O sol ainda mal despontava no horizonte quando o som distante de cascos e trombetas ecoou pelo vale. Um arrepio percorreu Outeiro. Era o prenúncio do que todos temiam e esperavam ao mesmo tempo. As primeiras tropas castelhanas aproximavam-se, organizadas e confiantes, acreditando que a aldeia seria um obstáculo fácil de derrubar.
Na colina da Matança, João apontou para o movimento dos cavalos, com os seus olhos atentos a todos os detalhes:
- Eles vêm em três grupos, murmurou, correndo para avisar os aldeões. - Precisamos de dividir as nossas forças e de usar o terreno. Cada caminho ou carreiro, cada árvore, cada pedra pode ser a nossa vantagem.
Tomé respirou fundo. Sentiu o ferro frio da espada nas mãos. Era a primeira vez que iria lutar de verdade, e o medo batia bem forte no seu peito. Maria, ao seu lado, olhava para ele com uma mistura de preocupação e firmeza.
- Concentra-te, Tomé. Lembra-te do que Tiago nos ensinou. A coragem não é a ausência de medo. Ela apertou a sua mão. Nós confiamos em ti.
Os primeiros castelhanos entraram na aldeia pelos trilhos mais estreitos. As flechas dos arqueiros de Outeiro voaram primeiro, atingindo os inimigos desprevenidos, enquanto pedras e troncos eram lançados sobre aqueles que tentavam avançar. O choque inicial foi rápido e brutal.
Tomé sentiu o impacto da primeira investida. Desviou-se de um golpe, parou uma espada com o ferro da sua lâmina e viu o primeiro aldeão cair, ferido, mas vivo graças à intervenção de Maria. Ela corria entre os combatentes, oferecendo água e curativos improvisados, o seu cabelo escuro preso em tranças que balançavam com a corrida.
- Para trás! Gritou Tiago, comandando a defesa do centro da aldeia. Cada metro de Outeiro é nosso!
Os castelhanos, confiantes, foram surpreendidos por emboscadas. João guiava os jovens pelos atalhos, atacando rapidamente e desaparecendo na neblina, fazendo-os recuar com medo e confusão. Cada emboscada era coordenada, cada movimento estudado, mas mesmo assim o custo era alto. Gritos, feridos e alguns mortos espalhados pelo campo.
Enquanto lutava, Tomé começou a compreender a brutalidade da guerra. Cada golpe era vital, cada falha podia significar a morte de um amigo. Ele derrubou um inimigo, mas sentiu um aperto no peito ao ver João a proteger uma criança que se tinha perdido no meio da confusão. Maria segurava a mão do garoto, murmurando palavras de conforto enquanto afastava inimigos com o auxílio de um punhal.
O dia inteiro passou-se entre ataques, recuos e emboscadas. O sol subiu alto, e a aldeia começou a entender que aquela primeira investida era apenas um teste, um ensaio da tempestade que estaria para vir. Cada aldeão, desde os velhos às crianças, compreenderam que a batalha exigiria mais do que força, exigiria inteligência, união e coragem que transcendia o medo.
Ao cair da tarde, a primeira investida terminou. Os castelhanos recuaram, feridos e confusos, enquanto Outeiro respirava, exausta mas vitoriosa. Tomé sentou-se sobre uma pedra, limpando o suor e o sangue das mãos, olhando para Maria e João:
- Conseguimos… por enquanto. Disse, com a voz embargada.
- Por enquanto, respondeu Tiago, aproximando-se. - Mas lembrem-se, isto é apenas o começo. Amanhã pode ser pior, e teremos de estar prontos para tudo.
A aldeia reuniu-se naquela noite ao redor de lareiras e fogueiras, compartilhando comida, cuidando de feridos e contando histórias para manter a coragem viva. O espírito de Outeiro permanecia intacto, mas todos sabiam que o verdadeiro teste ainda estava para vir.
Enquanto o vento frio soprava pelas colinas, cada aldeão sentia o peso do destino. Amanhã, a Matança deixaria de ser apenas um nome e iria tornar-se num campo real de coragem, sangue e heroísmo que ficaria gravado para sempre na memória de Outeiro.
Continua...
N.B.: Este conto tem como base a "Lenda" de Outeiro "A Matança". A narrativa e os personagens fazem parte do mundo da ficção. Qualquer semelhança com acontecimentos ou pessoas reais, não passa de mera coincidência.

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