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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Águia-caçadeira em perigo de extinção: um fotógrafo atento e um ambicioso projeto de conservação

 Ismael Cunha é o vizinho atento de uma colónia de águias-caçadeiras, ou tartaranhão-caçador (Circus pygargus), que escolhe as Serras de Fafe, no distrito de Braga, para acasalar. Formado em Engenharia do Ambiente e Florestal e natural de Moreira do Rei, no concelho de Fafe, é nessas serras que Ismael passa grande parte do seu tempo, a fotografar e a contemplar a natureza. Pela sua lente já passaram diversas espécies, incluindo algumas das mais emblemáticas da nossa fauna, como o lobo-ibérico, mas foi a águia-caçadeira que chamou a atenção do fotógrafo: “É uma espécie que sempre me fascinou, quer pela sua beleza, quer pelo seu comportamento. Mas também por episódios da minha infância, na aldeia dos meus avós, na altura do corte dos fenos, era (e é) uma ave que frequentemente divagava junto ao solo”, relembra o fotógrafo.

Águia-caçadeira. Fotografia Ismael Cunha

“Aqueles progenitores são como qualquer casal humano, eu vi a luta deles para alimentarem as suas crias todos os dias, para garantir a sua sobrevivência. Vê-los hoje a voar faz-me pensar em todas as crias que não tiveram a mesma sorte.” – Ismael Cunha, fotógrafo de natureza

De sua casa até ao local onde montou o abrigo que usou para apreciar disfarçadamente as aves durante a sua época de reprodução, são apenas dez minutos de carro, um tempo reduzido, quando comparado ao número de horas necessárias para fotografar animais silvestres no seu habitat natural. “Nestes dias, passo a maior parte do tempo no abrigo, o mais quieto possível, o que nem sempre é fácil”, explicou Ismael, enquanto montava o abrigo em questão. Foi durante estes momentos, quando a alvorada despontava no horizonte, que Ismael recordou os últimos meses: “Conheço a rotina destes casais de águia, começam a chegar ao território nacional no início de abril, vindos de África e, por norma, escolhem sempre os mesmos locais para nidificar, só em situações de perturbação é que não o fazem”.

Abrigo. Fotografia Ismael Cunha.

Ismael Cunha.

De binóculos na mão e olhos postos nos pontos mais altos da serra, Ismael observou o céu da região à espera dos primeiros indivíduos. Em abril deste ano, o fotógrafo decidiu focar a sua lente sobre um só casal de águias, dentro dos quatro que nidificam naquela área. O casal-alvo foi eleito em função da exposição à luz solar do ninho.

População de águia-caçadeira está em declínio acentuado em Portugal

As águias-caçadeiras escolhem o seu território de nidificação assim que chegam, tendo por hábito fazer o seu ninho no chão em terrenos agrícolas com culturas cerealíferas. As mudanças profundas na gestão do meio agrícola ocorridas nas últimas décadas resultaram num declínio acentuado das populações destas e de outras espécies que dependem destes habitats para se reproduzirem e alimentarem. Em causa estão sobretudo alterações relacionadas com o corte precoce das culturas de feno, em plena época reprodutora da espécie, assim como a diminuição das áreas cultivadas com cereais, que são um reflexo da industrialização dos sistemas agrícolas e afetam gravemente a sobrevivência das aves estepárias, como é o caso desta.

A organização não governamental de ambiente Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, iniciou, em abril de 2022, em parceria com a Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais, o Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto (BIOPOLIS/CIBIO), e o Clube de Produtores do Continente, o projeto “Searas com Biodiversidade: Salvemos a Águia-caçadeira”, que visa melhorar a conservação desta espécie de rapina, apostando no forte envolvimento dos agricultores. Estes parceiros, em colaboração com outras instituições, como é o caso da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, têm-se focado não só em campanhas de resgate e salvamento da águia-caçadeira, como também na sensibilização dos produtores agrícolas para a proteção da espécie.

“Este projeto envolveu um vasto leque de instituições, organizações e voluntários, como o Ismael, involucrados na conservação da águia-caçadeira a quem publicamente agradecemos.” - Luís Ribeiro, técnico de monitorização da biodiversidade da Palombar

Ismael explicou que começou “a colaborar com a Palombar em 2022, para fazer o censo desta ave. Eu já seguia os casais desta espécie e a associação contactou-me por isso.” O primeiro Censo Nacional de Águia-Caçadeira está a ser realizado no âmbito do projeto “Searas com Biodiversidade”, sendo o CIBIO o organismo responsável pela coordenação geral do censo e futuros outputs científicos. Já a Palombar é responsável pela coordenação do projeto no norte do país.

“Este projeto permitiu também conhecer a situação dos casais instalados em zonas montanhosas, como é o caso das Serras de Fafe, onde, através do censo nacional e com a força de inúmeros voluntários, foi possível reunir informação fundamental para entender a problemática de conservação da espécie numa perspetiva ampla.” - Luís Ribeiro

As quatro crias do casal observado por Ismael sobreviveram

Do seu esconderijo, Ismael fotografou todas as etapas da reprodução do casal eleito. Em maio, deram-se as posturas, e, em julho, “já havia juvenis, todos eclodiram!”, exclamou, na altura, o fotógrafo, que ficou em êxtase quando viu que o casal de águias, com quem tantas horas passou, tinha dado início à parentalidade partilhada de quatro ovos. Após o nascimento das crias, começou um período de imensa fragilidade: a aventura fora do ninho teve início, podia haver predadores à espreita, interferências de atividade humanas, entre muitos outros riscos. Mas, desta vez, os perigos poderiam ser mitigados: olhos atentos zelavam por elas, estavam a ser monitorizadas pelo projeto “Searas com Biodiversidade”. E, com a colaboração de Ismael, os técnicos da Palombar e do CIBIO anilharam seis juvenis em três dos quatro ninhos monitorizados.

Cria de tartaranhão-caçador. Fotografia Ismael Cunha.

Os quatro juvenis de tartaranhão-caçador. Fotografia Ismael Cunha.

“Apesar de ficarem cada vez mais fortes e autónomas, as crias ainda dependerão muito dos progenitores nos próximos meses”, referiu Ismael, ao apontar para as pequenas águias que ainda vestiam uma plumagem diferente da dos pais. É rara a sobrevivência de toda a descendência, mas foi este o caso das quatro crias do casal, que teve uma ajuda extra: além dos técnicos da Palombar e de Ismael, que o monitorizava, um segundo macho da mesma espécie entrou na equação e também aprovisionou alimento para as crias. Dois machos a entregarem comida à mesma fêmea é um fenómeno pouco comum e este poderá ser o primeiro caso identificado em Portugal. Existem várias teorias para explicar este comportamento, mas a literatura científica sobre este tema ainda não é conclusiva.

Transferência de alimento pelo ar entre macho e fêmea. Fotografia Ismael Cunha.

“Vê-los agora, já a voar e a caçar, é uma coisa que marca. O que eu mais quero é que este trabalho divulgue uma espécie em risco, e que continuará em perigo se não houver mudanças”, enfatizou Ismael. De forma a assegurar a monitorização continuada desta espécie, para além do censo, o projeto “Searas com Biodiversidade” seguirá com a identificação de novas colónias, com o resgate de ovos que estejam em ninhos pouco seguros e com a proteção de ninhos em meio selvagem.

Outono anuncia a viagem da águia-caçadeira rumo à África subsaariana

Setembro já chegou e o outono anuncia o início da viagem das águias-caçadeiras até à sua casa de inverno: África subsaariana. As anilhas coloridas colocadas nestes indivíduos “permitirão identificá-los caso regressem para se reproduzir ou se forem observados em qualquer outro local, durante os muitos milhares de quilómetros que vão percorrer durante os primeiros anos de vida”, explicou Luís Ribeiro.

Desta forma, Ismael poderá ser informado caso os seus vizinhos mudem, ou não, de casa de verão nos próximos anos, e permitirá compreender melhor aspetos fundamentais sobre as suas rotas migratórias, preferências territoriais ou a forma como os diferentes indivíduos marcados se comportam quando atingirem a maturidade sexual. Todas as informações obtidas com recurso à anilhagem científica são fundamentais para compreender o estado das suas populações, assim como para alavancar a conservação e proteção desta que é uma espécie ameaçada de extinção no território nacional e que depende de todos para recuperar da alarmante tendência populacional em que se encontra.

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