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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Viagens — 15 Bruxas: as primeiras contas

 Nas encruzilhadas cantam, dançam e folgam pela noite fora e, quando o Diabo está presente — o que acontece com frequência — cumprem o negro ritual de lhe beijar o traseiro. 
A certa altura, veio à baila a vassoura ou o vassouro de varrer o forno, que, segundo a tradição, são o meio de locomoção usado pelas bruxas. Como veremos, algumas contas fazem-se eco disso. Mas nenhum dos informadores acredita que as bruxas se desloquem montadas em vassouras.
− Isso é uma fantasia – disse a Tia da minha Mulher. – Nunca ninguém as viu a voar na vassoura.
− Pois – contrapôs outra. – Mas então como é que vão lá para as festanças que armam lá longe? De carro?
E esta pergunta acabou por dividir as opiniões. E convenhamos que, de facto, é caso para isso.
O Diabo e as bruxas são muito unha com carne, na expressão de um dos meus informadores. Ele, o Diabo, é que é o capitão das tropas e a mando dele é que as bruxas andam cá neste mundo a empecer e a botar maus-olhados. E o informador — aliás uma mulher — prosseguiu (cito as suas palavras de memória):
− Eu nunca vi, mas diz quem viu que as bruxas de cada concelho se ajuntam, todas as terças e sextas, à noite, onde houver areia ou então nas encruzilhadas dos caminhos, em grandes saricotés e descantes. Às duas por três aparece também o Diabo para a folia, e no fim todas têm de lhe dar um beijo no cu, em sinal de respeito e obediência. 
E aqui surge oportunidade para a primeira conta sobre bruxas. Conta com o seu quê de pícaro, como se vai ver.
| Uma vez, um sapateiro ia duma aldeia para outra, já noite escura, e pelo caminho calhou passar por uma encruzilhada onde andavam as bruxas em grande festança. No meio delas, andava o Diabo, todo satisfeito, como vilão em casa de seu sogro. E ao sapateiro começou-lhe a pular o pé e então ele resolveu entrar também na folia. Mas quando soube que no fim da dança as bruxas tinham de dar o beijo no rabo do Diabo, disse para com os seus botões: ‘Omessa! Então também tenho de lhe beijar o traseiro ao Barzabum? Desse mal, está ele bem livre!’ E, quando chegou a sua vez, em vez do beijo, pega na sovela do ofício, que trazia no nolso,e espeta-lhe uma valente sovelada no traseiro. 
O Diabo largou uma carvalhada e disse: 
− Tu! Com que é que me picaste? Ah, és um homem... Pois bem: para a seguinte vez vê se trazes a barba mais bem feita, que eu não estou para que me piques segunda vez o cu!’ |
 A graça está, naturalmente, no facto de alguém ter conseguido lograr o Diabo. Mas também está, parece-me, no facto de o Diabo confundir uma sovela com uma barba mal feita. 
Com a conta tínhamos entrado numa segunda fase da conversa, que aliás eu estava morto por que começasse. Era como se, depois da teoria, passássemos à prática. A seguir a esta, logo saiu outra conta.  Desta vez são dois corcundas a contracenar com as bruxas.
| Diz que uma terça-feira, à meia-noite, um marreco passou por uma encruzilhada, onde andavam as bruxas a cantar e a bailar, como é uso delas. Em vez de se assustar, o marreco, que era destemido, saltou para o meio delas e pôs-se também a dançar e a cantar a cantiga delas, que era só assim:
 Às terças e sextas,
 Às sextas e terças!
De forma que, no fim, todas satisfeitas com o marreco, disseram as bruxas:
 − E então que prenda é que lhe habemos de dar ao marreco, que cantou e bailou connosco tão bem?
 − Tira-se-lhe a marreca!
 E assim fizeram. 
Na manhã seguinte, o marreco apareceu no povo muito listo e desempenado, e toda a gente se admirou.
 Havia na aldeia outro marreco, que ficou todo invejoso e quis saber como tinha sido aquele milagre. O primeiro contou-lhe, e disse:
 − Sexta-feira, vai lá tu e faz como eu.
 E ele assim fez. À distância, já ouvia cantar as bruxas e nem lhe cabia um chícharo no cu de contente, só de pensar que se ia ver libre da marreca e ficar escorreito. Chegou-se ao perto e, cuidando que mais depressa se via livre da marreca, não esteve com meias medidas, saltou logo para o meio delas e disse:
 − Ó minhas santas, a mim tanto se me dá que seja às terças, como às sextas, como em todos os dias que vós quiserdes!
E disseram-as as bruxas, todas arreliadas:
 − Bô! E então quem é este arreguiço?
 − É outro marreco!
 − E antão que castigo é que lhe havemos de dar por nos vir estragar a festa?
 − Põe-se-lhe a marreca do outro!
 E o desinfeliz não teve outro remédio senão voltar para o povo com duas marrecas em vez duma!

(Continua.)

A. M. Pires Cabral

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