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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 6 de novembro de 2022

O Linguajar Transmontano (V)

Por: António Pires 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Nota Prévia: após ter concluído e publicado a última recolha deste tema, o Linguajar IV, fiquei com a ideia de estar já a “arrebanhar o tacho”, por escassez de material que permitisse mais uma publicação. Mas, felizmente, a água do poço ainda não secou.

1 – A palavra “rapaz”, derivada do substantivo latino “rapax, rapacis”, originalmente com o significado de, entre outros com sentido depreciativo, “gatuno” e “aquele que rouba” (dando origem, pela conotação que lhe é atribuída, no vocabulário da ornitologia, à “ave de rapina), surge, mais tarde, com a evolução natural da língua, na respectiva entrada lexical com o significado de “homem entre a infância e a adolescência”, “garoto”. 

Em Trás - os Montes, a palavra “rapaz” (fenómeno que não acontece em mais nenhuma zona do país) não é usada apenas quando nos referimos a alguém em idade juvenil. É muito comum ouvir-se, carinhosamente e com apreço, acerca de alguém com 60 e 70 anos: “É muito bô rapaz”.

2 – “Andar sobre/subre ela”/ “Em Roda dela”. Ambas com o mesmo significado, são duas das expressões mais deliciosas do linguajar do Planalto Mirandês. Dizia-se naquela zona, não em tempos muito recuados, quando um rapaz andava de olho numa moça lá da aldeia, a cortejá-la: “Olha, dá-me a impressão qu´o Tchico da Nora anda sobre/subre a Maria”/ “em roda d´dela” 

3 – “Falar-se”. Da mesma origem geográfica das anteriores, significa namorar, e dizia-se de dois pombinhos que o faziam clandestinamente, sem mesmo as famílias dos “interessados” terem conhecimento do romance: “Sabias qu´o Manel e a Alzira se falam?!” 

4 – “Servir-se dela”. Expressão atribuída a Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês. Num tempo em que a virgindade da mulher estava guardada para o dia do casamento, havia uns sacanotes que, usando o sempre condenável expediente da chantagem (que diz muito do perfil psicológico de quem a exerce) sobre as futuras noivas, as “desonravam”, antes do “grande dia”, indo depois “despejar o lixo” ou “comprar tabaco”. Ou seja, não casavam com elas, punha-se “ó fresco”.

5 – “Procurar”, com o significado de “fazer amor”, no contexto do lar. Expressão usada em Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, que remonta a séculos, sendo que a minha explicação para este fenómeno sociológico, pouco estudado, é pura imaginação/dedução. Na Idade Média, os nobres não dormiam com as mulheres que desposavam. Dormiam em quartos separados, que era para receberem as amantes nos seus aposentos. Eles só iam ter com as “respectivas”, só as “procuravam”, esporadicamente, para fazerem “prova de vida sexual”, ou para conceber o tão desejado barão. 

Este comportamento, na nossa ruralidade, acontecia quando os casais se zangavam por períodos consideráveis, e não partilhavam, naturalmente, a cama. Quando a zanga ia além do tempo razoável, era normal que alguém próximo da mulher perguntasse:

- Alzira, como é que estão as coisas entre ti e o Manel?

- Na mesma: ele já nem me procura de noite!

6 – O Porco como alimento vital para o sustento das famílias e sinal de poder económico nos meios rurais. 

As famílias pobres matavam um porco; os ricos não se contentavam com menos de 4 ou 5. Uma distinção social que os aforismos populares transmontanos tão bem retratam. No uso perifrástico, quando alguém se queria referir a uma família abastada, dizia-se: “Só esses matavam meia dúzia de porcos num ano” – o que valia também para o número de vacas que detinham.

 “Esse bô porco matou!”. Expressão muito ouvida naquelas situações em que um dado individuo é bafejado pela sorte, ou por não merecer, ou por não se estar à espera que a tivesse:

- Já biste, o Manel, que é um pobretanas, casou com a Alzira, a rapariga mais rica da aldeia!

- Pois, esse bô porco matou/bô sorte tebe!

7 – “Ficar como quem ceba e não mata”. Expressão de Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês. Diz-se do azar que o pobre tem, que, andando o ano todo a “cebar” o porco, gastando tempo e dinheiro a alimentá-lo, para o matar em Dezembro, “se lhe morre” uns dias antes da matança. “Ficar como quem ceba e não mata” é, pois, um sentimento de desilusão, por um prejuízo obtido. É levar um murro no estômago, é cair o pão com a manteiga virada p´ra baixo, ter um grave e significativo revês.

8 – “Fazer a desfeita”, com o significado de “fazer a vontade”. Expressão de Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, diz-se (no perfeito uso da figura de estilo que dá pelo nome de litotes), quando alguém está a insistir que outro coma da sua merenda ou o acompanhe num copo:

- Come um bocado de tchouriça e bebe aqui um copanho connosco! 

- Já que tanto insistes, bou-te fazer a desfeita!

9- “Nem gente nem fazenda”, expressão do Planalto Mirandês, sendo que o primeiro termo, “gente”, significa “pessoa de famílias humildes”, e o segundo, ”fazenda”, à luz da época, inevitavelmente indissociável do primeiro, com o sentido de “pobre”, “sem ter onde cair morto”:

- Pai, bou-me casar!

- Filha, só espero que não seja com um rapaz sem gente e sem fazenda!

10 – “Fingir”, expressão do Planalto Mirandês, que nada tem a ver com o fingimento do poeta, mas com o vocabulário de quem domina a arte de fornar, as padeiras. “Fingir” a massa, do pão ou do folar, é a fase imediatamente a seguir ao amassar e anterior à entrada dos ingredientes amalgamados no forno.

11 – “Abia-te”, expressão de Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, com o significado de “despacha-te”: 

Ex.º “ Bai à Bila, mas abia-te”; ou “abia-te, que se faz tarde!”

12 – “Ladruzir”, expressão de Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, referida a alguém que está a dizer parvoíces, mentiras e coisas sem nexo, mas que teima em não se calar, irritando alguém que, cansado do ouvir, lhe diz: “Cala-te lá! O quê que tu estás p´ráí a ladruzir?!”

13 – “Comer coisas qu´untem a gola”. Julgo ser uma expressão ouvida em todo o Trás – os Montes. Quando alguém nos desafia a comer um hambúrguer, uma sandocha, ou uma pizza, nós, transmontanos dos quatro costados, dizemos: “não, obrigado, nós só comemos coisas qu´untem a gola”, a saber, a bela posta, o belo butelo, a bela feijoada e afins.

14 – “Desaforrado” e “Corpo ao léu”, expressões de Vinhais, Bragança e Planalto Mirandês, têm o mesmo significado, mas com uma ligeira diferença.” Desaforrado” diz-se daquela pessoa, rapaz ou rapariga, que anda sempre com pouca roupa no Inverno, por razões meramente térmicas, por ser calorenta. Ao invés, quem anda de “corpo ao léu” são as teenagers, que, embora tenham frio, andam arrepiantemente “descobertas”, só por vaidade – o que é normal nestas idades.

15 – “Embarrar o Pote”, expressão tipicamente do Planalto Mirandês, usada, com uma dose de sarcasmo, quando referida a um individuo, guitcho, que foi casar a uma determinada aldeia, mas cujo casamento é entendido, pelas “más línguas”, como um bom “investimento”: ““Esse bem s´amanhou! Foi embarrar o pote lá p´ra Balfrades!”

Como no chavão jornalístico, “voltarei ao contacto”, não caso se justifique, mas se a “fonte” do Linguajar Transmontano ainda brotar.

António Pires


António Pires
, natural de Vale de Frades/S. Joanico, Vimioso. 
Residente em Bragança.
Liceu Nacional de Bragança, FLUP, DRAPN.

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