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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Deus e césar

Por: Manuel Eduardo Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Tendo começado a sair da escassez quando o século vinte já se encaminhava para o fim, as gerações que a tinham suportado acharam que deviam às seguintes mais desafogo material, níveis de vida dignos, saúde e escolaridade gratuitas, pensões de reforma, subsídios de desemprego. Nessa altura, tal como hoje e sempre, era vital tratar das necessidades do corpo, o que não se discute. Se a sua satisfação conduz diretamente à felicidade, já é mais problemático. O que então eram utopias materializou-se em grande parte. Não só o significado de pobreza não tem hoje nada que ver com o de há cinquenta anos, como as gerações mais novas da atualidade são as primeiras, em toda a nossa história, que viram satisfeitas aquelas necessidades cuja não-satisfação coloca a vida em risco.
Sentimo-nos agora mais realizados? Duvido muito. É bem provável que nos sintamos menos. Para já, tirando talvez aspetos óbvios tais como alimento, agasalho, abrigo, proteção, não existe forma de determinar o que são necessidades, tanto pela subjetividade sempre implicada nesse julgamento como pela criação constante delas a que o sistema económico induz. Por isso procurar satisfazê-las é muitas vezes como perseguir a linha do horizonte: quando se pensa estar a chegar lá, descobre-se que afinal se impõe outra caminhada para a alcançar. Dada a ausência de limites para o que somos capazes de necessitar e desejar, tendemos geralmente a adiar a satisfação para quando possuirmos mais isto ou mais aquilo, enredados em ciclos de procura que podem não ter fim.
Daí, tantas vezes, ao contrário do que se pretendia, a sensação de saber a pouco deixada pelos objetos adquiridos, pelos prazeres experimentados. E há mais. As coisas que elegemos como objetos de satisfação raramente são dadas de graça. De um modo geral, não só nos saem do corpo como exigem que nos acorrentemos a essa servidão consumidora dos nossos dias a que chamamos trabalho. Assim, a despeito de proporcionar algum prazer, pagamos com desprazer o que adquirimos, mesmo sem contar com a possibilidade de nos vendermos ao demónio para o conseguir, um tráfico frequente que está longe de trazer felicidade.
Mas quando se trata de identificar coisas materiais com bem-estar e satisfação, os que mencionei não são ainda os maiores enganos. É que uma porção considerável destes sentimentos não depende de indicadores económicos, nem aliás de nada exterior, antes de vivências íntimas, não-quantificáveis, embora bem reais e poderosas. De há umas décadas para cá a sociedade foi sendo sub-repticiamente impregnada de um desprezo (ou mesmo de vergonha) de inspiração marxista pelas coisas do espírito, pela ideia de que o ser humano é um corpo sem alma. Até podemos convencer-nos disso, mas nenhuma ideologia conseguirá alguma vez eliminar o facto de termos sentimentos, apreciarmos ou não o mundo e a vida, gostarmos ou não dos outros e de nós, amarmos ou odiarmos apaixonadamente.
Acima de tudo, havendo muitas coisas mais para lá do que podemos ver e compreender, a existência nunca deixará de ser para nós um mistério carregado de emoção. Acontece que mente e corpo, energia e matéria se produzem reciprocamente, algo em que albert einstein e as velhas escrituras estão de acordo. A realidade material das nossas vidas cria pensamento e sentimento, que por sua vez criam a realidade material das nossas vidas. É indiferente chamar a essa dimensão psique, sopro divino, prahna, ki, matriz do universo, santa rita de cássia. O que importa mesmo é saber que ela alicerça e condiciona tudo o que somos tanto pela positiva como pela negativa.
Daí a necessidade de a cuidar com mais desvelo do que o corpo. Não o fazer deixa um vazio que geralmente tentamos preencher de muitas formas: acumulando bens, relações, experiências excitantes, procurando fama, idolatrando pessoas, expondo barrigas de gravidez no instagram, louvando fanaticamente a vitória do benfica no marquês. Mas nada desta ordem consegue eliminar o vácuo, o que nos coloca no fio da navalha, em risco de deslizar para vários tipos de pobreza, a começar pela económica. Pelo contrário, acarinhá-la pode abrir portas a um estado de satisfação que permita sobreviver com poucos alimentos ou, se o clima o permitir, achar a camisa dispensável e viver até na rua.

(Nordeste - mai. 2019)

Manuel Eduardo Pires
. Estes montes e esta cultura sempre foram o meu alimento espiritual, por onde quer que andasse. Os primeiros para já estão menos mal, enquanto a onda avassaladora do chamado progresso não decidir arrasá-los para construir sabe-se lá o quê, mas que nunca será tão bom. A cultura, essa está moribunda, e eu com ela. Daí talvez a nostalgia e o azedume naquilo que às vezes digo. De modo que peço paciência a quem tiver a paciência de me ir lendo.

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