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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

O MANSO E O GUERREIRO IX – MIS ABUELOS

Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

O encontro desta tarde cálida de setembro aconteceu em casa do Júlio Manso que esperava o seu velho amigo, Tomé Guerreiro, na varanda de madeira, logo ao cimo das escadas de cantaria, recostado numa velha cadeira de braços, encostada à parede. Lia calmamente um livrinho com marcas do tempo nas páginas amarelecidas.
– Hoje deu-lhe para a literatura?
– Estou a reler este exemplar que tinha ali no fundo da estante.
– De alguém conhecido? – perguntou, curioso o Tomé.
– Conhecidíssimo. Jorge Luís Borges.
– Ah sim, o moncorvense.
– Supostamente!
– Seguramente!
– Não está nada provado.
– Nada há para provar. O próprio não assumiu que eram portugueses e de Moncorvo “sus abuelos”?
– Mas isso não chega. Por isso mesmo a autarquia celebrou um acordo com a Universidade de San Martin para apurar a verdadeira genealogia do escritor argentino.
– Que desperdício de dinheiro!
– Essa agora? Porque acha que é desperdício?
– Simples. Pense comigo. Porque acha que a Universidade de Buenos Aires está interessada no estudo em causa?
– Para poder descobrir a verdade, porque haveria de ser?
– Sim, sem dúvida, mas com uma permissa clara e evidente.
– Que permissa? O que sabe o meu amigo disso?
– O que eu sei é o que a lógica me diz. Os investigadores argentinos querem estudar a genealogia dos Borges com a expetativa que não sejam efetivamente de Moncorvo.
– O que o leva a pensar assim?
– Veja bem, os investigadores trabalham, em qualquer ramo científico, para  poderem publicar, certo?
– Certo, e daí?
– Daí que só é digno de publicação o que trouxer novidade. A partir do momento em que o escritor se declarou moncorvense tendo até visitado a vila nordestina, as suas origens ali deixaram de ter qualquer originalidade. Singular e interessante seria descobrir que afinal a sua origem era noutro local do norte português. Ora se a Câmara, interpretando o sentimento dos munícipes, tem tanto orgulho e proa nas origens conhecidas pode na prática usar o dinheiro público para destruir esse “património” que obtivera diretamente das mãos do académico sulamericano.
– Mas pode chegar à conclusão que afinal é mesmo como se supunha.
– Pode. E nesse caso o que é que o município ganha? Nada. Pagou para obter o que já tinha.
– Mas agora certificado.
– E que valor tem essa certificação? Sabe como essas coisas são. Lançada uma dúvida haverá sempre quem a possa retomar no futuro. Mas agora imagine que a conclusão é contrária aos interesses da autarquia.
– Bem, nesse caso, efetivamente, a aplicação dos escassos recursos públicos não terá sido a mais acertada.
– Claro. Mas não só.
– Há mais?
– Claro que há mais. Muito mais. Porque se o estudo disser que a origem do Borges é outra que reação poderá ter a Câmara que  apoiou e patrocinou o projeto?
– Não será uma posição fácil, não.
– No mínimo não poderá contraditar um trabalho apoiado, promovido e sustentado por si. Pagou, perdeu e nem pode reclamar. Não parece boa ideia andar a jogar na roleta com o dinheiro de todos.
– Provavelmente tem indicadores que apontam no outro sentido.
– Mesmo assim. Nunca deveria ter admitido a dúvida. Porque a partir desse momento, sabemos bem por outros exemplos, alguém há-de, num qualquer dia, levantar de novo essa hipótese e explorá-la. Nessa altura, o Município, se não tivesse participado no estudo anterior, além de não ter desperdiçado dinheiro estaria em muito melhores condições para a contraditar
– Lá isso...

José Mário Leite
, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia) e A Morte de Germano Trancoso (Romance) tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.


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