciência que faz, nunca pelas palavras que diz. O menino Tonecas, pelo contrário, é o herói: faz rir pela desenvoltura das saídas com que encosta o professor à parede, de princípio a fim da aula. 
Embora eu seja professor, não faço esta análise por defesa corporativa. Faço-a por genuína revolta contra um cenário de permanente perversão das relações professor-aluno e até aluno-colegas que o programa apresenta e, pelo mecanismo do riso e da simpatia que este induz, glorifica.
Encorajados por esta glorificação do Tonecas, há milhentos alunos por essas escolas fora que o tomam por modelo e procuram reproduzir-lhe as gracinhas nas respectivas salas de aula. Isto, numa época em que a disciplina já não andava grande coisa, tem o efeito que facilmente se deixa adivinhar: desespero do professor, risadas, balbúrdia, retardamento das matérias, insucesso, etc. e tal.
Junte-se ao menino Tonecas todo o cortejo de programas violentos que a televisão, generosa como sempre, dá todas as noites – e o caso agrava-se.
Aparecem então os Ivos. O Ivo – para quem ande distraído destas coisas – é uma criança de oito anos cujo hobby principal parece ser aterrorizar a escola em bloco: professores, funcionários e alunos. Cerca de trezentas pessoas, mais coisa menos coisa. Acontece isto na Rinchoa, ali às portas da capital, numa escola que até nem é, segundo a Direcção Regional de Educação de Lisboa, “uma escola de risco”.
Aparentemente o Ivo desenvolveu “comportamentos de liderança” e, segundo os colegas, para os exercer apoiava-se em correntes e facas que trazia na mochila.
Aparentemente também, as autoridades escolares têm um sentimento de culpa por terem deixado as coisas chegar ao ponto a que chegaram (“Alguma coisa correu estrondosamente mal”, diz uma das responsáveis, num tocante mea culpa.) E agora andam com o menino nas palminhas. Transferiram-no de escola e destacaram um professor para o “tutelar” em exclusivo, possivelmente convencidos de que a coisa voltará assim ao normal. 
Aposto dobrado contra singelo que não volta. Porque o Ivo continuará a ter, à noite, no televisor, o menino Tonecas, o Predador partes 1 e 2, o Rocky partes 1, 2, 3, 4 e 5, e toda uma panóplia de filmes que lhe fornecerão os modelos para, no dia seguinte, moer a paciência do professor e andar ao murro, quando não à facada, a colegas, funcionários e professores.
Longe de mim pretender desenterrar a palmatória lá do purgatório onde jaz, mas um puxão de orelhas a tempo poderia talvez ter evitado tudo isto. Isso causaria talvez algum desconforto físico e psicológico ao menino Tonecas, perdão, menino Ivo. Mas evitaria o mesmo ou pior desconforto a 300 pessoas inocentes.
Cá para mim, o que anda a correr estrondosamente mal na escola, há muito tempo, é a sua permissividade demissionária. Podia-se lá traumatizar o menino, tadinho, impedindo-o de aterrorizar quem ele muito bem quiser e lhe apetecer... Arrisco-me a muito ao escrever isto, mas é isto mesmo que eu penso.

Repórter do Marão, 20 de Março de 1998

A. M. Pires Cabral

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