(Colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
...e fui parar, inevitavelmente, a uma das freguesias cujo nome mais recorda essas vias de peregrinação em direcção a Santiago de Compostela: Vilar de Peregrinos. Ainda inevitavelmente, pensa-se em Vilar de Peregrinos e, de imediato, em época de «Mascaradas» e «Festas de Inverno», se é acossado pela sua anexa, a “piquerrutcha” Cidões, ali à «beirinha» do Rio Tuela, onde tem início, precisamente, a temporada das ditas «Festas de Inverno», com a sumptuosa e inesquecível «Festa da Cabra e do Canhoto», o nosso «Samhain Trasmontano», o início do «ano celta», na noite de 31 de Outubro para 1 de Novembro. “E pr’ós q’inda num lá fôrum, caralhitchas’e, num sabim u que perdim!”… Mas regressemos a Vilar de Peregrinos e aos Caminhos de Santiago…
Caminhos que, naturalmente, atravessam todo o distrito, de sul para norte, de este para oeste. Mesmo que representem, na sua maioria, derivações a partir da mais conhecida «Vía de la Plata», os peregrinos «espanholicos», que de sul vinham, não conheciam fronteiras e seguiam pelos atalhos que mais rápido os conduzissem a Santiago, seguindo as rotas dos almocreves e de outros mercadores castelhanos que tomavam a direcção das grandes feiras compostelanas. E assim nasceria Vilar de Peregrinos, local onde iam desembocar inúmeros caminhos vindos de sul. Mesmo que haja umas teorias de que terá nascido numa quinta designada por São Cibrainho, posteriormente Quinta de São Jorge, à custa da capela que por lá existe, motivo da devoção maior do Povo de Vilar de Peregrinos. Até poderá ser… Porém, há menos de 300 anos a dita quinta, São Cibrainho, era anexa de Vilar de Peregrinos, coexistindo ambas... E Cidões, por estranho que possa parecer, até é bastante anterior, e já foi a sede da freguesia, que Vilar de Peregrinos é que era a anexa. “Cousas”…
Assim como “cousa stranha” era o facto de, em eclesiásticos termos, ser a anexa Vilar de Peregrinos, que Abadia era, a mandar em Cidões. Aldeia esta que, há quase 800 anos já teria alguma importância, pois era detentora de propriedades em Ousilhão e em Nunes! Propriedades essas, conjuntamente com muitas outras, no concelho de Vinhais, que passariam, por diversas doações, para a posse de outro mosteiro: o de Santa Maria de Montederramo! Mosteiro esse que se situa em terras ourensanas, para lá do surpreendente «Parque Natural do Invernadeiro», um parque que assoberba os sentidos, pelo seu «estado selvagem».
E passaria este mosteiro beneditino a ser o «dono» de Cidões, onde possuía uma enorme granja, a partir da qual administrava todos os seus restantes e extensos bens no concelho de Vinhais. De tal forma era dono, quer de Cidões, quer de Vilar de Peregrinos, que aí exercia jurisdição civil, para a qual nomeava os seus representantes, os quais tinham poderes para prender malfeitores e levá-los à Justiça de Bragança! Até que D. Afonso IV não esteve pelos ajustes e lhe retirou essa prerrogativa. “Atãu num pudria habere uns spanhóis’e a mandare n’uas terras que num erum du reinu déis”!…
Coincidências do «arco da velha», se ontem trouxe a mais pequena freguesia, em termos demográficos, do concelho de Bragança, hoje «calhou na rifa» a menor, em iguais termos, do concelho de Vinhais! “C’um catantchu’e, ele hai cum cada cousa”!… E haveria tanto mais para dizer acerca de Vilar de Peregrinos, de Cidões, dos Caminhos de Santiago e do Mosteiro que mandou na freguesia. Mas tanto mais!
“Mas, pur hoije, já tchega! Caralhitchas’e, têmus e sêmus tantu’e, or sim’e?”… E fazemos tão pouco com a grandiosidade que temos…
(Foto Vilar de Peregrinos: Tina Morais – Grupo «Naturais e Amigos de Vilar de Peregrinos»)
(Fotos Cidões: Roberto Afonso – Página «Festa da Cabra e do Canhoto»)
Rui Rendeiro Sousa – Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer.
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas.
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana.
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros.
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.


Sem comentários:
Enviar um comentário