Em Constantim, concelho de Miranda do Douro, dentro da Terra Fria Transmontana, o inverno não chega sozinho. Chega com passos disfarçados, com vozes que não têm nome e com rostos que já não são rostos, mas memória. A mascarada, festa do 'Carocho e da Velha', acorda quando o frio aperta a terra e o povo aprende a ouvir o que não é dito.
As máscaras nascem do silêncio. Eles não escondem o homem: eles libertam-no. Sob a madeira pintada e as cores impossíveis de casas já vazias, o tempo antigo volta a respirar. Cada gesto é uma memória que se move, cada corrida do 'Carocho' uma pergunta lançada no ar. As ruas se tornam trilhas de outro mundo, onde o real e o imaginado andam de mãos dadas.
Há riso, sim, mas também um tremor profundo. A bagunça dança com a tradição dos pauliteiros, e nesse vaivém o povo se reconhece. Os personagens avançam como se obedecessem a uma música invisível, uma melodia herdada que ninguém escreveu e que todos sabem. Provocam, perseguem, quebram a calma: não por jogo, mas por necessidade.
Por algumas horas, ao ritmo dos gaiteiros, Constantim se despoja do seu nome e se torna um ritual. O passado não é lembrado: encarna-se. As regras dormem, o mundo vira do avesso e a máscara diz a verdade que o rosto está calado. É um momento suspenso, frágil e poderoso, onde a identidade é pronunciada sem palavras.
Quando tudo termina com a procissão e no templo, o povo pega os disfarces e a aldeia volta a respirar devagar. Mas algo fica batendo sob a pele das pedras. Porque a mascarada não vai embora: fica esperando. E todos os inverno, com a memória dos que já não estão, Constantim volta a abrir-lhe a porta.
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