Fundado no século XIII - diz a lenda que pelo próprio Francisco de Assis -, o Convento de São Francisco de Bragança já foi convento, hospital militar e asilo. Desde 1985, o convento, cujo conjunto é ainda composto por uma igreja e um adro recentemente leiloados pela ordem terceira franciscana, está sob a administração directa do Estado, que entregou o espaço ao Arquivo Distrital de Bragança.
Um ano depois, o convento foi classificado como Monumento de Interesse Público, mas o edifício “estava em muito más condições, com apenas uma ala funcional”, sinaliza Domingos Barreira, funcionário do arquivo. Em 1999, o Estado realizou obras e às infra-estruturas do convento acrescentaram-se um auditório, um bar, e salas de exposições. A finalidade da requalificação, além de lá se instalar o arquivo, era transformar o convento num novo pólo cultural da região. Mas, fruto do “pouco grau de autonomia e dos constrangimentos orçamentais, comuns a todos os sectores da cultura”, o usufruto do convento pela população tem sido parco, apesar de esporadicamente ocorrerem “exposições temáticas sobre o acervo do arquivo”.
Domingos Barreira, de 49 anos, passou a infância em Trás-os-Montes, mas seguiu para Lisboa, de onde regressou em 2011 para “fugir do frenesim” da capital e morar numa aldeia com 100 habitantes, em Macedo de Cavaleiros. Em 2017, convidaram-no para o Arquivo Distrital de Bragança e, dois anos depois, passou a presidir a associação Amigos do Arquivo Distrital de Bragança, composta por 25 associados, entre funcionários do arquivo, “por inerência”, e investigadores. A sua missão era clara: “pôr a extensão cultural do convento a funcionar, e oferecer algo mais à cidade”. A ideia era “acrescentar valor” à região, através do aproveitamento de um “espaço inigualável na cidade” com uma agenda cultural “alternativa”.
Em Bragança, a cultura “está muito pobrezinha”
Em 2019, a associação Amigos do Arquivo Distrital de Bragança tinha já previstas actividades culturais, de onde iriam brotar “sinergias existentes” entre a associação e outras da região, ligadas aos mais variados espectros, desde o teatro, à música, às artes plásticas. “Por um lado, queremos oferecer instalações que eles, de outra forma, não têm, e por outro, recebemos o conhecimento deles na produção de eventos”, explica Domingos. Mas a pandemia surgiu e não houve outra solução que não adiar o programa.
Agora os espaços culturais podem retomar a sua actividade e o convento prepara-se para receber, nesta quarta-feira, o seu primeiro evento. Trata-se de um ciclo de concertos programado pela Dedos Biónicos, associação que se dedica, há 15 anos, à organização de concertos de música alternativa na região transmontana. Até Outubro, o Convento de São Francisco vai receber os espectáculos de Eric Chenaux (21h30); Montes (10 de Agosto); Homem em Catarse (17 de Setembro); Ece Canli (1 de Outubro); e Vincent Moon (25 de Outubro). A entrada para os concertos custa cinco euros.
É um ciclo de “cantautores e projectos minimalistas e experimentais”, que “fogem à norma básica do mainstream”, diz Nuno Fernandes, presidente da Dedos Biónicos. Natural de Bragança, o responsável lamenta que a actividade cultural na cidade esteja circunscrita à programação do teatro municipal, que é “muito pobrezinha, sobretudo ao nível das culturas urbanas e alternativas”, numa ideia corroborada por Domingos Barreira. “Acho que os políticos investem pouco em cultura porque são um bocadinho burros… e ao público tem de se dar a provar vários gostos”.
O ciclo Claustrofonia – título que remete ao facto de os concertos decorrerem nos claustros do convento – tem, por isso, a intenção de ser “fora da caixa e adequado ao convento enquanto espaço histórico”, diz Nuno Fernandes. A adesão do público de Bragança, apesar de haver gente que “nutre curiosidade por novas tendências”, será “sempre uma incógnita”, mas espera-se que os concertos seduzam públicos de concelhos da região, e também da vizinha Espanha. “Quando trazemos artistas de algum renome, notamos que há gente que vem de Zamora, Puebla de Sanabria, Valladolid ou Salamanca”, assinala.
Apesar de o evento ser um primeiro teste ao usufruto cultural no convento e do financiamento para os concertos advir das receitas de bilheteira, é já certo que o ciclo regressa a partir de Março do próximo ano. Em Agosto, o Convento receberá ainda um ciclo de cinema polaco e, nos meses de Inverno, um ciclo multidisciplinar, com escultura e pintura, em parceria com o Atelier História e Arte.
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