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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 14 de março de 2023

VIAGENS — 13 - Bruxas e companhia limitada (continuação)

 O meu fito era conhecer o pensamento dessa gente sobre o tema, na verdade um tanto intimidatório, da bruxaria. Findo o último colóquio dessas horas de conversa relaxada, não me ficou infelizmente a convicção de ter avançado o quanto gostaria de avançar. Mesmo assim, tomei alguns apontamentos (mentalmente, já se vê, porque verem-nos escrever seja o que for aquilo de que falam inibe-os imediatamente e seca-lhes o discorrer) e retive alguns pontos, que posso talvez resumir nas linhas que se seguem, antes de reproduzir algumas das contas então ouvidas, que têm como personagens centrais as bruxas.
 Não o farei, contudo, antes de referir uma convicção que adquiri durante essas tardes: a de que a gente velha das nossas aldeias tem um certo sentido de — como chamar-lhe? — propriedade intelectual sobre o tumultuoso mundo das crenças irracionais e age com cautela para não o abrir às escâncaras ao primeiro curioso que queira penetrar nele com o único objectivo — receiam eles — de meter esse mundo a ridículo. Há nesta gente qualquer coisa de matreiro, que a leva a dizer deliberadamente uma coisa agora e o seu contrário mais logo. Tornou-se evidente que só me abriram parcialmente a porta, de modo que eu pudesse espreitar lá para dentro, mas não entrar. Como se quisessem que eu ficasse com muitas dúvidas e poucas certezas. Ou como se quisessem resguardar o seu mundo das minhas intrusões. De toda a maneira, creio que sou suficientemente arguto para perceber os seus subterfúgios, as suas reticências e as suas imposturas. Percebê-los e contorná-los.
 E, fazendo o balanço dessas horas — umas onze ou doze por junto —, creio ter esboçado um retrato minimamente aceitável do mundo larvar em que se movimentam as bruxas e seus partenaires.
Fiquei a saber, por exemplo, que, para os meus interlocutores, as bruxas eram uma realidade indiscutível. Todos referiram que no seu tempo — um tempo mais permeável às minhocas da superstição do que os dias que correm — havia mulheres apontadas como bruxas praticamente em todos os povoados. Muitas vezes, porque efectivamente se dedicavam, embora em segredo, a práticas de bruxaria. Noutros casos, porém, não havia certeza, mas apenas suspeição, induzida pelas aparências que as inculcavam como tal: as roupas negras e largas, o corpo curvado e sobretudo um fácies em que sobressaíam o queixo e o nariz, ambos mais proeminentes do que no normal das pessoas. Ah, e a tal verruga, no nariz ou no queixo. Era essa a imagem, que diríamos um retrato-robô, da bruxa vulgar. Qualquer mulher velha que se aproximasse dessa imagem era pelo menos candidata a suspeita de ser bruxa. E penso, com um arrepio de amargura, quanta velha inocente não terá sido molestada ou mesmo queimada em fogueira purificadora, com base nas aparências. 
As pessoas acreditavam não só que há bruxas, mas também que elas devem obediência ao Diabo, seu capitão-mor, e que é às ordens do Diabo que elas andam neste mundo a praticar malfeitorias. A consequência natural desta crença, é que as gentes se temem delas como do próprio Diabo, capazes como são de causar tolhiços com o temível olhar repassado — como chamam a certo olhar especial, carregado de poderes maléficos.

(Continua.)

A. M. Pires Cabral

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