Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Pensamos que somos donos das coisas que avaramente vamos juntando ao longo da vida para nosso desassossego.
… a minha casa… a minha horta… o meu quintal…a minha quinta… e afinal tudo nos é emprestado para partilharmos, harmoniosamente, com todos os seres vivos que dividem connosco a grandiosidade imensurável do universo…
Andava eu, na minha pequenez de aldeão, incomodado com uma, ou outra silva que persistentemente vão nascendo no meu quintal … primeiro é um rebento inofensivo, depois duas folhas, finalmente crescem esplendorosas, tal e qual como os embondeiros que ameaçavam o pequeno planeta do pequeno Príncipe do Saint-Exupéry.
… os vizinhos hão de dizer… ou quiçá pensar: - que malandro… descuidado… nem corta as silvas… esta gente da cidade não cuida de nada…. Valha-nos Deus!... e coçavam a cabeça tirando o chapéu de palha, como quem não quer a coisa!....
… e assim, as silvas, traziam-me amistosamente incomodado! E acho que as silvas persentiram na sua sensibilidade… no seu coração de silva… nos seus espinhos cravados na alma, a minha avareza… o meu incómodo… a minha falta de jeito para lidar com a partilha ecuménica… tudo é de todos… porque todos estamos presos neste pequeno planeta azul onde temos que coabitar… mas não disseram nada… e na minha ausência cobriram-se das mais doces e bonitas amoras… como quem diz… pega lá o pagamento pelo empréstimo dum palmo de terra!... …palerma!
… fiz que não entendi…
… que amoras tão doces… disse… envergonhado!
… e as silvas sorriram… da minha atrapalhação de humano… de aldeão que às vezes ainda acredita que o mundo acaba nas cercanias da Serra da Nogueira… da Serra de Nossa Senhora da Serra.
… que dia tão azul!
Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança.
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.
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