Bairro da Estacada em 1898 |
Como é óbvio, com a mudança política do 5 de Outubro, muitos dos problemas não se resolveram (como que por magia…). Elucidativos, sobre as condições de vida, alguns dados que alinhamos… Estes e outros factos – com variadas situações à mistura – compunham o facies da urbe e marcavam o quotidiano das suas gentes.
Logo após a implantação da República, prosseguem os esforços para resolver o problema da luz elétrica. O vice-Presidente, Júlio Soares da Rocha Pereira, em 29 de outubro, anuncia a abertura de um novo concurso “tendente ao fornecimento de energia elétrica destinado à iluminação pública desta Cidade”.
O rio e as margens adjacentes apresentavam deploráveis e preocupantes condições de higiene e de salubridade.
Eram situações que o novo Executivo camarário desejava resolver. A proposta de um vereador vai no sentido de oficiar ao Cabido da Sé que se iria proceder à expropriação, por “utilidade pública, de uma faixa do terreno na cerca do Seminário”. Este espaço era necessário para abrir uma via que, “partindo da caleja da Calçada do Rio”, desembocasse na Praça da Sé. Urbanismo e higienismo tentavam caminhar de mãos dadas. Seria possível, com esta intervenção, “remover as fezes infecciosas que lá se depositam, constituindo um perigo para a salubridade pública, conforme atestam o delegado e o subdelegado de saúde”.
Numa outra reunião da Câmara, de 10 de novembro de 1910, presidida por Júlio Rocha tratam-se, uma vez mais, assuntos referentes a condições sanitárias e problemas de saúde pública. Para combater o “flagelo” dos cães vadios, para além da utilização da rede de captura vai recorrer-se ao envenenamento. É autorizado o pagamento de 10$000 réis, ao farmacêutico Álvaro Mós, “pelo fornecimento de bolas para a extinção de cães vadios”. São práticas que se vão manter por várias décadas.
As preocupações com a saúde pública implicavam campanhas de vacinação. A Pátria Nova de 4 de dezembro de 1910 anuncia o “programa de vacinas para a infância, a decorrer no comissariado do palácio civil em todos os dias úteis”.
Na sessão camarária de 29 de dezembro, conclui-se que, por falta de dinheiro, “não se pode ter um inspetor técnico para a inspeção das rezes no matadouro”. A Comissão Municipal, para minorar o problema, apela para o “patriotismo” e o profissionalismo dos dois facultativos municipais.
Quanto ao abastecimento de água, propunham-se soluções “tecnológicas” evoluídas para abastecer as instalações militares. Envidavam-se esforços, nos princípios de fevereiro de 1911 – ver Distrito de Bragança –, para resolver os problemas do regimento de Infantaria, dos esquadrões de Cavalaria e do Hospital Militar. O abastecimento era feito por “carroças com pipa”, e na unidade de Infantaria também era realizado com barris de água, dos fontenários, transportados por soldados. Agora projetava-se resolver o problema “por meio de bomba acionada diretamente por gerador de vapor”. Nada resolvido, porque “os últimos governos da Monarquia trataram geralmente mais de interesses políticos e particulares do que de interesses públicos”. Esperava-se que o ministro de Guerra, coronel Barreto, dedicasse a este assunto “todo o interesse que merece”.
A abrir o ano de 1915, no Notícias de Bragança – órgão do Partido Democrático que vai dominar a Cidade no período republicano –, reconhecia-se que era preciso arrancar Bragança “da sornice rotineira imprópria de uma capital de distrito”. “Os homens grados”, escrevia-se no artigo “Bragança em progresso”, estão finalmente decididos a “empregar todas as suas energias na consecução de melhoramentos que tornem Bragança um pouco mais confortável e a arranquem da sornice…” (Não deixa de ser significativo que, em 1933, se mantivessem preocupações idênticas…). Anunciavam-se “empreendimentos, já esboçados, no sentido de levar água aos domicílios e espalhar luz a jorros para tornar transitáveis essa ruas, que são perfeitas armadilhas quando a lua não nos obsequeia com a sua iluminação económica…” Aproveitando o donativo de um benemérito, ia iniciar-se a construção do primeiro pavilhão de um novo hospital e informava-se que tinham sido “coroadas de sucesso” as diligências para promover a “criação de um museu e biblioteca pública”.
Hospital da Misericórdia de Bragança |
É por esta altura – depois das captações de água em Sabariz e Gostei, a partir de 1915 1916 – que os sistemas de saneamento e de abastecimento de água se vão generalizando, embora com lentidão, a quase toda a Cidade. Mas apesar desta e de outras medidas no campo sanitário, com vacinas obrigatórias, e do papel desempenhado pela intendência de pecuária, os problemas higiénicos vão arrastar-se.
A 25 de setembro de 1915, o Notícias de Bragança proclama com letras bem visíveis que vinha aí “uma avalanche de melhoramentos! Bragança progredindo. A Câmara resolve-se a despejar o saco dos benefícios”. A preocupação incide fundamentalmente sobre os “problemas capitais” da luz e da água. “Só não está iluminada a luz elétrica por causa da guerra”. “O da luz aguarda o fim da tremenda loucura da guerra para ser solucionado”.
Finalmente, “será soltado sobre a Cidade o fiat lux genesíaco e os arcos voltaicos e as lâmpadas de 30 velas tirarão à terra o aspeto bárbaro que ora tem”.
E sobre a aquisição de terrenos em Sabariz, a cerca de uma légua da Cidade, para exploração da água, comenta-se: “É um renascimento! E um embarrelamento”. É grande a euforia e divertido o relato. Haverá “então água em abundância em todas as casas, água para lavagem das ruas, regas de jardim, para bocas-de-incêndio, para tudo enfim”. “Os brigantinos começarão a lavar-se, as ruas deixarão de oferecer o mau cheiro de aguar e tudo respirará frescura e asseio… Cessarão os barulhos no verão, junto dos marcos fontenários, entre as sopeiras, por causa da vez de encher o cântaro, e muito bom cidadão, com a água metida no domicílio, ousará lavar seu corpo uma vez por quinzena”. Pormenores importantes acerca de práticas e hábitos, ou ausência deles, que condicionavam a vida citadina e a dos seus habitantes. As esperas nas fontes – das “sopei ras” e de outras mulheres –, os banhos que não se tomavam.
Ficamos a saber, também, que a Câmara vai arranjar os passeios, nomeadamente os da Rua Direita, e que vai lançar a Rua da República: é “preciso rasgá-la até à Rua Alexandre Herculano, de modo a aformoseá-la, tornar mais rápido o acesso da gente que vem pelas estradas de Mirandela e Vinhais e se dirige ao centro da Cidade, onde está o principal comércio brigantino, Praça do Mercado, etc.”. Irá “colocar as grades no muro da dita rua que dá para a cerca do antigo Seminário. As ruas que precisam de reparação vão ser calcetadas e as ruas que marginam o terreno pertencente ao Hospital da Misericórdia vão ser abertas”. A Câmara ia, ainda, obrigar os munícipes a pôr caleiras nos beirais dos telhados…
Mas esta “avalanche de melhoramentos”, que tarda a chegar, não obsta a que continuem a ser denunciadas lamentáveis situações urbanas e miseráveis condições de vida de muitos habitantes, pobres cidadãos da urbe – “artistas” e outros trabalhadores não qualificados –, como se pode ver por mais documentos de 1919 e 1920. A falta de habitações e de salubridade, leva a que, aquando da visita do ministro da Justiça, Lopes Cardoso, a Câmara Municipal e a Associação Comercial e Industrial de Bragança subscrevam uma proposta conjunta, representando àquele membro do Governo a criação de um bairro operário. Uma vez mais foi preciso esperar, já que esta proposta só irá ser concretizada em 1937, com o Bairro da Estação.
Em O Bragançano, de 16 de dezembro de 1919, pode ler-se uma entrevista com o Governador Civil, Carlos Alves. É muito o que nos diz sobre conceções sociais do pensamento republicano… “Da visita do Sr. Ministro da Justiça à Associação Artística de Bragança… saiu a ideia… da criação de um bairro operário”. Os bairros sociais, explica, teriam surgido “do movimento de reivindicações operárias e da revolução operada pela grande guerra”.
A crise mundial de subsistências que depois da guerra nos flagela, afeta de tal maneira a classe operária, que “necessário é que o Estado a proteja para obter a sua colaboração no trabalho nacional”.
Sobre a Cidade, esta análise esclarecedora do ponto de vista social: “Bragança e a sua região não é certamente uma terra de fábricas, mas é uma terra de ofícios, pela tradição e pelo exercício deles, o que já justificou a criação de uma escola industrial. Pois essa população que dos ofícios vive e que na terra se designam pelo nome de artistas, são realmente os mais atingidos pela carestia de vida. O artista, dentro da Cidade, é obrigado a emigrar para os bairros pobres… Mas, procurando este meio de resolver o problema da economia doméstica, acha a ruina, prejudicando e perdendo a saúde e dos seus, contraindo doenças que as habitações, falhas de higiene e conforto, desenvolvem como meio propício que são. O orgulho natural do homem não traz para a rua, em exibicionismos, muitas misérias, mas penetrando nesses bairros, em que se acolhem os que do trabalho vivem, e nos casebres, sem ar, sem luz, sem limpeza, que os cobrem, ver-se-á que a ação socialista do Estado ainda não chegou a esta terra”. Por isso, conclui: “proceda-se sem demora à construção de um bairro operário… A criação de um Bairro Social não é um luxo, é a vida da população pobre que se defende…”
Ainda uma alusão a outro testemunho dos finais de 1920, quando a República já ia adiantada e experimentava graves dificuldades. A obra de Carlos Alves, Propaganda Regional do Distrito de Bragança, é especialmente significativa, não só pelo diagnóstico que é feito, como pelas medidas propostas para sair do “ensimesmamento” a que o século XIX e as décadas do XX já transcorridas tinham condenado o Distrito e a sua capital.
Dispensário de Bragança, fundado em 1930 |
Entre outros problemas, preocupa-o a incipiente rede de comunicações, uma vez que no Distrito de Bragança ainda estava por concluir o plano da rede geral de viação ordinária de 1862. A rede viária municipal continuava a utilizar “os caminhos medievais conservados pelas populações locais, segundo a antiga tradição comunitária, o que deveria impedir uma circulação viária superior a 5 km/hora”, pois, como ele próprio diz, “no Distrito a viação municipal é nula, ou quase nula. Bragança tem 17 quilómetros e meio de estradas de 3.ª ordem”, entre Vale de Álvaro e Parâmio. A lentidão do progresso da “viação acelerada” também o inquieta.
O ensino industrial, renovado por um diploma de 1918, é uma necessidade básica, uma vez que as indústrias do Distrito tinham desaparecido. No domínio agrícola, aconselha o estabelecimento de escolas de fomento rural, com ensino baseado na experiência local. Cotejem-se os problemas enunciados e as soluções propostas com os conteúdos dos relatórios dos Governadores dos anos de 1870. São muitas as semelhanças. Era suposto ter-se andado mais.
Termina com um texto sobre a emigração distrital, que leva à “despovoação dos campos”. “O comboio também contribuirá para exportar a mão-de-obra mal alimentada, que apenas garantia a sobrevivência”. Carlos Alves alertava para “esse empobrecimento provocado pela emigração, primeiramente direcionada para as Américas e naquela data já para o mercado europeu que a nossa intervenção na guerra dera visibilidade e proporcionara”.
Continuava a emigrar-se. Muito…
Abre-se um parêntesis para notar que a denúncia da grande vaga da emigração vinha de trás. Nos finais de 1912, escrevia-se: “Sobe já de nove mil e quinhentos o número de emigrantes deste Distrito no ano corrente, afora aqueles que clandestinamente se retiraram por Espanha. É mais da vigésima parte da população do Distrito só a que emigrou legalmente”, refere-se em O Montanhês do Norte de 10 de novembro de 1912. De facto, a partir dos anos de 1880 e durante quase todo o século seguinte, o maior, “para não dizer único produto de exportação, tinha sido o Homem”. O Abade de Baçal, em artigo no Diário de Notícias de 17 de outubro de 1912, escrevia: “acabaram as vindimas, colheita inferior à do ano passado em quantidade e qualidade. Péssimo ano agrícola; escassez de colheitas; miséria em perspetiva; os habitantes, fugindo à fome, lançam-se nos horrores da emigração, que vai atingindo proporções assombrosas”. Baçal não fugia à falta de condições, que o Nordeste oferecia e vai continuar a oferecer.
O ano de 1919 vê chegar ao fim o Banco de Bragança, que se havia mantido em atividade durante 45 anos (1875-1919). “Era o fim de um sonho, após a vivência de algumas épocas de crise de caráter nacional e alguns factos que contribuíram, possivelmente, para o desfecho agora concretizado”. Avancemos, desde já, que de 1913 a 1915, o que se dizia passar com esta instituição teria contribuído, em boa medida, para uma grande tempestade política…
Mas nem tudo são desaires… As “trevas” vão acabar, na Cidade, com o aparecimento da energia elétrica – já se havia passado pelo azeite, pelo petróleo e pelo gás pobre. Por impossibilidades várias, em especial, pela falta de meios, só em 1921 se efetiva o fornecimento da eletricidade ao domicílio. A Companhia de Lucien Guerche edifica uma central que aproveita a hidráulica do Fervença para produzir energia. A difusão e a adesão vão ser lentas. Este 30 de outubro de 1921 foi, por conseguinte, um dia marcante na vida da Cidade, realizando-se “esta noite as primeiras experiências de luz elétrica, aparecendo iluminada a Praça da Sé, sendo, por tal motivo, grande a concorrência ali”.
E se as deficiências de higiene pública perduram por mais algumas décadas, “sobretudo nos talhos e açougues e ruas mais excêntricas, pululando monturos de lixo em São Sebastião, no Loreto e Estacada e envolvência do castelo”, a verdade é que será a República a tentar resolver os problemas de saúde pública, com a construção do Hospital, do projeto para reparação e embelezamento do Cemitério Público, do Lactário e do Dispensário Antituberculoso.
A “primeira intervenção urbana da República inicia-se em 1913, com a reformulação da Caleja da Maria Manta e seu prolongamento até junto da Praça de Almeida Garrett”, após a apropriação estatal da cerca do Seminário.
A zona, que vinha a ser valorizada, é “depois aformoseada pelo Jardim de António José de Almeida, de finais da década de 20 e inícios da seguinte. Em termos de área urbana e de novos conceitos de espaços públicos de lazer, esta intervenção é a que melhor caracteriza o que a República nos legou em Bragança, na sua formosura singela, democrática e polivalente”.Como se conclui, “é pois, este conjunto urbanístico composto pela Rua da República, Jardim de António José de Almeida e acessos vindos da Praça do Mercado que marcam este período histórico e a nova urbe, pois o novo jardim obriga à deslocalização de eventos festivos e de lazer para esta nova área pública”.
A Cidade dos fins dos anos de 1920 e dos primeiros anos de 1930 revelou-se fértil em obras de restauro e de recuperação. Por esta altura, vivia-se já um ambiente de uma certa exaltação patriótica – o património era visto como elemento essencial na afirmação da Nação.
Depois da queda da República, criam-se expetativas em relação aos novos dirigentes e vive-se um clima de uma certa euforia que se traduz num afervorar do regionalismo e do patriotismo. Em novembro de 1930, com o intuito de dar maior projeção à urbe, a Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Bragança e a Comissão Municipal da União Nacional Republicana propõem a elevação da Cidade a capital de província.
Projetos de reconstrução de edifícios e de remodelação de fachadas, são, em grande parte, exigidos pela Câmara. As intervenções na malha urbana de 1929 e anos posteriores consistem fundamentalmente em remodelações, ampliações, e realinhamentos. São manifestas as preocupações de ordem estética: substituição de fachada na Rua Alexandre Herculano; edifício novo junto da Central Elétrica; remodelações na Rua Nova e na Rua Direita; em 1931, realinhamento de fachadas na Rua da República, para além de solicitações para a Rua Abílio Beça, Largo do Tombeirinho, Largo Camões e ainda a construção de mais um armazém da moagem de Afonso Lopes, no final da Rua Alexandre Herculano. As alterações prosseguem em 1932 e 1933.
A conclusão do caminho-de-ferro levou ao aformoseamento da Avenida da Estação – antiga Rua do Conde de Ferreira e futura João da Cruz. Agora, a Avenida João da Cruz, assim denominada por ser esse o nome do empresário falido da via-férrea de Mirandela a Bragança, mereceu “intervenção demorada em artéria que será estruturante. Mas já vinha prometida da Monarquia, “unindo a estação à Casa da Roda, agora demolida e permitindo a ligação às dignas Almirante Reis e 5 de Outubro”.
De 1933 é o projeto para a construção do Matadouro Municipal.
Merece uma referência especial, no que respeita à “arte pública”, o Monumento aos Mortos da Grande Guerra. A evocação desses heróis vai ser promovida, no caso da urbe brigantina, pelo jornal Concelho de Bragança. Em agosto de 1928, o Monumento é inaugurado no Largo do General Sepúlveda, antigo Principal.
Em maio de 1932, inaugura-se o aeródromo de Bragança. Diga-se, como curiosidade, que a primeira carta transportada por avião, de Bragança para Lisboa, foi em 1 de setembro de 1925.
No ano de 1933, ainda vai haver, em Bragança, uma tentativa de revolta, de Infantaria n.º 10, contra o Estado Novo… E, em outubro de 1934, Salazar desloca-se a Bragança para uma visita relâmpago, que inclui alguns monumentos. Aí estava, como se comenta com propriedade, a “nova ordem” em pessoa.
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
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