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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

O Notável Desígnio do Rio Fervença


 Ouvindo a épica canção de Sir Elton John “Crocodile Rock” que começa justamente com as palavras “I remember when rock was young…” do álbum Don't Shoot Me I'm Only the Piano Player , de 1973, algo me fez divergir para recordações de outros tempos, de outras vivências, de outras aprendizagens, de outros sonhos.

Comecemos pelo princípio. Há cerca de cinquenta anos eis que chego à vetusta cidade de bragança, em plena pós-revolução, finda a aventura de Portugal em África. Confesso que as primeiras impressões não foram deveras lisonjeiras. Todavia, do alto dos meus dezasseis anos, tendo em mim todos os sonhos do mundo, integrei-me facilmente na vida da cidade, pujante de estudantes e de animação, e de repente, eu era um deles, integrado e satisfeito. Mas esta talvez demasiado longa introdução sirva apenas para enquadrar o que a seguir me apetece dizer, observando o indigno cenário daquilo que já foi o “nosso” Rio Fervença.

O notável curso de água, segundo testemunhos inquestionáveis e verdadeiras exortações dos meus contemporâneos que viveram a meninice, a adolescência e juventude em Bragança, era muito mais que um rio. Era o alfa e o ómega da sua vivência. No seu curso citadino, o rio era o palco de todo o tipo de brincadeiras, de aventuras, de coboiadas e de descobertas. Foi no Fervença que eles aprenderam a nadar, a pescar (é verdade, o rio tinha peixes, rãs, libelinhas …), a acampar (sem tenda, obviamente) em perfeita autonomia e harmonia com o espaço ripícola envolvente.

Citando ainda fontes dos meus condiscípulos participantes (e acreditem que é verdade), foi igualmente sob os auspícios do Fervença, ou seja, nas suas imediações, que provaram o primeiro carrascão, a primeira cerveja, que fumaram o primeiro mata-ratos. Sem qualquer tipo de dúvida, o rio era uma fonte de vida, cujo ecossistema transbordavam de peixes, de batráquios, de aves e de insetos. Quem consegue imaginar um bando de adolescentes a deslocar-se para as margens do rio situadas a montante da Côxa, sem tendas, nem fogões, nem canas de pesca, nem anzois, muito menos dinheiro. Mas tenho a certeza que eram tempos de um entusiamo e alegria inolvidáveis, a ideia suprema de se instalarem durante uns dias, sem os constrangimentos paternos, fazendo o plano de sobrevivência a la carte nos lameiros ribeirinhos. Como eu ficava extasiado com o relato das aventuras rocambolescas por eles vividas. E com pena de não ter sido um dos participantes.

A única satisfação que posso transmitir é que eu ainda conheci o rio como ele era. Cheio de vida. Tinha um amigo, já conhecido de Angola (o Tozé Lopes), que morava nos Batoques, no primeiro andar da casa que hoje integra o café “Beira Rio”. Quantas tardes ali passamos, a ouvir duas cassetes que ele tinha (Dark side of the moon [Pink Floyd]  e Made in Japan [Deep Purple]), num daqueles aparelhos que pouco maior era que as referidas cassetes. E da sua janela passávamos um tempo infinito a contemplar o rio, divagando, cujas águas roçavam exatamente na parede da casa. Que saudade!

Todavia, partindo deste idílico paradigma, olhando hoje para a manta verde que cobre o dito rio, perguntamos de que se trata. Um tapete verde, uma pista de ski, ou uma plantação de espécies exóticas?

Como ninguém responde, sabemos que a realidade é bem diferente. Com o intuito modelar de uma pretensa reabilitação do Rio Fervença e dos espaços adjacentes na parte que integra o tecido urbano e aproveitando a oportunidade de financiamento prevista no Programa POLIS, a autarquia de Bragança acabou por transformar o curso de água naquilo que é hoje.

Verificamos que o leito foi ligeiramente desviado do seu curso natural imediatamente a jusante  da ponte do Loreto, facto esse que deu origem a uma zona de concentração de sedimentos que os serviços municipais não têm conseguido inverter ou corrigir. Se acrescentarmos a isso a ocorrência de anos cada vez mais secos e uma fraca quantidade de água permanente resultante das transformações efetuadas no decurso da intervenção urbanística, bem como a existência visível de esgotos que continuam livremente a desaguar nesse troço, temos quase a explicação lógica para o aspeto moribundo do nosso rio. O que nos revolta é que os responsáveis fechem os olhos para esta realidade, que persiste anos a fio sem qualquer benfeitoria. Pior ainda, se nos lembrarmos que a pior fase anual ocorre sempre na altura em que mais gente visita Bragança. Será que é do agrado dos responsáveis que os visitantes assistam a este espetáculo deprimente de um pseudo rio sem vestígios de vida?

Aparecem tantas fotografias nas redes sociais oficiais, mas nenhuma relacionada com o tema. Ou é preciso que o Rio Fervença tenha Facebook?

Outubro de 2025

Manuel Carlos Dias Morais

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